Marca da história brasileira desde o Império, a centralização excessiva do Estado é ainda vista como “responsável pela má distribuição dos recursos e consequentemente dos determinantes do desenvolvimento regional”. Esta hipótese, porém, carrega o paradoxo de que apenas um Estado altamente centralizado seria capaz de inverter esse cenário. “Nada mais enganoso”.
A avaliação é do historiador e doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP) Vinícius Müller, que se afasta do que chama de “turva visão”, criadora de narrativas exageradamente amparadas no comportamento do governo federal. Por isso, ele observa a importância dos municípios para o desenvolvimento.
“É na ponta do sistema, no município, que se revela e se manifesta de modo mais concreto a relação entre os indivíduos e o exercício da cidadania. Nesta relação que se encontra boa parte do segredo do desenvolvimento ou de seu contrário, o subdesenvolvimento”, escreve ele.
A análise consta do novo livro “A História como presente: 46 pequenos ensaios sobre a História, seus caminhos e meios” (240 páginas), de autoria de Vinícius Müller. Editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília, a obra está à venda na internet.
Professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap) e do Centro de Liderança Pública (CLP), Müller reúne na obra textos escritos por ele entre setembro de 2017 e junho de 2020, divididos em 12 capítulos. Todos eles publicados na Revista Digital Estado da Arte, hospedada no portal do jornal O Estado de S. Paulo.
“Os textos, com algumas poucas exceções, não foram em princípio pensados e escritos para que formassem um corpo único e coerente entre si. Ao contrário, refletiam antigas preocupações e leituras que, ao calor dos acontecimentos, foram sendo rememoradas e refeitas”.
Além da dicotomia
Em um de seus ensaios, o autor sugere que o debate sobre o desenvolvimento “deve ir além da dicotomia entre ‘centralização e descentralização’ para alcançar níveis mais sofisticados de questionamentos”. Por isso, na avaliação dele, deve-se ampliar o olhar para os contextos locais.
Segundo Vinícius Müller, itens fundamentais ao desenvolvimento econômico e ao exercício da cidadania se encontram no entendimento do cotidiano das cidades. “Saneamento básico, educação, oportunidade de trabalho e geração de riqueza, habitação, acesso à saúde e segurança são, no mínimo, tão capitais ao desenvolvimento quanto debates sobre proteção à indústria ou taxas de juros”, analisa.
“Faltam-nos trabalhos sobre os municípios que superem seus isolamentos e nos revelem de forma mais orgânica e integrada como a riqueza, a desigualdade, a cidadania, os direitos e o desenvolvimento estão mais vinculados ao modo como as regiões se comportaram do que aos desígnios do poder central”, afirma, em outro trecho do livro.
O autor se sustenta em estudos como o da historiadora econômica Anne Hanley, norte-americana especializada em História do Brasil e pesquisadora com amplo trânsito na academia brasileira (The Public Good and the Brazilian State: Municipal Finance and the Provision of Public Services in São Paulo, Brazil 1822-1930).
Antagonismo explicativo
Historiador e professor aposentado da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Alberto Aggio assina o prefácio e vai participar de debate virtual de lançamento da obra. Segundo ele, Vinícius Müller “convida o leitor a ultrapassar uma visão modelar que, por décadas, gerou um apego a explicações e hipóteses calcadas no antagonismo como elemento explicativo da história do país”.
Em outro trecho, ao analisar a obra, destaca a questão de desenvolvimento levantada pelo autor. “Trata-se de ver na hipertrofia do Estado na história brasileira não um modelo de afirmação ou condenação, mas uma história eivada de ambiguidade ou mesmo um paradoxo que acabou gerando um labirinto para as forças políticas que buscam estabelecer projetos de futuro para o país”, ressalta.
O editor-chefe do Estado da Arte e responsável pela apresentação da obra, Eduardo Wolf, diz que “Vinícius Müller acertadamente recusou o ilusório do extremismo, aceitou o desafio do complexo tempo que nos coube viver e encontrou o caminho do meio”.
“Um exemplo nada óbvio disso o leitor encontrará no artigo ‘Pelo fim da ética do enfrentamento’, em que Müller fornece com discreta convicção sua aposta: ‘falta-nos a construção de uma ética que nos reorganize’”, diz Wolf. Ele também vai participar do debate online de lançamento do livro.
Caminho incontornável
Segundo o editor, o historiador não recorre a uma grande doutrina política vista como salvadora. “Não passa lições acerca do mercado ou das relações produtivas para ordenar em novos princípios as sociedades humanas; nada disso: é de um novo modo de valorar nossa relação com o outro que precisamos, e repassar a experiência histórica é caminho incontornável”, afirma.
Postado por Madalena França.