O patrimônio de apenas cinco bancos –Itaú, Bradesco, Santander, Banco do Brasil e Caixa– supera o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. Esse fato mostra a dimensão da brutal concentração da riqueza no País, agravada durante a pandemia de coronavírus.
Nunca é demais recordar que o governo Jair Bolsonaro, controlado pelo banqueiro Paulo Guedes, injetou R$ 1,2 trilhão de liquidez em medidas do Banco Central para apoiar o sistema financeiro no enfrentamento da covid-19. Entretanto, nesse período, os bancos preferiram especular com esse montante de dinheiro público ficou “empoçado” no próprio sistema financeiro.
Traduzindo em bom português: o dinheiro não chegou ao destino, ficou “empossado” nos bancos que especulam com recurso alheio.
De acordo com especialistas do mercado financeiro, o dinheiro disponibilizado pelo governo “morreu” nos bancos, que preferem investir em títulos públicos.
“Os bancos não querem dar dinheiro novo, nem querem alongar. Querem comprar só títulos públicos”, afirma Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Ele defende uma forma de “punição” do BC aos bancos que não emprestarem e alongarem os prazos.
Voltemos ao patrimônio dos banqueiros, que é maior que o PIB brasileiro.
Os cinco maiores bancos brasileiros têm em mãos recursos equivalentes à toda a economia brasileira. Turbinado pelo aumento de crédito para suprir a demanda maior durante a pandemia de coronavírus, o volume de ativos totais das instituições financeiras atingiu R$ 7,36 trilhões ao fim de março, superando, pela primeira vez, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, que foi de R$ 7,3 trilhões em 2019, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicados em março.
O resultado ocorreu em meio à expansão do crédito, enquanto a economia brasileira tenta ganhar tração. Do fim de 2017 para cá, a correlação crédito/PIB subiu de 47,1% para 48,9%, segundo o Banco Central. Se for considerado apenas o crédito livre, com o qual os grandes bancos atuam, o avanço foi ainda maior: subiu de 23,6% para 28,8%.
O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, afirmou que o aumento na proporção entre ativos dos bancos e o PIB tem correlação direta com a expansão do crédito nos últimos anos frente ao desempenho econômico. “O aumento na relação crédito/PIB não é sinônimo de maior rentabilidade ou lucro.”
Além disso, em momentos de crise os bancos atraem maior volume de depósitos, uma vez que o investidor busca mais segurança, segundo Claudio Gallina, diretor sênior de instituições financeiras da Fitch Ratings para América Latina. “Assim, a liquidez do sistema (que já vinha muito boa e robusta) aumenta mais”, disse. “Isso indica que os bancos teriam até mesmo mais dinheiro para emprestar.”
Com a crise, o crédito ganhou impulso adicional com a explosão da demanda nos grandes bancos. O saldo conjunto dos empréstimos nas cinco maiores instituições cresceu quase R$ 176 bilhões no primeiro trimestre em relação ao fim de dezembro, totalizando R$ 3,31 trilhões. Em um ano, o aumento foi de quase R$ 348 bilhões.
O salto nas carteiras foi capitaneado, principalmente, por empréstimos a grandes empresas. O movimento foi acompanhado por uma enxurrada de críticas aos grandes bancos, por restringirem o crédito e elevarem juros em meio à turbulência, a despeito da injeção de R$ 1,2 trilhão de liquidez em medidas do Banco Central para apoiar o sistema financeiro no enfrentamento da covid-19.
Os bancos anunciaram uma série de medidas de apoio financeiro, mas admitem que, diante da piora do risco na economia, é natural maior rigor no crédito.
O presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher, afirmou semana passada não ser possível o crédito crescer no mesmo ritmo da demanda, que deve se reduzir daqui para frente. “O crescimento do crédito será muito mais baixo, se é que haverá crescimento em 2020”, disse, em transmissão ao vivo.
Renegociações
Os bancos já concederam mais de R$ 540 bilhões em créditos na pandemia, segundo balanço da Febraban, considerando novos empréstimos, renovações e postergações de parcelas. Para os próximos meses, a expectativa é de que o crédito novo ceda espaço a uma onda de renegociações e reestruturações de dívidas de empresas que viram seu faturamento despencar.
No segmento de pessoa física, a demanda por crédito caiu no primeiro trimestre, mudando a dinâmica vista até então. Esse movimento deve continuar, com o aumento do desemprego e a perda de renda.
A queda, principalmente no financiamento imobiliário, obrigou a Caixa a rever suas projeções. “De fato, a crise muda toda a dinâmica. A demanda de crédito vem sendo totalmente diferente. Estamos avaliando”, afirmou Pedro Guimarães, presidente do banco público, durante a publicação do balanço do primeiro trimestre.
Em uma perspectiva de médio e longo prazo, o presidente e fundador da Mauá Capital e ex-diretor do Banco Central, Luiz Fernando Figueiredo, vê maior pressão por parte das fintechs na disputa por recursos com os grandes bancos, que foi comprometido na crise. Os próprios pesos pesados do setor admitem que a trégua é temporária. “Com os reflexos do juro mais baixo, mais decente, e uma maior concorrência vinda das fintechs, o Brasil está se tornando mais normal, mas a crise atrapalhou.”
Provisões
A pandemia também fez os bancos ampliarem os recursos reservados para compensar perdas, com temor quanto ao impacto futuro na inadimplência. A leitura, ao menos até aqui, é de que a crise será bem mais severa que as anteriores, incluindo a desencadeada pela Operação Lava Jato e ainda a turbulência financeira de 2009.
O reforço nas provisões custou mais os bancos. No primeiro trimestre, as despesas com provisões para devedores duvidosos passaram dos R$ 30 bilhões, um salto de cerca de 45% em relação aos três meses anteriores.
Dos cinco grandes bancos, somente Santander e Caixa não fizeram o movimento de criar colchões para perdas adicionais por conta da crise. “O balanço da Caixa é, continua e continuará extremamente sólido”, afirmou Pedro Guimarães, presidente da instituição.
Como consequência de uma postura mais conservadora dos bancos, o lucro líquido combinado de Itaú, Bradesco, Santander, Banco do Brasil e Caixa encolheu 25,6% no primeiro trimestre, para menos de R$ 18 bilhões, na comparação com o mesmo período de 2019, quando foi de mais de R$ 24 bilhões.
“Mesmo mantendo níveis confortáveis de solidez, liquidez e capitalização, a atual crise também atingiu o setor bancário”, disse Isaac Sidney, presidente da Febraban.
Com informações do jornal O Estado de S. Paulo.