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quinta-feira, 13 de outubro de 2016

"PEC diminuirá gasto em saúde. Será uma calamidade", diz professor da USP


Cristiane Capuchinho
Do UOL, em São Paulo
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  • Daniel Guimarães/Folhapress
    Mário Scheffer, professor de medicina da USP e vice-presidente da Abrasco
    Mário Scheffer, professor de medicina da USP e vice-presidente da Abrasco
Enquanto o governo federal tenta aprovar a "PEC dos gastos públicos" ainda este ano no Congresso, entidades ligadas à saúde se posicionam contra o limite de gastos na saúde pública.
PEC 241aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados, limita por vinte anos o aumento do gasto público à inflação dos últimos doze meses medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor). 
Em carta divulgada pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, há a estimativa de perdas de recursos para a saúde pública da ordem de R$ 433 bilhões nas próximas duas décadas. Segundo o governo federal, as áreas da educação e da saúde não serão atingidas.
Em entrevista ao UOL, Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), considera que a redução dos recursos públicos em saúde "será uma calamidade."
Nos próximos 20 anos, o sistema de saúde precisaria é de novos aportes de recursos, não de retração, pois a população idosa vai dobrar nesse período, chegar a 35 milhões de brasileiros em 2035. O SUS vai gastar cada vez mais com doenças crônicas, degenerativas, do coração, com os vários tipos de câncer.
Nesta segunda-feira (10), o presidente Michel Temer garantiu mais uma vez que os investimentos em saúde e educação serão mantidos. "É um teto global, quando for formalizar qualquer proposta talvez tenhamos que tirar de obras públicas ou alguns setores para compensar sempre saúde e educação", comentou.
O texto, aprovado em primeiro turno na Câmara na noite de segunda, ainda passa por nova votação dos deputados e deverá ser analisado pelo Senado. 
Beto Barata/PR
Temer e sua mulher, Marcela, receberam aliados para pressionar pela aprovação da PEC
Confira os principais trechos da entrevista com Mário Scheffer
UOL - O governo Temer defende a necessidade de limite de gastos para reduzir a dívida da União. No caso da saúde, o limite seria o reajuste pela inflação com base no ano de 2017. Para o senhor, como essa proposta pode afetar a saúde pública brasileira?
Scheffer - A população não está sendo informada sobre a tragédia que vai significar para a saúde estabelecer, pelo período de 20 anos, o teto para as despesas primárias, com base na correção das despesas do ano anterior pela inflação do mesmo período. Com a PEC 241, o Brasil provavelmente passará pela sua maior crise sanitária desde a criação do SUS, em 1988.
Estados e prefeituras colocam recursos próprios na saúde (muitos mais de 20% de sua arrecadação), mas esses não são suficientes e já passaram do limite suportável pelas finanças locais. Por isso, de todo o orçamento do Ministério da Saúde, 65% hoje são repassados a prefeituras e governos estaduais. É esse recurso que garante atendimento nas unidades básicas e saúde da família, exames e consultas em especialidades, cirurgias cardíacas, hemodiálise, transplante, atendimentos do SAMU, Mais Médicos e compra de medicamentos de alto custo.
Haverá, com a PEC 241, redução real do gasto público per capita com saúde.
Hoje são destinados cerca de R$ 3 por dia de recursos públicos para o SUS para cada cidadão brasileiro. Já é muito, muito pouco.
No Brasil atualmente apenas 45% dos recursos da saúde são públicos (55% são privados com gastos com planos de saúde, compra de medicamentos entre outros). A PEC 241 diminuirá ainda mais esse percentual de gastos públicos, será uma calamidade.
UOL -  Na sua opinião, qual seria o efeito prático e imediata da aprovação?
Scheffer - A consequência direta será a falta ainda maior de médicos nas unidades básicas e nos hospitais, fechamento de leitos , cancelamento de cirurgias, aumento de filas de espera. Vai gerar atrasos em diagnósticos, demora em tratamentos que levarão muita gente à piora da saúde e óbito.
Como não será possível aumentar o orçamento da saúde, novos tratamentos não serão incorporados no SUS, a judicialização irá explodir, convênios com filantrópicos e organizações sociais que hoje fazem a gestão da maioria dos hospitais e serviços serão encerrados ou racionados, haverá sucateamento e perda de qualidade de serviços que já são em boa parte ruins. 
Além disso, nos próximos 20 anos, o sistema de saúde precisaria de novos aportes de recursos, não de retração, pois a população idosa vai dobrar nesse período, chegar a 35 milhões de brasileiros em 2035. O SUS vai gastar cada vez mais com doenças crônicas, degenerativas, do coração, com os vários tipos de câncer.A PEC 241 vai assim sacrificar a saúde e a qualidade de vida de milhões de idosos no Brasil.
UOL - O ministro Ricardo Barros (PP) criou um grupo de trabalho e pediu rapidez para a elaboração de uma proposta de plano de saúde popular para aliviar o SUS. Planos de saúde mais baratos reduziriam os gastos com saúde pública?
Scheffer - Essa proposta, ainda pouco clara, nada tem a ver com solução para os problemas do sistema de saúde. Planos baratos ou populares já existem e há sérios problemas com eles. Por exemplo, previstos em lei, há planos ambulatoriais com cobertura apenas de consultas e exames, sem direito a internação, são a modalidade contratada por apenas 4% da população usuária da assistência suplementar. 
Um dos efeitos adversos dos planos "acessíveis" será sem dúvida o acirramento da judicialização da saúde suplementar. A quantidade de ações judiciais contra planos de saúde cresce em velocidade muito maior do que o aumento do número de clientes desse mercado. São as restrições de coberturas assistenciais, sobretudo tratamentos caros e complexos, os itens atualmente mais demandados, que levam o Judiciário a dar ganho de causa a pacientes em mais de 90% dos casos.
UOL - Em sua carta, a Abrasco afirma que a PEC vai contra a política de reduções de desigualdades. De que maneira isso se dá?
Scheffer - Tanto a política de austeridade, com ajuste na economia por meio de redução de gastos públicos com saúde; quanto a autorização de venda de planos populares, não encontram nenhuma similaridade com experiências internacionais. Ao contrário, em momento de crise econômica (após 2008 na Europa, por exemplo) vários países não cortaram, mas sim investiram mais recursos públicos nos seus sistemas de saúde e de proteção social, pois é o momento em que a população mais precisa desses serviços e menos pode pagar por planos privados ou atendimentos particulares em saúde.

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