Por Rodolfo Costa Pinto*
Os dados revelados pela pesquisa PoderData divulgada na última quarta-feira (17) e confirmados recentemente pelo Datafolha e pelo Ipespe deixam claro que nas últimas semanas houve uma mudança de placas tectônicas no cenário político brasileiro.
As razões são múltiplas, mas vale destacar as que tiveram maior peso: 1) recrudescimento da pandemia com recorde de mortos, infectados e falta de UTIs em diversas cidades do país; 2) aumentos simultâneos no desemprego e na inflação, sobretudo em itens da cesta básica e combustíveis; 3) retorno de Lula como provável candidato na eleição de 2022.
Nas últimas rodadas do PoderData, que faz levantamentos a cada duas semanas, havia mudanças sutis nas taxas de aprovação do governo. Na rodada atual, os números mudaram de maneira expressiva.
A avaliação positiva (percentual de “ótimo” e “bom”) do trabalho pessoal de Jair Bolsonaro caiu de 31% no início de março para 24% agora. A avaliação negativa (percentual de “ruim” e “péssimo”) do governo subiu de 47% para 52%.
O impacto dos acontecimentos dos últimos dias fica ainda mais claro quando são observados os dados de aprovação e desaprovação do governo federal como um todo. O índice de aprovação do governo despencou de 40% para 32% e o percentual de desaprovação subiu de 51% para 54%.
Isso significa que no período de duas semanas dobrou a diferença entre a aprovação e a desaprovação do governo Bolsonaro. Esse saldo era de 11 pontos no início de março. Passou para 22 pontos agora.
Ainda assim, é preciso notar que o governo Bolsonaro conta com uma avaliação positiva na faixa dos 25% a 30% da população. É um patamar muito mais alto do que Dilma Rousseff e Michel Temer tinham durante parte de seus governos.
Então, o que pode explicar a persistência de uma popularidade relativamente alta do presidente Bolsonaro mesmo em um cenário de piora da pandemia e das condições econômicas?
Novamente é preciso ressaltar que não existe um fator único capaz de explicar a relativa estabilidade na avaliação do governo Bolsonaro apesar do aparente agravamento da crise atual. Existem múltiplas variáveis que atuam de maneira simultânea e têm pesos diferentes de pessoa para pessoa. Mas há, sim, fatores causais que parecem ser de maior relevância.
Em primeiro lugar, a responsabilidade da atual crise é dividida entre o governo federal e os governos estaduais e municipais. Ou seja, os cidadãos e cidadãs não jogam toda a culpa apenas no presidente. Dividem essa carga com governadores e prefeitos. As pesquisas do PoderData, Datafolha e Ipespe vêm mostrando isso há meses. Os governadores também vêm perdendo popularidade ao longo do tempo.
A estratégia de comunicação do governo federal de culpar os governadores pelas falhas no enfrentamento da pandemia parece ser efetiva nesse sentido. Some a isso o fato de que os governadores também vêm sendo forçados a adotar medidas pouco populares que contribuem na divisão de culpa pela atual crise.
Em segundo lugar, é impossível entender o momento atual sem levar em consideração o fato de que cada vez mais, e isso é uma tendência mundial, o ser humano vive dentro de “bolhas” que tendem a reforçar narrativas pré-concebidas e limitam a exposição a pontos de vista diferentes.
Isso quer dizer que quem já se identificava com Bolsonaro tende a viver em um ambiente de informação no qual o presidente não é responsabilizado pelos acontecimentos da crise. Nesse ecossistema social segregado, o ponto de vista de seus apoiadores é sempre reforçado. O mesmo acontece do lado oposto.
Existem cada vez menos meios de comunicação e veículos capazes de dialogar ou ao menos de serem ouvidos tanto por quem aprova quanto por quem desaprova o governo federal –uma exceção é este jornal digital Poder360, que busca de maneira obsessiva ter um noticiário apartidário e sempre buscando a neutralidade e a objetividade, pois mais que essa seja uma meta inalcançável.
Mas a verdade é que a indústria de mídia jornalística hoje oferece mais produtos para reforçar percepções do que um noticiário neutro e apenas informativo. Esse fato limita o impacto de notícias negativas, porque a tendência é os apoiadores do presidente da República não darem importância.
Em terceiro lugar, é preciso levar em consideração um fator político. A oposição ao presidente Bolsonaro segue ainda amplamente desorganizada. É algo que pode mudar com a volta de Lula como possível candidato.
As divisões internas de partidos como o PSDB e as constantes altercações públicas de Ciro Gomes e figuras da esquerda, sobretudo do PT, mostram como até o momento não há união da oposição.
Se de um lado há o governo federal com uma base de apoiadores organizada em termos de comunicação, do outro a oposição ainda está dispersa, atuando de maneira pontual e não planejada.
Mas o cenário está mudando.
O PoderData testou nesta rodada cenários de primeiro e segundo turno e o potencial de voto de alguns dos nomes colocados como possíveis candidatos a presidente em 2022. O desgaste de Bolsonaro já impacta seu desempenho em termos de intenção de voto.
Lula apareceu liderando no primeiro turno com 34% das intenções de voto, contra 30% de Bolsonaro. Nas simulações de 2º turno, Lula também vence o atual presidente com 41% dos votos contra 36% de Bolsonaro.
Segundo o PoderData, Jair Bolsonaro, venceria, hoje, João Doria e Sérgio Moro em um eventual 2º turno. Perderia para Luciano Huck e para Ciro Gomes, mesmo que com diferenças pequenas. Isso é resultado direto do aumento de desgaste do governo federal.
A pesquisa traz ainda dados sobre o potencial de voto dos candidatos. É quando os entrevistados são questionados sobre se aquele político “é o único em que votaria”, se “poderia votar”, ou se “não votaria de jeito nenhum”.
Os dados mostram que o tempo longe dos holofotes parece ter feito bem à imagem do ex-presidente Lula, que é hoje o candidato com maior potencial de voto e menor rejeição. Ele não deixou de ser conhecido e foi, nos últimos tempos, do escrutínio constante da mídia sobre fatos de seu governo. Como sabemos, na memória dos eleitores tende a prevalecer a lembrança do que foi bom em governos passados –e, no caso de Lula, houve enorme prosperidade econômica (sem fazer juízo de valor sobre a que preço foi possível o avanço do PIB).
Jair Bolsonaro vem logo atrás de Lula, tanto em termos de potencial de voto quanto em rejeição.
Quando se compara os dados de hoje com pesquisas do PoderData de 2018, quando Lula ainda aparecia como possível candidato naquele ano, nota-se que o petista e Bolsonaro melhoraram seus potenciais de voto.
Na ocasião, tanto Bolsonaro quanto Lula apresentavam números elevadíssimos de rejeição, acima de 60% do eleitorado. Bolsonaro conseguiu reduzir sua rejeição e ampliar a base de eleitores fiéis. Lula conseguiu manter sua base de eleitores, que desde 2018 varia em torno de 30% do eleitorado. Conseguiu também reduzir de maneira significativa a rejeição ao seu nome.
A leitura dos gráficos nesta perspectiva temporal apresenta reflexões importantes sobre o cenário político atual. A primeira delas é a diferença que o tempo faz. Faltam pouco mais de 18 meses para a eleição de 2022. O cenário que atual pode ser completamente diferente quando as campanhas de fato saírem às ruas.
Em agosto de 2018, Jair Bolsonaro apresentava baixo potencial e alta rejeição. Ainda assim conseguiu ser eleito presidente. Hoje o agora presidente conta com uma base organizada de apoio e conseguiu reduzir o nível de rejeição pessoal.
Lula apresenta uma base de apoio consistente, cerca de 1/3 do eleitorado. O tempo em que esteve relativamente afastado da vida pública conseguiu reduzir a rejeição a seu nome –até porque foi poupado de noticiário negativo diário, algo que não deve perdurar a partir de agora.
É provável que dois outros fatores estejam contribuindo para a redução nas taxas de rejeição ao ex-presidente: a percepção de podem, de fato, ter ocorrido abusos por parte da operação Lava Jato, e, sobretudo, a percepção de que Lula é o nome com mais chance de vencer Bolsonaro na eleição de 2022. Note-se o fato de pessoas com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso dizendo que num confronto entre Lula e Bolsonaro, votaria no petista.
As mudanças que vêm ocorrendo produzem cada vez mais perguntas que respostas. A queda de popularidade de Bolsonaro é reversível? Qual será o impacto da piora da pandemia daqui para frente? O novo auxílio emergencial será suficiente para segurar a posição política do governo? Lula conseguirá de fato unir a oposição e se candidatar novamente?
Será preciso acompanhar o cenário semana após semana para compreender a conjuntura de maneira profunda. É nesse contexto que as pesquisas nacionais a cada 15 dias contribuem para que todos possamos entender um pouco o que pode acontecer na política em 2022.
*Cientista político e coordenador do PoderData, a divisão de pesquisas do jornal digital Poder360