Em nosso artigo anterior, falamos sobre como a ideia de um piso salarial nacional aparece ainda nos tempos do Brasil Imperial de Dom Pedro II. Agora, nossa ideia é resgatar a história de um texto que, ao completar 90 anos no ano passado, continua muito atual ainda nos tempos de hoje. Estamos falando do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Assinado por intelectuais e educadores do calibre de Cecília Meireles, Anísio Teixeira, Roquette Pinto e Fernando de Azevedo, esse Manifesto foi escrito e divulgado nos grandes jornais da época defendendo uma ideia avançada de educação e que, até os dias de hoje, baliza nosso modelo educacional: uma escola totalmente pública, essencialmente gratuita, mista (para meninos e meninas), laica (sem a obrigatoriedade do proselitismo do ensino religioso) e obrigatória, em que se pudesse garantir uma educação comum para todos, colocando, assim, homens e mulheres frente a iguais possibilidades de aprendizagem. Defendiam um modelo de escola e de educação sem discriminação de gênero e de raça.
Um dos aspectos centrais do texto desse importante Manifesto, que começa anunciando a educação como uma das mais importantes questões nacionais (“Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação”), é a oposição firme e contundente à diferenciação de uma escola para os ricos e outra para os filhos da classe trabalhadora. Um mote central que tem a sua atualidade ainda nos tempos de hoje, quando a expressiva parte do movimento educacional brasileiro luta, desde 2017, contra o projeto de Reforma do Ensino Médio de Temer/Bolsonaro que preconiza uma escola para ricos e outra para pobres. Só agora, no último dia 24 de outubro, conquistamos a esperança de vê-lo em parte revogado e em parte alterado pela proposta recentemente encaminhada pelo MEC ao Congresso Nacional.
A atualidade do Manifesto de 1932 também se mostra no apontamento, inédito à época, para a definição de aportes orçamentários exclusivos, vinculados às receitas do país, para a aplicação na educação. Uma porcentagem dos impostos tinha que ser voltada à Educação, emanado constitucional brasileiro que, até a década dos anos de 1990, fazia do país o único no mundo a ter vinculado a obrigatoriedade de imposto para Educação. Isso terminou por se inscrever na Constituição de 1934, que terminou se desdobrando mesmo, de fato, como um grito à sociedade brasileira em defesa da educação, em um momento histórico de um Brasil que lutava pela afirmação de propostas novas: reformas estaduais, afirmação modernista, a ideia de construção de partidos políticos democráticos, a consolidação de um sistema sindical emergente e a imposição de um sistema republicano que pretendia inaugurar a Nova República no país.
Apesar de o Manifesto não citar nada diretamente sobre a questão de um piso salarial nacional, como o Decreto Imperial já apontava, os pioneiros de 32 não se esqueceram dos professores e professoras. Defendiam, no texto do Manifesto, que seria preciso investir naqueles/as que são um dos pilares de uma boa educação, com “formação e remuneração equivalentes que lhe permitam manter, com a eficiência no trabalho, a dignidade e o prestígio indispensáveis aos educadores”.
Depois de 91 anos da publicação do Manifesto dos Pioneiros, o Brasil ainda não conseguiu cumprir, de forma integral, a expectativa de construir aquele modelo de escola proposto ainda na década de 30 do século passado. Apesar de termos avançado na universalização das matrículas, ainda padecemos com a qualidade do setor. É fundamental, como também apontado pelos pioneiros, que a União seja o ator principal na construção de uma coordenação nacional da educação em nosso país. E isso só se dará quando conseguirmos criar o Sistema Nacional de Educação (SNE), indicado pela nossa Constituição de 1988 e também pelo Plano Nacional de Educação (PNE), mas nunca implementado.
Como também nunca foi implantado na prática o ideário de um salário digno aos/às professores/as brasileiros/as, ideia que também já havia sido indicada no Manifesto dos Pioneiros. Isso só poderá advir com um piso salarial nacional que seja efetivamente cumprido no país, além, é claro, de termos políticas fomentadas de formação profissional e a construção de carreiras públicas por todos os entes de nossa Federação.
No próximo artigo da nossa série sobre o piso do magistério, vamos tratar sobre a recomendação feita pelos organismos internacionais ligados ao Sistema ONU de 1966, quando a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a UNESCO indicam ações para o pessoal docente. Até lá!
(*) Por Heleno Araújo, professor, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e atual coordenador do Fórum Nacional da Educação (FNE).
Postado por Madalena França