Sinto muito por ocupar minutos dos caros leitores e leitoras com uma insignificância arrogante como o senhor Luiz Roberto Barroso. Mas já uma declaração dele que, pelo vazio, permite uma reflexão sobre o significado real de “palavras bonitas” como as que ele usa.
Hoje, na Folha, registra-se que ele disse durante palestra na Universidade Stanford, nos EUA, que as mudanças iniciadas pelas grandes operações anticorrupção representam uma “refundação do país que não tem volta”.
Só a idiotia dos pretensiosos, que acham que os tribunais (claro, onde estão) podem ser o motor das transformações históricas, seriam capazes de dizer tamanha asneira.
A menos, claro, que possamos considerar Michel Temer, Moreira Franco, Eliseu Padilha e quejandos como “pais refundadores” de uma nação.
“Refundação”, aliás, é dos termos mais utilizado pelos sujeitos que “se acham”, apesar do primarismo de suas ideias e de seu apego hipócrita a formulações “sonháticas”, que trocam a transformação real pela cegueira aos fatos.
Nem mesmo um flanante como Barroso seria capaz de dizer que, no Brasil de hoje, escoe-se menos dinheiro da população para ganhos privados. Pode ser, até – e olhe lá, porque não há sinal disso – que políticos desviem menos para si, mas o que dizer dos sucessivos perdões e anistias, da política econômica e, até, dos privilégios corporativos, inclusive os dos juízes? Mas a máquina de drenar dinheiro do povo para uma ínfima elite financeiro-empresarial, que entrega perto de 55% da renda nacional para apenas 10% de seus cidadãos, está longe de qualquer ideia de justiça, tanto quanto está a corrupção.
Mais idiota ainda é achar que um país se “refunde”, deixando para trás séculos de história – e tudo o que de bom ou mau nela aconteceu – que formou sua própria natureza, sua identidade cultural, que, afinal, formou a própria Nação. É ideia própria dos que se acham ungidos. “salvadores”, idêntica à dos que vêem um regime militar como solução para o país.
Afinal, qual a diferença entre entregar todo poder a uma camada de “puros e honestos”, com poder de arrastar ao Dops, digo, à Polícia Federal, ou de prender, quantos dias queira, “para averiguação” qualquer pessoa sobre a qual as “convicções” indiquem ser “corrupto”? Qual a diferença entre “os militares vão dar um jeito na bandalheira” e “os juízes vão dar um jeito na bandalheira”?
Barroso admite que “o retrato é devastador”. Devastador para quem? Um país em crise, inerme, sem capacidade de abrir caminhos para o desenvolvimento, a soberania, o progresso é letal para o povo pobre, não para as elites que seguem se fartando dele. O Dr. Barroso pode estar constrangido por ver deputados e senadores acusados, mas o povo está muito mais por ter perdido centenas de milhares de empregos, seu sustento e de suas famílias.
Até do ponto de vista acadêmico, Barroso é primário e despreza os exemplos que estão à vista de todos, sobretudo o da Itália onde o
piccolo duce Sérgio Moro copia, com imenso descaramento. Ele certamente leu e desprezou o que os intelectuais italianos, de forma quase unânime, têm como avaliação daquele processo, como expôs, à
BBC, o cientista político Alberto Vannucci, um dos maiores estudiosos da Operação “Mãos Limpas”:
Em termos gerais, inquéritos judiciais, mesmo quando bem-sucedidos, podem colocar na cadeia alguns políticos, burocratas e empresários corruptos, mas não conseguem acabar com as causas enraizadas da corrupção.
A falta de transparência e responsabilidade em política e na burocracia estatal, o controle social e político fraco sobre o exercício de poder, mecanismos de seleção da elite política errados e imorais: esses e outros fatores de corrupção não podem ser erradicados por juízes.
E, pior, na Itália, agora, os políticos corruptos, servidores públicos e empresários aprenderam a lição da Mãos Limpas e não estão cometendo os mesmos erros daqueles que foram presos. Nos últimos anos, eles desenvolveram técnicas mais sofisticadas para praticar corrupção com mais chances de ficarem impunes, como dissimular pagamentos de propinas, ou multiplicar conflitos de interesses, como fez (o ex-premiê) Berlusconi (ao criar tensões com o Judiciário).
No início da “Mãos Limpas”, a economia italiana rivalizava com a francesa, em matéria de PIB. Depois dela, reduziu-se a 70% da de sua vizinha.
Os punhos de renda do Dr. Barroso não se importam que se esteja gestando aqui um estado policial, que já levou à morte um colega seu, professor de Direito, reitor da Universidade de Santa Catarina. Não se importa que se esteja caminhando para uma eleição onde a vontade popular poderá ser castrada. Não se importa que este país corra o risco de ser regido por um Jair Bolsonaro ou um arrivista como Luciano Huck.
Tudo o que lhe importa é seu brilho fátuo, é seu juízo primário, a sua convicção que despreza os fatos.
Luiz, como Louis-Dieudonné (“Luís, o presente de Deus”), o Rei Sol da França, é o rei-sol do Judiciário,
Seu “colega” francês é famoso pela frase “d’après nous, le déluge” (“depois de nós, o dilúvio”). de fato, ele veio em poucos anos, e de forma cruenta: a Revolução Francesa, na qual a “refundação” da França lançou ao lixo da história os seus doutos nobres.