Por Weiller Diniz*
O destacamento do capitão é um dos mais ineptos da história do Brasil. A estrela cadente que mais reluz nesse apagão da capacidade tem nome, sobrenome e patente alta. Eduardo Pazuello é um general de 3 estrelas desqualificado para comandar o Ministério da Saúde, mesmo em momentos de rotina. Ele está condenado à infâmia, seus sucessores herdarão a vergonha eterna e a instituição que representa será sócia da ignomínia depois da calamidade. Na pandemia, Pazuello mostrou-se despreparado e, direta ou indiretamente, responderá por boa parte da necrópole macabra que já acumula quase 200 mil mortes. Seres humanos sepultados sob os olhares inumanos da insipiência e da incúria. Nem a sanguinária ditadura militar ousou nomear não médicos na pasta da Saúde.
Pazuello instalou-se na cidadela da Saúde após queda de Nelson Teich, em 15 de maio de 2020. Eram 14,8 mil mortes e 218 mil casos de infecção diante de um oficial verde para lidar com a crise sanitária profunda e iminente. A desídia, palpites sem respaldos científicos, sabotagem da ciência e despreparo fizeram a pandemia explodir. Os números de mortes e infecção dispararam. Estamos perto de 200 mil mortes e mais de 7,2 milhões de casos após os maus exemplos do capitão e seus cavalariços estúpidos. Eles participaram e convocaram aglomerações, prescreveram ilegalmente medicamentos inúteis, desaprovaram vacinas sem embasamento, desprezaram o uso obrigatório de máscaras e cometeram outras atrocidades pelas quais irão responder por morticínio ou genocídio, como advertiu o ministro Gilmar Mendes, do STF.
A estratégia de Pazuello ao ingressar na fortificação foi a camuflagem total. Desativou as entrevistas diárias, retardou a divulgação dos dados de mortes e contaminados e até mesmo tentou esconder nossas vergonhosas estatísticas. Como seus preceptores no golpe de 1964, quis ocultar os cadáveres. O STF rebaixou o general e mandou dar publicidade diária do balanço da Covid 19. Em uma das primeiras marchas públicas, na Câmara dos Deputados, derrapou feito sobre o clima, embaralhando o inverno das regiões brasileiras com o hemisfério norte. Depois se desinibiu em novos disparates. Disse ignorar o que era SUS e também o que foi o AI-5. As continências vassalas ao obscurantismo desabonam a imagem do Exército, desmoralizam a formação de seus oficiais e envergonham as Forças Armadas.
Em outra frente da desonra a patente, o general da logística ilógica desperdiçou uma fortuna para estocar cloroquina para 18 anos. O remédio é cientificamente inútil para o tratamento da Covid 19. Quase perdeu cerca de 7 milhões de testes em um País marcado pelo déficit de testagem. Os argumentos para justificar o entupimento dos paióis do Exército com a cloroquina são dignos de um recruta: “Nesse sentido, e dentro do que revela a experiência humana, não poderia ser exigível comportamento diverso do Laboratório Químico Farmacêutico do Exército, senão a busca dos insumos necessários e pronto atendimento às prementes necessidades de produção da Cloroquina que, por seu baixíssimo custo, seria o equivalente a produzir esperança a milhões de corações aflitos com o avanço e os impactos da doença no Brasil e no mundo.” São 400 mil comprimidos estocados por falta de demanda e o TCU investiga possível superfaturamento.
Os corações brasileiros ficaram aflitos, de fato, com a cretinice da infantaria antivacina, ápice da desmoralização de Pazuello. Ela envolveu, não a eficácia e a segurança, mas a procedência do imunizante chinês, cujo laboratório tem um acordo com o respeitado Instituto Butantan, de São Paulo. Depois de anunciar a aquisição de 46 milhões de doses, o general Pazuello foi humilhado e desautorizado publicamente pelo capitão. O desfecho nos confere a patente universal da vergonha. Com apostas equivocadas e sem nenhuma vacina para oferecer à sociedade, o capitão capitulou, assinou a rendição e repactuou o tratado de compra da vacina chinesa que depreciava. Pazuello foi avacalhado em outra tocaia de Bolsonaro e saiu-se com um vergonhoso “um manda e outro obedece”.
Ribombando os grunhidos de guerra da obtusão entoados pelo capitão, a sentinela Pazuello gastou muita pólvora na politização da vacina. Tergiversou sobre a obrigatoriedade e quis centralizar tudo na Anvisa. Mais uma vez o governo, que recende as estrebarias dos rocins purulentos, foi chicoteado pelo rebenque do STF. A Corte recomendou sanções para quem não tomar a vacina e autorizou a importação direta de estados e municípios dos imunizantes aprovados em agências de saúde pelo mundo, no caso de a Anvisa travar além de 72 horas os pedidos de registro pressionada pelo governo. Na prática o STF reafirmou a autonomia que dera a estados e municípios no início da pandemia.
Pazuello também passou por novos constrangimentos ao ser sitiado pelo Supremo e obrigado a divulgar um plano nacional de vacinação, inexistente no auge da pandemia. O improviso da cavalaria se deu depois do adestramento judicial. Na solenidade do anúncio de um arremedo do tal plano, ao tentar escamotear o atraso brasileiro, novamente brilhou a estrela da parvalhice. “O povo brasileiro tem capacidade de ter o maior sistema único de saúde do mundo, de ter o maior programa nacional de imunização do mundo, somos os maiores fabricantes de vacinas da América Latina. Para que essa ansiedade, essa angústia?”. Se o ministro da Saúde ainda não entendeu a angústia e ansiedade com um país atemorizado, talvez não tenha cognição para entender mais nada. O mundo está vacinando e o Brasil está na retaguarda, como um pelotão abandonado e amaldiçoado.
Pazuello, que se jacta de desconhecer a história brasileira, deveria se pautar num raro arroubo de dignidade, no caso específico, o chefe das Forças Armadas dos Estados Unidos. Ao ser fotografado ao lado de Donald Trump, Mark Milley se desculpou publicamente. “Eu não deveria ter estado lá”, disse em um discurso em vídeo que gravou para exibição no início do ano letivo na Universidade Nacional de Defesa. “Minha presença naquele momento e naquele ambiente criou uma percepção de envolvimento dos militares na política interna. Como oficial da ativa uniformizado, foi um erro com o qual aprendi”, disse.
“Devemos defender o princípio de um Exército apolítico que está tão profundamente enraizado na própria essência de nossa república. Isso leva tempo, trabalho e esforço, mas pode ser a mais importante coisa que cada um de nós faz a cada dia.”
Além da maior autoridade militar dos EUA, a história está repleta de outras lições para oficiais que se portam como Pazuello, por ação ou omissão. Augusto Pinochet, como senador vitalício, foi preso pelo Juiz Baltazar Garzon em razão da morte e tortura de espanhóis durante a ditadura chilena. Jorge Videla, primeiro jagunço da Junta Militar da Argentina, onde desapareceram mais de 30 mil pessoas, foi condenado a prisão perpétua por crimes contra a humanidade. Indultado por Carlos Menem voltou a ser preso e morreu na cadeia. Slobodan Milosevic, ex-presidente da Iugoslávia, foi acusado de genocídio e crimes contra a humanidade na Bósnia, Kosovo e Croácia. Réu no Tribunal Penal Internacional foi encontrado morto em sua cela em Haia.
As patentes no Brasil são sinônimo de morte. O ambíguo “braço forte, mão amiga” armou os fortes na ditadura para disparar contra o próprio povo, maculando a história com sangue e infâmia. Entre os facínoras mais impiedosos estavam torturadores, os heróis de Bolsonaro: coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (chefe do DOI-CODI) e o major Sebastião Curió (responsável pela morte de 41 pessoas na guerrilha do Araguaia). Carniceiros pusilânimes que usaram suas divisas para patentear no Brasil os crimes contra a humanidade. O “braço forte” segue cultuando o pretérito assassino ao servir a um celerado que faz apologia à tortura e à morte. As novas patentes da duvidosa “mão amiga” seguem associadas à morte, empilhando cadáveres inocentes. Fica a lição de Mark Milley: “Eu não deveria ter estado lá”.
*Jornalista. Texto publicado originalmente no site Os divergentes.