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quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Aos 102 anos, Izaulina não trocou a paz nem a cervejinha por homem algum


Independente, ela nunca se importou com as regras impostas pela sociedade e hoje vive ao lado da irmã Leoniza, as duas com orgulho do próprio passado.

Kimberly Teodoro
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Aos 102 anos, Izaulina nunca se casou ou teve filhos, muito menos se arrepende das escolhas do passado (Foto: Kimberly Teodoro)Aos 102 anos, Izaulina nunca se casou ou teve filhos, muito menos se arrepende das escolhas do passado (Foto: Kimberly Teodoro)
Personalidades e destinos diferentes são parte da história das irmãs Izaulina dos Santos, que recentemente fez 102 anos, e Leoniza dos Santos Soares, de 94 anos, que apesar das escolhas opostas ao longo dos anos, ainda tem uma a outra, as únicas vivas entre os 12 irmãos.
Enquanto Leoniza é extrovertida e “faladeira”, cheia de causos para contar, Izaulina é mais reservada, de palavras curtas, olhar examinador e experiente, com autonomia de quem olha o próprio passado de luta com orgulho. Lado a lado, a individualidade de cada uma se destaca, enquanto intimidade de quem se conhece desde o berço dá a liberdade que Leoniza precisa para contar a vida da irmã, com admiração e respeito de quem fez escolhas diferentes para si, mas compreende a outra, não pela similaridade, mas pelo amor.
Com escolhas e personalidades diferentes, as irmãs são unidas pelo amor e respeito de quem se conhece desde o berço (Foto: Arquivo Pessoal)Com escolhas e personalidades diferentes, as irmãs são unidas pelo amor e respeito de quem se conhece desde o berço (Foto: Arquivo Pessoal)
Por ser a menorzinha e mais enérgica entre as irmãs quando criança, Izaulina foi apelidada com carinho de “Rolinha”, o passarinho típico daqui, a beleza de traços graciosos combinava com a do pássaro, até na chegada da idade, que não apagou os traços da força da juventude, mas acentuou a delicadeza.
Para quem pergunta, Izaulina diz não ser vaidosa, mas os detalhes do vestido elegante, unhas pintadas e brincos clássicos denunciam o contrário, a sobrinha Cristina conta que ela faz questão de escolher as próprias roupas e não se importa em ser feita de “boneca de carne”, pela sobrinha-neta, Isadora, filha de Cristina. As duas são “grudadas” desde o nascimento de Isadora, que cuida da tia-bisavó com todo o carinho do mundo até nas brincadeiras como “salão de beleza”, quando ela penteia os fios brancos de Izaulina e faz as unhas.
Izaulina soube desde cedo o significado da palavra independência, mulher a frente do seu tempo, nunca se casou e nem teve filhos, quando mais nova até chegou a ter dois namorados e diversos pretendentes, mas enquanto o sonho das outras moças na mesma idade era entrar de branco na igreja, ela almejava para si um futuro livre.
Izaulina quando mais nova teve muitos pretendentes, mas não trocou a cervejinha e paz por homem nenhum (Foto: Arquivo Pessoal)Izaulina quando mais nova teve muitos pretendentes, mas não trocou a cervejinha e paz por homem nenhum (Foto: Arquivo Pessoal)
“O medo de casar era tanto, que uma vez um dos pretendentes levou um 1 quilo de linguiça de presente para ela, pergunta se ela comeu. Comeu nada, jogou fora sem nem encostar dizendo que o que ele queria era casar com ela e poderia ter colocado um feitiço na carne, ela é que não ia correr o risco”, conta Cristina aos risos.
Se o marido e os filhos fizeram falta? A resposta é um suspiro e uma única frase em tom tolerante: “Homem dá muito trabalho”, acompanhados de um olhar de descaso de quem ouviu a pergunta a vida inteira e não se importou nem um pouco com as ideias da sociedade da época, muito menos ligou para as cobranças de que mulher precisa ser mãe para ter um propósito na vida. O que ela prefere mesmo é cervejinha gelada do fim de semana e tranquilidade de quem foi, por 102 anos, dona do próprio nariz.
Quando mais nova trabalhou como doméstica, fazia questão de conquistar o dinheiro que precisava para viver, e só mais tarde, quando as irmãs mais novas precisaram dela, a independência rebelde passou a ser dedicação e altruísmo. “Mais da metade da vida ela, além de trabalhar para fora, ela foi a cuidadora e companhia constante das irmãs quando a idade e os problemas de saúde começaram a chegar, ajudou a criar os 21 sobrinhos e esteve presente no nascimento dos incontáveis sobrinhos-netos”, relata Cristina.
Leoniza conheceu o amor cedo e diferente da irmã se casou aos 21 anos (Foto: Kimberly Teodoro) Leoniza conheceu o amor cedo e diferente da irmã se casou aos 21 anos (Foto: Kimberly Teodoro)
Já Leonizia conheceu o amor cedo, desde o primeiro encontro até o casamento levou 1 ano de visitas na sala e conversas ao portão com o único namorado e mais tarde marido, aos 22 anos já estava casada e de lá para cá foram 50 anos de vida compartilhados, 6 filhos, netos e bisnetos que ela “divide” com a irmã.
Aos 94 anos, ela revela que a vida consiste em continuar olhando para frente, palavras de sabedoria que vieram com muita luta e a dor de quem já perdeu uma filha, 10 irmãos, o marido e um incalculável número de conhecidos, amigos e parentes. Perdas que além das lágrimas, trouxeram compreensão e força para seguir em frente, na memória e no olhar os rostos, nomes e histórias de cada ainda são vívidos, a voz não esconde a saudade, mas também não ofusca a gratidão pela vida, reencontrada aos poucos, mas que colocou de volta o sorriso no rosto e alegria de ver os filhos e netos crescerem e por ser capaz de pegar os bisnetos no colo.
As irmãs seguem a vida, que promete ainda ser muito longa pela saúde de ferro e disposição de quem continua acordando cedo e cuidando dos afazeres da casa e da família, mesmo sem precisar. Há também os passeios de fim de semana para visitar os parentes, as conversas na varanda e a cervejinha sagrada pela qual é famosa Izaulina, por recomendações médicas, hoje a gelada é sem álcool e só uma vez por semana, mas nem por isso ela abre mão.
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Comemoração de 102 anos de Izaulina (Foto: Arquivo Pessoal)
Madalena França

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