Foto: FABRICE COFFRINI / AFP
As declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet , e seu pai, general Alberto Bachelet , morto por causa das torturas sofridas durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), foram repudiadas por dirigentes políticos dos principais partidos políticos do país. Deputados e senadores de esquerda, centro e direita questionaram o que consideraram um ataque à ex-presidente chilena (2006-2010 e 2014-2018) e uma utilização por parte de Bolsonaro da História do Chile “com fins de política interna”.
A polêmica iniciou-se com um posicionamento de Bachelet nesta quarta-feira sobre a democracia e os direitos humanos no Brasil. Perguntada sobre o assunto numa coletiva em Genebra, a alta comissária da ONU afirmou que houve “uma redução do espaço democrático” no país. Bachelet se referiu a “ataques contra defensores dos direitos humanos e restrições impostas ao trabalho da sociedade civil”. A ex-presidente do Chile, que foi presa e torturada durante a ditadura em seu país, também falou sobre o aumento de violência policial, especialmente no Rio.
A resposta de Bolsonaro foi rápida e incluiu uma menção ao passado de Bachelet e sua família. Em sua conta no Twitter, o chefe de Estado afirmou que “se não fosse o pessoal do [Augusto] Pinochet derrotar a esquerda em 1973, entre eles o seu pai (de Bachelet), hoje o Chile seria uma Cuba”. Para Bolsonaro, a alta comissária da ONU está “defendendo direitos humanos de vagabundos”.
Em Santiago, as declarações do presidente causaram espanto e revolta:
— São lamentáveis as declarações de Bolsonaro. Ele usa a figura de Bachelet para assuntos de política interna do Brasil. As batalhas se ganham com ideias, não com acusações desse tipo. Um liderança política séria e responsável deve ter argumentos e não fazer ataques — disse ao GLOBO o deputado Issa Kort, da direitista União Democrática Independente (UDI), que integra a aliança de governo do presidente Senastián Piñera.
Para ele, os chilenos “conhecemos a História de nosso país e devemos aprender dela, mas não permitir que outros países usem nossa História para seus fins políticos. Nunca usamos a História do Brasil para fins de política interna e não podemos aceitar que Bolsonaro o faça. O que aocnteceu no Chile fica no Chile e se resolve no Chile”.

Repúdio da oposição

Entre opositores de Piñera as reações foram similares. O senador do Partido Socialista José Miguel Insulza, ex secretário geral da Organização de Estados Americanos (OEA), pediu ao governo que se pronuncie sobre a atitude de Bolsonaro. “O senhor Bolsonaro demonstrou uma capacidade de insultar as pessoas absolutamente impressionante”, escreveu Insulza em sua conta no Twitter.
O também dirigente socialista e ex-embaixador do Chile na Argentina e Washington, Juan Gabriel Valdés, disse que “a menção ao pai de Michelle Bachelet é miserável. Espero que o governo do Chile proteste diante de insultos que afetam nosso país”.Já a deputada do Partido Comunista Camila Vallejos disse “lamentar que o povo brasileiro tenha um presidente que faz apologia da ditadura”.
— Muitos de nossos pais, irmãos e avós foram assassinados e desaparecidos graças à ditadura que ele reivindica. Essa opinião não representa a América Latina — enfatizou Vallejos.
O conflito desencadeou-se no mesmo dia em que o chanceler chileno, Teodoro Ribera, chega ao Brasil para uma visita. Ao contrário de políticos de oposição, o deputado Kort acredita que “este assunto não deve afetar as relações bilaterais entre Estados”. Não está claro, ainda, se Piñera e seu governo se envolverão no debate ou continuarão em silêncio. O presidente do Chile sempre se referiu a Bolsonaro como um importante aliado na região e, durante a visita do chefe de Estado brasileiro a Santiago, em março passado, ignorou questionamentos de lideranças opositoras no Parlamento que se recusaram a participar de eventos oficiais em homenagem a Bolsonaro.
A Justiça chilena julgou e condenou dezenas de militares envolvidos em crimes da ditaduras, entre eles três coronéis, responsabilizados pela morte de Alberto Bachelet. As investigações oficiais confirmaram que o general, defensor do governo de Salvador Allende (1970-1973), foi vítima de um infarto que tinha relação direta com as torturas sofridas na prisão.
Outros países da região, como Argentina e Uruguai, também investigaram e condenaram militares que atuaram na repressão a opositores dos regimes militares dos anos 70 e 80. Muitos casos continuam abertos e avançando nos tribunais dos dois países. Na Argentina, que em 1985 realizou um histórico julgamento da Juntar Militar que assumiu o poder após o golpe de 24 de março de 1976, estima-se que mais de 500 militares estão presos por violações dos direitos humanos e crises de lesa-Humanidade.