Nas primeiras campanhas eleitorais de que participei, o voto era em papel e a maioria dos eleitores escrevia mesmo o nome e não o número (então, uma novidade) de seu escolhido. E, nas mesas de apuração, não era raro o juiz ser chamado para ajudar a decifrar ou confirmar a decifração do mesário sobre a letra garranchuda, trêmula ou espalhada, do votante mais humilde, que apenas garatujava.
A “ordem” dos juízes eleitorais – muito sábia, mas que hoje anda escassíssima – era uma só: “aproveitar o máximo a vontade do eleitor”, o que significava que só se anularia aquele voto realmente impossível de decifrar.
Nesta pequena frase, simplória até, está a chave da democracia eleitoral: é a vontade do eleitor que impera sobre todas as coisas. Ou, ao menos, assim deveria ser.
Porque o que se vê, e com cada vez mais força, é a tentativa do sistema jurídico-midiático de, sob pretextos mil, atirar fora a vontade do eleitor e substituí-la pela sua.
Iniciada a partir da “onda moralizadora” da Lei da Ficha Limpa, suas excelências e suas “midiacências” foram e vão alargando seu poder de usurpar o direito de escolha do eleitor: sendo impossível dizer em quem deve votar, proibi-lo de votar em quem ele deseja, vetando candidaturas. E quem disser o contrário, claro, está defendendo a corrupção.
Hoje, na Folha, o senhor Luiz Fux deita falação – sempre “em tese”, claro, embora todos saibam de quem ele está falando – sobre mais uma inovação legal: a de que a mera denúncia deva ser suficiente para proibir alguém de candidatar-se. Como a prisão preventiva banalizou-se pelas mãos de Sérgio Moro, agora o Sr. Fux, “à luz dos valores republicanos (e) do princípio da moralidade ” quer instituir a “cassação preventiva”.
Gravíssimo é isso vir da boca de alguém que, no ano que vem, presidirá o Tribunal Superior Eleitoral.
“À luz dos valores republicanos” é de se perguntar ao Sr. Fux o que se vê diante da indicação de sua filha, que nem juíza era, para ser desembargadora no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro? Ou, frente ao princípio da moralidade, o que ele acha de ter concedido e ampliado o auxílio-moradia imoralmente pago a juízes e promotores, mesmo quando vivem na cidade em que trabalham, com liberdade de gastá-lo como quiserem, com isenção total de impostos?
A pregação da moralidade, como sempre, vale para o vizinho, não para a casa do moralista.
No fundo, desprezam a população, a quem consideram um bando de iletrados e ignorantes, a quem eles, devem conduzir com sua sábia arrogância. Somos crianças e eles sabem o que é melhor para nós.
O Judiciário, o poder menos legitimado pela vontade popular, agora chega aos píncaros da usurpação daquilo que era um regra simples e clara: aproveitar ao máximo a vontade do eleitor. O que deve prevalecer é a deles, escolhidos por governantes que ajudam a derrubar e sacramentados pelo parlamento a que querem dominar.
São, antes da cátedra, doces, cândidas, dóceis criaturas, que garantem a seus instituidores “matar no peito” o que vier. Depois, com a toga e a vitaliciedade garantidas (e estendidas pela PEC da Bengala) cumprem o dever de comprovar o velho ditado português: “Queres conhecer o vilão? Põe-lhe na mão o bastão”.
Fux, Fachin, Barroso e outros estão aí, a mostrar que a sabedoria popular, aquela que desprezam, costuma ter muita razão.