“Particularmente acho que uma eleição sem Lula é o aprofundamento do golpe, uma fraude mesmo. Mas compreendo a posição de Ciro, e é faltar com a verdade acusá-lo de não ser contra o estado de exceção e o desmonte nacional em curso”, escreve o jornalista Ricardo Cappelli.
O articulista aponta perigo de divisão das esquerdas após o julgamento de Lula, em 24 janeiro, pelo TRF-4. “Neste cenário, o pior que pode acontecer é a esquerda amanhecer o dia 25 com acusações mútuas, divisões e tentativas estéreis de disputa do nada”.
O dia 25 de janeiro vai amanhecer…
Ricardo Cappelli*
As críticas exageradas e sectárias ao posicionamento de Ciro Gomes em relação ao manifesto “Eleição Sem Lula É Fraude” acenderam a luz amarela. Ciro denunciou o golpe. Se coloca claramente no campo progressista apresentando um programa nacional desenvolvimentista. Seria importante assinar algum manifesto de condenação ao processo de exceção contra Lula? Sim. O fato de não assinar o que está na praça o torna um traidor? De forma alguma.
Eu sou do tempo que quando queríamos colher assinaturas em algum manifesto tomávamos duas medidas antes de lançá-lo. Primeiro elaborávamos um texto da forma mais ampla possível, afirmando apenas os princípios fundamentais. Depois consultávamos as forças políticas para ver se todos “cabiam” nele. Particularmente acho que uma eleição sem Lula é o aprofundamento do golpe, uma fraude mesmo. Mas compreendo a posição de Ciro, e é faltar com a verdade acusá-lo de não ser contra o estado de exceção e o desmonte nacional em curso.
O pedetista fez a opção de tentar se construir por fora do Lulismo. Uma estratégia diferente das adotadas por Manuela e Boulos. Jamais acreditou num apoio do PT à sua candidatura. Daí a lógica de ser solidário e ao mesmo tempo se diferenciar. É cristalino que apanha de setores da esquerda por ter feito esta opção. Além disso, vale uma reflexão: o que seria uma leitura responsável, levando às últimas consequências a afirmação “eleição sem Lula é fraude”? Boicote ao pleito no caso de inabilitação do ex-presidente?
Da mesma forma, ajuda pouco o histrionismo com que foi tratado o artigo do ex-ministro Nelson Barbosa publicado na página do PT. Assisti por acaso uma entrevista do economista ao jornalista Mário Sérgio Conti. A leitura de Barbosa foi límpida, uma posição de centro sem meias palavras. Segundo ele, o país vive uma crise e será necessário que “todos” deem sua parcela de sacrifício. Discordou abertamente da estratégia de tentar debitar na conta do andar de cima o ajuste necessário. Lembremos que no auge da crise ele propôs medidas “a la Joaquim Levy”. Lembremos também que Dilma foi pressionada por Lula para substituí-lo por…..Meirelles! Qual a novidade então em torno de suas posições?
Ciro é Ciro, joga no nosso campo, mas não irá mudar seu estilo e suas opções. Assim como Lula. Da mesma forma farão Manuela e Boulos. “O barro é esse mesmo”, com suas qualidades e limites. É com esse barro que teremos que trabalhar, de uma forma ou de outra. O TRF-4 deve confirmar a condenação absurda de Lula. Pode até acontecer, mas convenhamos que não faz muito sentido darem um golpe e depois devolverem o poder ao pai da rainha destronada. O dia 25 vai amanhecer, e com ele um novo quadro, mesmo considerando a estratégia correta do PT de levar a candidatura de Lula ao limite. O fato é que ainda não sabemos quais serão os desdobramentos, que peças serão mexidas no tabuleiro da reação. Por mais que olhe não consigo me convencer que tudo correrá como vemos hoje.
No meio de tantas incertezas, apenas uma coisa é certa. Estamos num processo acelerado de tentativa de fechamento democrático. Neste cenário, o pior que pode acontecer é a esquerda amanhecer o dia 25 com acusações mútuas, divisões e tentativas estéreis de disputa do nada. O buraco é grande e o jogo numa das maiores economias do planeta vai entrar em sua fase decisiva. O dia seguinte, seja qual for o resultado, será turbulento. Vamos precisar de serenidade, equilíbrio, respeito e compreensão para unir tudo que for possível. Se não entendermos isto viraremos passageiros histéricos sem a menor capacidade de retomar o controle do avião.
*Ricardo Cappelli é jornalista e secretário de estado do Maranhão, cujo governo representa em Brasília. Foi presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) na gestão 1997-1999
Por Madalena França do blog do Esmael
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