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sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Fome: Quase 10% não terão o que comer no Brasil

 

Por Hylda Cavalcanti – Jornal de Brasília
Em meio aos estudos feitos nos últimos meses sobre como ficará a situação das populações em meio à crise econômica decorrente da pandemia da covid-19, um recorte apresentado em relatório da ONU de julho passado mostra que o índice de pobreza extrema do Brasil deve chegar a 9,5% da população – a taxa era de 5% em 2019.
A extrema pobreza é considerada quando um indivíduo ganha menos de US$ 67 (R$ 353) por mês. Além disso, a pesquisa mostra que o segmento de brasileiros que ganham menos de US$ 140 (R$ 738) por mês passará de quase 20% em 2019 para 26,5% em 2020.
Esse último estudo da ONU constata que o risco é também político, com mais violações de direitos humanos e retrocesso nos avanços democráticos das últimas décadas. “A resposta requer um reequilíbrio do papel do Estado, do mercado e da sociedade civil na formulação de políticas, ênfase na transparência, maior prestação de contas e inclusividade para apoiar a democracia, fortalecimento do Estado de Direito e proteção e promoção dos direitos humanos”, ressalta o documento.
Na avaliação da secretária-executiva da Cepal, Alicia Bárcena, o que acontece na América Latina e no Caribe, é que muita gente que saiu da pobreza continua num estado de muita vulnerabilidade. “E várias destas pessoas já não possuem perfil para os programas de apoio dos governos”.
Apoio e proteção

“Uma das sugestões apresentadas por ela é a adoção de medidas para proteger o emprego e os salários. É preciso manter o emprego dos trabalhadores formais, mas também dos informais. A América Latina tem 53% de pessoas que trabalham na informalidade. Essas pessoas também precisam de apoio e as pequenas e médias empresas também precisam de proteção, porque é importante evitar a perda da capacidade produtiva da região”, destacou.
Alicia afirmou que na década de 1980, considerada a década perdida da América Latina, a região levou cinco anos para recuperar a renda per capita, entre o fim dos anos 1980 e início dos 1990. No entanto, para recuperar as cifras de pobreza foram necessários 25 anos.
Uma quinta pesquisa, elaborada por técnicos da Inglaterra e Austrália junto com o Instituto Mundial das Nações Unidas para a Pesquisa Econômica do Desenvolvimento (UNU-WIDER) chegou à estimativa de que o número de pobres brasileiros este ano pode aumentar de 700 mil (5%) a 1,5 milhão (10%) e 3,3 milhões (20%), caso os percentuais tenham aumento que oscile entre 10% ou 20%.
Enquanto, ao redor do mundo como um todo, o número de pessoas vivendo na pobreza extrema passaria de 727,3 milhões atualmente para 1,1 bilhão, na pior das hipóteses (20%). Segundo os pesquisadores, caso se confirme, esse cenário indicaria uma reversão de sete a dez anos de progresso na luta contra a redução da pobreza, dependendo da contração, e o primeiro aumento absoluto de pessoas vivendo em extrema pobreza desde 1999.
DF tem abismo social escancarado
Um bom exemplo do empobrecimento da população brasileira e do aumento das dificuldades observadas com a pandemia pode ser observado no Distrito Federal, considerado hoje uma das áreas do país com maior desigualdade social. Estudo divulgado no final do ano passado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e pela Oxfam Brasil apontou um desnível grande de indicadores sociais na área, sobretudo nas Regiões Administrativas de Samambaia, Estrutural, São Sebastião, Paranoá e Itapuã.
Conforme esse trabalho, que tomou como base dados de 2018, o Índice de Gini – que mede a diferença de renda em uma escala de 0 a 1, sendo 1 a maior desigualdade per capita – subiu no DF de 0,53 em 2015, para 0,58 em 2018.
As diferenças são observadas desde a renda da população a dificuldades de conseguir trabalho formal, falta de planejamento das cidades – em contraste com Brasília – e carência de equipamentos públicos, bem como de postos de saúde, escolas, serviços de segurança pública e serviços de água e saneamento.
No DF, de acordo com o estudo do Inesc, aproximadamente 55% da população é considerada de baixa e média renda. O caso do eletricista Rogério da Silva é bem sintomático das mudanças provocadas pelos novos tempos. Depois de anos, a família toda se reuniu para encontrar forças e conseguir sobreviver. Primeiro foram os pais, que ficaram desempregados no ano passado e perceberam que não poderiam mais pagar o aluguel da casa em que moravam em Unaí (GO).
Vieram, então, para Brasília onde já tinham morado nos anos 1990 e passaram a viver ajudados pelos filhos. Em abril passado, foi a vez de Rogério ficar desempregado. Ele então, fez a opção de passar a morar com os pais.
Força vem da união
A irmã, Maíra da Silva, que trabalhava como boia quente em Unaí, também deixou de trabalhar e seguiu o mesmo caminho. Hoje, os quatro se ajudam, num grupo que ainda reúne os filhos de Maíra e a irmã mais nova dos dois.
A família se juntou, segundo contou Rogério, para conseguir sobreviver e economizar. E hoje está acampada em três barracas montadas numa área na 909/910 Norte porque o único rendimento que tem fixo é o valor dos auxílios emergenciais pagos pelo governo que o pai e a mãe têm recebido. Rogério e Maíra se inscreveram, mas contaram que não foram contemplados com o benefício.
Eles saem durante o dia para tentar fazer bicos e ver se conseguem um novo emprego, enquanto o pai está tentando retornar ao trabalho de catador de lixo para reciclagem. Com a união da família, a mãe, Ana Lúcia da Silva, assumiu a tarefa de cuidar dos netos e de fazer a comida para todos. “Estamos passando por uma grande crise, mas estamos unidos e isso é bom”, contou ela.
Rogério chegou a cursar engenharia elétrica em Goiânia e estava perto de concluir o curso, mas foi expulso por falta de pagamento das mensalidades. “Saí bem de baixo, subi um pouco na vida e agora regredi”, disse, ao narrar sua trajetória.
“Esperança a gente tem porque não pode acabar, caso contrário desaba. O auxílio está ajudando, de vez em quando alguém nos faz uma doação de cestas básicas, mas preciso de emprego. Quero não apenas voltar a ter uma renda para ajudar a família, mas pra viver, para retomar meu curso”, afirmou.

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