Vai se completar um ano dos massacres de Ano Novo em cadeias do Norte e Nordeste, que chocaram o país e geraram mil promessas de ação estatal.
Antecipando a “comemoração”. divulgou-se ontem que o Brasil bateu, de novo, recordes de número de presos (726 mil), de presidiários que não receberam sentença ( 300 mil) e, para antecipar novas mortandades, também em superlotação dos cárceres, com celas que, em média, amontoam pessoas no dobro de sua capacidade.
Mas não é o pior o que se passa dentro das cadeias, é o que acontece fora delas.
Desenvolve-se como obsessão o que antes era apenas uma visão tacanha de que cadeia é um benefício para a sociedade, que assim se livra dos “elementos anti-sociais”.
E que a “grande conquista” da ideia de Justiça é que, por dúzia e meia de políticos e empresários encarcerados, ter-se “democratizado” a prisão.
Lamentavelmente, é a burrice está à solta e muito bem postada na Justiça, embora com exceções.
Uma delas é a desembargadora do TRF-2, Simone Schreiber, que escreveu:
(…)está evidente que essa pretensa “democratização do direito penal, para pegar o andar de cima” sustentada com entusiasmo dentre outros pelo professor Luis Roberto Barroso só se presta à consolidação de uma jurisprudência de flexibilização de direitos fundamentais. Ao invés de avançarmos reforçando os direitos das pessoas “do andar de baixo” (para usar a expressão do Barroso), por exemplo, implementando as audiências de custódia, adotando a prisão preventiva em situações excepcionalíssimas, tornando efetivas as medidas cautelares alternativas, ampliando a atuação das defensorias públicas, etc, estamos adotando um caminho inverso, de desprezo, desamor pelos direitos fundamentais.
Desprezo que nos sai caro, muito caro, não só em recursos públicos mas, sobretudo, como projeto de nação. Um preso custa ao Estado perto de R$ 30 mil por ano; um estudante de ensino médio, nem R$ 2,5 mil anuais. Portanto, 700 mil presos custam 15 milhões de estudantes.
A conta não é minha, mas da presidente do Supremo Tribunal Federal,
Cármem Lúcia.
Mas a nossa corte suprema (hoje, em minúsculas) vai exatamente em sentido inverso desta verdade.
Ao contrário dos sonhos do Dr. Barroso, a estratificação social do “prendam todos” é ainda pior que a desastrosa estratificação social do país. O jovem pobre brasileiro não tem apenas de escalar o paredão da falta de educação, de emprego, de assistência e de oportunidades. Tem, hoje, nas periferias das nossas cidades, de escapar do labirinto do crime, que tem mil portas à sua frente e quase nenhuma saída para quem cede à atração de seus acessos.
“O Estado brasileiro se tornou uma espécie de departamento de Recursos Humanos para as facções criminosas dentro das prisões”, diz o insuspeito presidente da Federação de Policiais Federais, Flávio Werneck e a lista de “recrutáveis” cresce vertiginosamente com a ação de juízes que mandam para lá “preventivamente”, amparados pelo senso comum de que prender é fazer a melhor justiça.
Não temos um déficit de vagas nas prisões, apesar dos números espantosos. Temos é um excesso de presos e outro, ainda maior, de inteligência política, presos à visão míope de que prendendo mais teremos mais segurança, prima-irmã da que sugere que com mais armas teremos menos violência.
E o pior é, mais que as celas, as mentes estão sendo superlotadas de burrice.