Do Blog do Magno Martins
Por Maurício Rands*
Quem tem o privilégio de ler o novo livro de Cristovam Buarque, “A última trincheira da escravidão”, logo se convence da importância da sua cruzada uma Revolução Educacionista. Imaginar um Brasil desenvolvido e socialmente justo depende de uma condição essencial. Sem que tenhamos uma educação básica de qualidade com acesso equitativo para ricos e pobres nunca veremos esse Brasil com o qual sonhamos. Neste livro, Cristovam mostra que o acesso equitativo à escola de qualidade é o principal vetor do desenvolvimento. Mais do que um mero investimento ou política social. E apresenta uma proposta consistente de um Sistema Único Nacional Público para a Educação de Base.
Seu diagnóstico é irrefutável. Com a Abolição, os escravizados foram soltos, mas não foram libertados porque a Abolição continuou negando-lhes a escola. O mapa para alguém ser livre é a escola quem dá. Sem a educação de qualidade, ninguém pode saber o caminho para viver livremente na contemporaneidade.
Somente no Século XXI, o Brasil começou a matricular todos na escola. Mas em escolas desiguais. Aí surge a última trincheira da escravidão: a dualidade da escola-senzala e da escola-casa-grande. Os descendentes sociais dos escravizados estão nas escolas de baixa qualidade. Sem acesso ao aparato básico para exercer uma cidadania plena no novo mundo digital. Estes são a vasta maioria do povo brasileiro. Já para os descendentes sociais dos escravocratas, esse triste país garante escolas de nível internacional e lhes proporciona uma formação com todas as ferramentas do conhecimento necessárias para trabalhar e empreender no novo ambiente tecnológico.
Um dos pontos altos do livro é o capítulo em que Cristovam apresenta o debate dos 10 dias de maio de 1888, quando tramitou o projeto da Lei Áurea enviado pelo presidente do Conselho de Ministros, o pernambucano João Alfredo. Ele brinda-nos com um belo aperitivo da brilhante retórica de Joaquim Nabuco. Os velhos argumentos de escravocratas como o Barão de Cotegipe, para quem o projeto era “precipitado, irresponsável e arruinaria a economia”, Andrade Figueira ou Paulino de Souza, para quem a medida era “arriscada e precipitada”, podem ser reconhecidos na retórica dos que hoje não enxergam a urgência da Revolução Educacionista. Como os escravocratas diziam que o fim da escravidão deveria ser gradual, os atuais conservadores não se colocam contra a escola de qualidade. Apenas imaginam que ela será conquistada aos poucos. Não lhes incomoda ver os seus filhos em escolas de uma (boa) qualidade que é negada às escolas dos pobres.
O livro é um brado por uma nova mentalidade comprometida com uma educação básica de excelência independentemente da cor, classe social e ou endereço do aluno. Por uma Revolução Educacionista, em alusão à luta abolicionista. Como uma causa sempre tem por trás uma teoria e os seus conceitos, Cristovam não se furta a introduzir os conceitos da causa educacionista. Abolição nos tempos modernos (educação nas ferramentas da contemporaneidade). Brecha educacional (a educação dos ricos melhora mais rapidamente). Descendente ideológico dos escravocratas (quem aceita a exclusão social como fato normal). Empecilho à marcha civilizatória (desperdício de cérebros na era da economia do conhecimento). Educacionismo (o equivalente do Século XXI ao Abolicionismo do Século XIX).
Neoabolicionista (quem defende uma escola de qualidade igual para todos no Século XXI). Segunda abolição (complementação da Lei Áurea para sepultar a última trincheira da escravidão, a negativa de escola de qualidade aos pobres). Vetor do progresso (acesso de todos ao conhecimento).
Numa merecida homenagem a grandes personagens do Abolicionismo e do Educacionismo, Cristovam apresenta uma pequena biografia de alguns deles. Começa com mulheres como Aqualtume (mãe de Ganga Zumba), Dandara dos Palmares (esposa de Zumbi), Maria Tomásia e Olegarinha Mariano. E prossegue com vultos como Zumbi, Luís Gama, José do Patrocínio, André Rebouças, Joaquim Nabuco, Castro Alves e José Mariano. Entre os educacionistas, homenageia Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Gustavo Capanema, João Calmon, Anysio Teixeira, Paulo Freire, Leonel Brizola, Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes.
*Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford