A imprensa da Europa informou o afastamento da presidente Dilma Rousseff por meio de alertas de "urgente" distribuídos a seus leitores. Para o jornal francês Le Monde, o Brasil deu salto "no desconhecido" com a abertura do processo de impeachment no Senado, aprovada no início da manhã desta quinta-feira, 12, em Brasília.
"Após uma longa noite de deliberações, o Senado chegou, na noite de quarta para quinta-feira, à maioria dos votos necessários para a admissão do processo de impeachment (destituição). A presidente deverá deixar o Planalto, sede da presidência, ladeada por seu mentor, Luiz Inácio Lula da Silva, presidente entre 2003 e 2010", informou o jornal francês. "O resultado do voto no Senado a obriga a entregar o poder a seu vice-presidente, Michel Temer."
Para o diário parisiense, "uma atmosfera de melancolia" reinava no plenário. "Os senadores se expressaram um mês após o voto mordaz dos deputados. Ao tumulto de seus colegas da câmara baixa, eles responderam com solenidade", avaliou Le Monde.
Em Londres, o jornal The Guardian acompanhou em tempo real a decisão no Senado. O jornal acompanhou os discursos e destacou as principais frases da madrugada. Sobre a defesa de Dilma Rousseff, publicou a frase do advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, que advertiu em seu discurso que o Brasil se tornaria "a maior república de bananas do planeta" caso o impeachment fosse aceito. "As acusações contra Dilma Rousseff serão agora investigadas em comitê. O vice-presidente Michel Temer assume o poder durante este período", explicou o jornal britânico.
O El País, de Madri, lembrou que por "uma maioria simples de senadores brasileiros (55 de 81)" o Senado "deu luz verde ao processo de destituição". "A dirigente do Partido dos Trabalhadores sairá hoje mesmo pela porta principal do Palácio do Planalto, sede presidencial, em um gesto explícito que quer dizer que acata, mas não aprova a decisão", interpreta o jornal.
Em Roma o jornal La Repubblica destacou a admissão do processo de impeachment de Dilma Rousseff, afirmou que o Brasil, "em caso de destituição", não vai para eleições antecipadas", e que Michel Temer "completará o mandato presidencial até 1º de janeiro de 2019".
O diário lembrou logo a seguir o suposto envolvimento do senador Aécio Neves, do PSDB, em escândalos de corrupção. "A situação é complicada também para o líder da oposição, Aécio Neves: o Supremo Tribunal Federal autorizou a investigação por corrupção contra o presidente do PSDB, partido de direita e um dos principais apoiadores do impeachment", afirma.
O alemão “Bild” também comentou o afastamento da presidente e lembrou que a sessão no Senado foi acompanhada em todo o país e por manifestantes que se reuniram do lado de fora do prédio. “O debate no Senado ficou sob os confrontos entre manifestantes e polícia. A polícia usou gás lacrimogêneo contra os apoiadores da política de esquerda, que por sua vez jogaram tochas acesas (contra os agentes)”.
Impeachment é destituído de legitimidade porque excluiu o povo, diz Joaquim Barbosa
O ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa criticou nesta quinta-feira (12) a forma como foi realizado e conduzido o processo de afastamento de Dilma Rousseff (PT), porque excluiu a participação ou a consulta ao povo.
Barbosa afirmou que, com o tempo, as pessoas poderão pensar melhor sobre a "justeza" ou não do pedido, sobre a qual disse ter "dúvidas muito sinceras". Ele disse que o processo lembra momentos de cunho autoritário ao longo da história brasileira, como a ditadura militar (1964-1985), quando o povo só assistiu.
"Sou radicalmente favorável à convocação de novas eleições. Essa é a verdadeira solução, que acaba com essa anomalia [do impeachment]", opinou. "Dar a palavra ao povo."
O magistrado afirmou ainda que a Operação Lava Jato não acabará com a corrupção no país, porque isso é "irrealizável" e que o impeachment favorece grupos hoje acusados de corrupção que querem a retaguarda de outro governo para se proteger.
"Tenho sérias duvidas quanto à integridade e à adequação desse processo pelo motivo que foi escolhido. Se a presidente tivesse sendo processada pelo Congresso por sua cumplicidade e ambiguidade em relação à corrupção avassaladora mostrada no País nos últimos anos, eu não veria nenhum problema. Mas não é isso que está em causa", afirmou.
Para Barbosa, o descumprimento de regras orçamentárias, principal motivo apontado no pedido de impeachment, não é forte o suficiente para afastar um presidente. "Temos um problema sério de proporcionalidade, pois a irresponsabilidade fiscal é o comportamento mais comum entre nossos governantes em todas as esferas. Vejam a penúria financeira dos nossos Estados, o que é isso senão fruto da irresponsabilidade orçamentária dos governadores", provocou.
"O impeachment é a punição máxima a um presidente que cometeu um deslize funcional gravíssimo. Trata-se de um mecanismo extremo, traumático, que pode abalar o sistema político como um todo, pode provocar ódio e rancores e tornar a população ainda mais refratária ao próprio sistema político", alertou Barbosa.
Barbosa afirmou que Temer não tem legitimidade para governar o Brasil. "É muito grave tirar a presidente do cargo e colocar em seu lugar alguém que é seu adversário oculto ou ostensivo, alguém que perdeu uma eleição presidencial ou alguém que sequer um dia teria o sonho de disputar uma eleição para presidente. Anotem: o Brasil terá de conviver por mais 2 anos com essa anomalia", afirmou o ex-ministro, que também criticou o PSDB. "É um grupo que, em 2018, completará 20 anos sem ganhar uma eleição".
Barbosa ressaltou que está preocupado com o futuro das instituições brasileiras. "Eu me pergunto se esse impeachment não resultará em golpe certeiro em nossas instituições, eu me pergunto se elas não sairão fragilizadas, imprestáveis", questionou. "E vai aqui mais uma provocação: quem, na perspectiva de vocês, vai querer investir em um País em que se derruba presidente com tanta ligeireza, com tanta facilidade e com tanta afoiteza? Eu deixo essa reflexão a todos", concluiu