SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Polícia Civil de Pernambuco prendeu o
principal suspeito de estuprar, apedrejar e espancar a pauladas o estudante
Jefferson Anderson Feijó da Cruz, 23. Robson da Silva Alexandre, 25, foi preso
preventivamente após decisão da Justiça. O nome dele já havia sido apontado no
inquérito policial e na denúncia do Ministério Público, mas só foi detido quase oito
meses depois do crime, no dia 1º deste mês.
A reportagem da Folha de S.Paulo procurou, mas não localizou a defesa do suspeito.
Aos policiais civis, Robson negou qualquer participação no crime.
Robson vai responder na Justiça pelo crime de tentativa de homicídio, que, segundo
as investigações do Ministério Público, foi motivado por homofobia. Jefferson é gay.
O crime chocou a pequena Moreno, cidade-dormitório do Recife, pela grande violência
contra a vítima, que ficou sem andar e falar. Jefferson só come por meio de sonda
e respira com ajuda de uma traqueostomia. Também perdeu as funções cognitivas –não
discerne fatos e nem expressa emoções.
"Recebi a notícia da prisão e senti um grande alívio. Vivi esses meses todos com muita
angústia. O meu medo era que ele fizesse a mesma coisa com outra pessoa", disse,
emocionada, a dona de casa Etiene Feijó de Melo, a mãe de Jefferson.
O suspeito está preso no Cotel (Centro de Observação Criminológica e Triagem Professor
Everardo Luna), em Abreu e Lima, cidade da região metropolitana do Recife.
ENTENDA O CASO
Naquela noite de 7 de dezembro de 2018, Jefferson estava com o sorriso largo, lembra
Gabrielle Maria da Conceição, 19. Ela e mais cinco amigos foram convidados por ele
para uma noite regada a cachaça na praça da Bandeira, lugar mais descolado da cidade de
62 mil habitantes.
Jefferson tinha motivos para comemorar. Havia concluído o ensino médio e planejava
com a ajuda do pai entrar na universidade. Contou aos amigos que queria ser fotógrafo
e também pensava em cursar direito.
A amiga diz que o encontro avançou pela madrugada, porque a cidade também estava
em festa. Era dia de Nossa Senhora da Conceição, santa padroeira de Moreno.
Entre um gole e outro, a adolescente conta que viu Robson, um homem que ela conhecia
apenas de vista, se aproximar aos poucos do amigo. Na primeira investida, ele pediu um
gole de cachaça. Um tempo depois, quis beijar Jefferson. "Dá para a gente ficar?", teria
perguntado o acusado.
Segundo Gabrielle, Jefferson respondeu: "Oxe, eu tenho namorado e não preciso
disso, não". Ao longo daquela madrugada, a adolescente diz que Jefferson reclamou
muito que o acusado estava "encharcando", uma gíria local que significa "insistindo".
Em uma das idas ao banheiro com o amigo, Gabrielle diz que Jefferson contou que se
sentia ameaçado sendo gay e vivendo no interior do Brasil. "Eu ia ficar tão mal se
apanhasse por ser gay que nem teria coragem de sair de casa", disse ele, segundo a amiga.
Minutos depois de revelar o medo, ele entraria nas estatísticas de violência contra os
LGBTs no país. De acordo com o Atlas da Violência do Ipea (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada), cresceu 10% o número de notificações de agressão contra gays
e 35% contra bissexuais de 2015 para 2016, chegando a um total de 5.930 casos, de abuso
sexual a tortura.
Jefferson foi espancado quando saiu da praça para urinar pela segunda vez em um
beco do prédio do Detran (Departamento de Trânsito) de Moreno. Ele foi seguido pelo
acusado, que depois foi visto pelos amigos da vítima com as mãos ensanguentadas,
além de ter sido gravado por câmeras de segurança deixando o local do crime.
"Eu perguntei: cadê o Jefferson? Ele me empurrou e disse que o Jeff estava vindo",
contou a amiga Gabrielle.
Não se sabe quanto tempo durou a sessão de tortura. A maioria dos golpes, segundo a
Polícia Civil, atingiu a cabeça da vítima.
Jefferson foi encontrado banhado de sangue e desacordado. Estava de bruços, com a
cueca descida até os joelhos e a camiseta levantada.
Russeaux Vieira de Araújo, promotor responsável pelo caso, disse que o acusado teve duas
intenções. "A primeira foi a de estuprar o rapaz e, a segunda, mediante violência física,
de subtrair o celular dele", afirmou.
Jefferson foi socorrido pelos amigos e levado a uma UPA (Unidade de Pronto
Atendimento), mas deixou o local rapidamente devido ao agravamento de seu estado de
saúde. "Ele estava desfigurado", disse o tio George Dean de Oliveira, 49.
No Hospital da Restauração, no Recife, foi direto para a UTI, onde ficou um mês em
coma. Com um quadro mais estável, foi transferido ao Hospital
Tricentenário, em Olinda (PE), onde permaneceu internado até julho.
O episódio mudou os rumos da família Feijó de Melo. Etiene se mudou para Olinda
com o marido, Marcos, para uma casa colada ao Tricentenário. "Toda a atenção é para ele",
contou a mãe.
A família contratou uma equipe composta por enfermeira, fisioterapeuta e fonoaudiólogo
para prestar assistência ao filho em casa. Ter essa assistência domiciliar foi a
prerrogativa dada pelo hospital para liberar o jovem da unidade.
Jefferson já responde bem ao tratamento, afirma a mãe. "Ele já mexe os pés e parece
estar ouvindo tudo o que a gente fala. Para todos nós, é um grande avanço."
A assistência em casa só foi possível porque uma vaquinha virtual arrecadou R$ 123
mil, com o apoio de 1.941 doadores.
HOMOFOBIA
Etiene disse que a família é evangélica e sabia que Jefferson é gay, mas nunca havia tocado
no assunto."O máximo que eu pedia era que ele não levasse nenhum homem para dentro
de casa". Mas nada explica a violência que o filho sofreu, diz ela. "Queremos Justiça.
Queremos que o rapaz que fez isso com ele seja preso. É o mínimo."
O promotor vê no episódio uma conotação homofóbica clara. "O acusado manteve
um intenso assédio contra o Jefferson. E mesmo tendo recusada a prática sexual,
esperou o estudante se colocar em posição de fragilidade para agredi-lo e violentá-lo
sexualmente a força", explicou.
"O acusado é conhecido na cidade como 'papa frango', uma expressão usada para homens
que fazem sexo com homens em troca de dinheiro", completou o promotor.
Apesar disso, diz Russeaux, Robson não foi denunciado por homofobia, mas por
estupro com agravante de lesão corporal grave, além de roubo. "Ainda não havia
previsão legal para tipificar a homofobia."
Foi no dia 23 de maio que o STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria dos ministros
para enquadrar a homofobia como um dos crimes de racismo, até o Congresso aprovar lei
sobre o tema.
Em nota, o Tribunal de Justiça de Pernambuco afirmou que o processo está sob segredo de
Justiça por se tratar de crime sexual.
Postado por Madalena França