A proposta do vereador Rubinho Nunes (União Brasil) de instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o trabalho das Organizações Não Governamentais (ONGs) na Cracolândia, localizada na cidade de São Paulo, tem gerado um considerável debate e controvérsia, uma vez que o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua, é apontado como um dos primeiros a serem interrogados.
O vereador Rubinho Nunes afirma contar com o apoio de mais de 30 colegas na Câmara Municipal de São Paulo para instalar a CPI.
No entanto, a obtenção das assinaturas necessárias não é garantia de que, sob pressão e influência de diversos fatores políticos, alguns vereadores que assinaram o pedido de criação da CPI não venham a retirar seus apoios.
É uma situação que frequentemente ocorre no cenário político.
Vale ressaltar que o vereador Rubinho Nunes, atualmente em seu primeiro mandato, é conhecido por ser um dos fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL).
Em dezembro, ele tentou convocar o padre Júlio para depor por meio de uma frente parlamentar, porém, o regimento da Câmara Municipal não conferia a ele tal poder.
O vereador alega que o padre se recusou a comparecer e indicou que a competência para interrogá-lo seria de uma CPI.
Agora, com a CPI em andamento, o padre Júlio deverá ser convocado, podendo ser compelido a comparecer com o auxílio de força policial, caso se recuse.
Rubinho Nunes alega que o padre Júlio Lancellotti e outras personalidades ligadas a ONGs se beneficiam politicamente com a situação caótica na Cracolândia.
A CPI proposta busca investigar o que o vereador denomina como “máfia da miséria”, a qual, segundo ele, é perpetuada por ONGs com orientações políticas de esquerda.
Por outro lado, é importante destacar o relevante trabalho social realizado pelo padre Júlio Lancellotti ao longo dos anos.
Ele atua junto a menores infratores, indivíduos em liberdade assistida, pacientes com HIV/Aids e populações de baixa renda e em situação de rua.
Em 1991, fundou a “Casa Vida I”, uma instituição destinada a acolher crianças portadoras do vírus HIV, que contou com a madrinha ilustre, Diana, Princesa de Gales.
Em 2007, o padre Júlio foi vítima de uma denúncia infundada de abuso sexual de menores.
As investigações policiais concluíram que a acusação era falsa, e o casal responsável pela denúncia foi condenado a sete anos de prisão por extorsão.
Esta experiência traumática ressalta os desafios enfrentados por aqueles que se dedicam a trabalhar com as camadas mais vulneráveis da sociedade.
Além disso, é importante notar que o padre Júlio Lancellotti, o deputado Guilherme Boulos (PSOL) e outros ativistas sociais entraram com uma ação civil pública contra o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), no ano passado.
Esta ação tinha como objetivo impedir o confisco das barracas utilizadas pela população em situação de rua na cidade. Guilherme Boulos é candidato a prefeito de São Paulo, enquanto Ricardo Nunes busca a reeleição, possivelmente com o apoio do presidente Bolsonaro.
O padre Júlio Lancellotti, por sua vez, declarou publicamente seu apoio a Boulos, que também conta com o respaldo do presidente Lula.
A presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann, considerou um absurdo o que os bolsonaristas da Câmara Vereadores de São Paulo estão fazendo, instalar uma CPI, que vai ter como alvo quem presta apoio humanitário a pessoas em situação de rua e a dependentes químicos da região da Cracolândia, inclusive o Padre Júlio LancelLotti.
“O que essa turma tem que quer criminalizar um padre? Uma pessoa que só ajuda e cuida dos que mais precisam, todos conhecemos o seu trabalho. Toda solidariedade, companheiro! Depois era o Lula que ia perseguir os cristãos”, recordou a dirigente petista, em alusão às fake news da extrema direita na campanha de 2022.
Finalmente, é importante ressaltar que, historicamente, a Igreja tem desempenhado um papel significativo na defesa dos mais vulneráveis na sociedade.
Como afirmou o ex-arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, “Sempre que procura defender os sem-vez e sem-voz, a Igreja é acusada de fazer política.”
O próprio Dom Hélder foi chamado pelos generais da ditadura militar de 1964 de “o bispo vermelho” devido ao seu engajamento em questões sociais.
A instauração da CPI proposta pelo vereador Rubinho Nunes promete ser um importante momento de investigação e debate político.
Ela colocará em foco não apenas as atividades das ONGs na Cracolândia, mas também questões mais amplas relacionadas ao trabalho social, política e engajamento da Igreja na defesa dos mais necessitados.
A história do padre Júlio Lancellotti e sua trajetória de dedicação aos desfavorecidos certamente desempenharão um papel central nesse debate.
Portanto, a CPI que persegue o religioso poderá ser um gol contra da direita ou o popular tiro que sai pela culatara.