Os dados do Atlas da Violência 2019 mostram que o desmonte das políticas públicas e ações protetivas, implementadas por Lula e Dilma Rousseff, têm contribuído para aumentar a violência contra as mulheres. Estudo escancara o machismo no Brasil ao mostrar que a maioria dos casos acontece dentro de casa e os agressores são os próprios companheiros.
Desde o golpe de 2016, mas especialmente depois de Jair Bolsonaro (PSL), um político de extrema direita com discurso machista e armamentista, políticas de acolhimento para mulheres agredidas como a criação das Casas da Mulher Brasileira, vêm sendo desmontadas silenciosamente. O governo simplesmente parou de investir.
O levantamento do Atlas da Violência, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado esta semana, revela que entre 2007 e 2017, aumentou em mais de 30,7% o número de homicídios de mulheres. De acordo com os pesquisadores, uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil.
No recorte por raça, a violência praticada contra mulheres negras cresceu ainda mais (60,5%), enquanto a taxa entre mulheres não negras aumentou 1,7%. Mulheres negras representam 66% do total de mulheres assassinadas em 2017.
Em 2017, quase 5 milhões de mulheres foram agredidas
O Atlas da Violência traz ainda o estudo Visíveis e Invisíveis: a Vitimização de Mulheres no Brasil, realizado também pelo Fórum de Segurança Pública, em fevereiro deste ano, que trata especificamente da violência contra as mulheres.
Os dados, coletados pelo Instituto Datafolha, mostram que em 2017, mais de 4,7 milhões de mulheres foram vítimas de agressão física. São 536 agressões por hora. Outras 4,6 milhões foram tocadas ou agredidas fisicamente por motivos sexuais (nove por minuto), 1,6 milhão sofrem espancamento (três por minuto).
Aumenta uso de armas de fogo
O dado que envolve a utilização de armas de fogo chama a atenção, especialmente neste momento em que o país assiste estarrecido ao debate sobre a liberação de porte de armas para todos, como pretende Bolsonaro, que queria liberar até fuzis para a população.
Em 2017, cerca de 1,7 milhão de mulheres foram ameaçadas com facas ou armas de fogo. Em cinco anos, o uso das armas de fogo em crimes de feminicídio aumentou em 25,4%.
O principal local em que ocorre a violência contra a mulher é a própria casa e o uso de armas de fogos dentro de residências também aumentou, em 29,8%. Crimes praticados na rua representam 29% dos das agressões e 8% são no ambiente de trabalho.
Armar a população significa responder à violência com mais violência e para as mulheres o perigo aumenta no caso de liberação de armas, analisa a socióloga, ex-representante da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, Tatau Godinho.
“Os números mostram que já houve um crescimento em crimes envolvendo armas de fogo. Se facilitarmos o porte, obviamente, para a mulher, o risco de ser agredida e assassinada vai aumentar”.
Tatau lamenta que o atual governo incentive a defesa pessoal “feita com um instrumento tão letal, que leva ao aumento da violência” e critica os gestos do presidente, se referindo ao sinal de arma com as mãos, usado com frequência por Bolsonaro, além de seus discursos machistas e misóginos e o incentivo às pessoas responderem à violência com mais violência. “Onde isso vai parar?”, ela questiona.
Inimigos íntimos
Aproximadamente 42% das mulheres entrevistadas afirmaram também que o agressor era alguém conhecido – maridos, namorados e companheiros.
O estudo mostra ainda que 52% das vítimas não tomaram nenhuma atitude após a agressão. Do total de entrevistadas (foram 2.085 mulheres), 10,3% procuraram uma delegacia da mulher e 8,0% uma delegacia comum. Outras 5,5% ligaram para o 190 e 15% pediram ajuda para algum familiar.
Apesar do aumento de agressões a mulheres constatados no estudo do Atlas da Violência, a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista, CUT, afirma que o índice pode ser muito maior porque há casos de mulheres que simplesmente se calam.
Segundo ela, os dados são fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública, Ministério da Saúde e das entrevistas nas ruas feitas por institutos de pesquisa, “mas há muitos casos que nunca serão registrados porque ainda é grande o número de mulheres que não denuncia por medo”.
Há uma falsa impressão na sociedade de que é fácil para a mulher denunciar seu agressor, complementa Tatau Godinho.
“A mulher tem medo porque, na maior parte dos casos, a agressão é praticada pelo próprio marido, o namorado ou pelo companheiro. São pessoas do convívio e que exercem uma relação de poder sobre ela, seja econômico ou social”, explica.
Além disso, segundo Tatau, não é raro o atendimento em delegacias constranger ainda mais as vítimas. “Basta o policial perguntar que roupa ela vestia na hora da agressão para que a vítima seja remetida a uma situação de culpabilidade, ou seja, ela é levada a acreditar que facilitou a agressão”.
Ela explica que, na sociedade, ainda predomina a ótica de que a mulher ‘buscou a agressão’, se tornando vulnerável de alguma maneira, seja pelas vestes, pelo horário ou pelo local onde foram agredidas.
“É uma ideia conservadora de que um pretexto ‘recato’ protege as mulheres da violência. Mas se fosse verdade, não teríamos casos graves de mulheres casadas, consideradas ‘recatadas’ que sofreram agressões de seus próprios maridos”. E majoritariamente (76% dos casos), o agressor é próximo, completa.
A palavra da mulher, diz Tatau, é ‘desacreditada’ e muitas vezes, o próprio policial acaba adotando o conceito tradicional de que é melhor para a vítima não seguir adiante com a denúncia, para que ela se proteja.
Ela lembra que durante os governos Lula e Dilma também foram construídas políticas voltadas às mulheres que contemplavam o incentivo à denúncia com assistência e proteção à vítima, como a Lei Maria da Penha e a Lei que passou a classificar o feminicídio como crime hediondo.
“Foram criados até serviços de acolhimento, com acompanhamento sigiloso, até que a mulher se sentisse segura para fazer a denúncia”, lembra Tatau.
Em tempos de Bolsonaro, lamenta que as políticas públicas e as ações que protegem a mulher, como as Casas da Mulher Brasileira, estejam sendo desmontadas com redução de investimentos.
“E ainda existem outras ações por parte do governo, como retirar do Ministério da Saúde a questão da violência obstétrica”. Esses fatores, somados, segundo Tatau, contribuem para que a violência contra a mulher não tenha um combate eficaz.
Onde vamos parar?
Para Juneia Batista, o enfrentamento à violência contra a mulher deve passar pelas vias democráticas e ações cidadãs que precisam ser feitas frequentemente, como as que vêm sendo feitas por sindicalistas.
“Temos ações de sindicatos e movimentos sociais que estão sempre nas ruas e em locais de grande circulação, promovendo aulas públicas, para abrir os olhos da sociedade para a realidade que o Brasil vive hoje”.
Além disso, diz a dirigente, temos o poder transformador do voto. Em 2020 tem eleição e os brasileiros e brasileiras terão a chance de reverter os retrocessos que vêm sendo implementados nos últimos anos. Será possível eleger vereadores e prefeitos comprometidos com políticas sociais locais, defesa das mulheres e outros segmentos historicamente oprimidos como os negros e a população LGBT, afirma.
“Em um médio prazo esse é o caminho. A gente tem que mudar por meio do voto para que daqui a quatro anos possamos eleger um presidente que seja também comprometido conosco e não apenas com o mercado, como é o governo Bolsonaro”, afirma Juneia.
Ela diz ainda que até lá, a resposta à violência tem que ser dada nas ruas, nas mobilizações, levando as pautas para conhecimento da população. A expectativa da dirigente é de que até lá os números da violência contra as mulheres ainda possam se agravar, mas a sociedade já está alerta.
Violência no ambiente de trabalho
A principal forma de violência no local de trabalho se dá pelo assédio moral e pelo assédio sexual. A secretária da Mulher Trabalhadora da CUT participa, em Genebra, da Conferência Internacional do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O evento discute o futuro do trabalho e segundo Juneia, depois de cinco anos, foi aberto um espaço para o debate sobre violência de gênero no local de trabalho. Neste ano será estabelecida a convenção, a 190, para tratar do tema.
“As principais vítimas são as mulheres, as mulheres trans e pessoas vulneráveis nos locais de trabalho e essas pessoas precisam ter leis que as protejam”. Segundo Juneia, o passo seguinte ao estabelecimento da Convenção será lutar para que países adotem a Convenção para proteger às vítimas de violência nos locais de trabalho.
As informações são da CUT.
Por Madalena França