(Do blog do Magno Martins)
Postado por Madalena França
Por Arnaldo Santos*
Quando examinamos os ciclos da história, temos a oportunidade de extrair melhor compreensão da realidade, com base na observação do comportamento das pessoas (algumas são bestiais), como constatamos, hoje, por parte de vários daqueles que (des)governam o País, tendo o presidente da República, como o mais obtuso entre todos.
Ainda referenciado na observação dos ciclos históricos, também a nós é dado perceber a realidade dos avanços e os influxos do desenvolvimento da humanidade, e nos enseja a descoberta de fatos que jamais imaginamos terem existido, especialmente quando olhamos para as nossas chagas sociais.
A comunidade médica, alguns pesquisadores das Ciências Sociais e pessoas mais aprestadas de informações sabem que, no final da primeira metade do século XX, em decorrência da desnutrição infantil causada pela fome e as precárias condições em que as crianças viviam, sem água tratada nem esgotamento sanitário, doenças como virose intestinal, causadora das diarreias nos recém-nascidos, matavam milhares de infantes, antes mesmo de completarem o primeiro ano de vida, em toda a região Nordeste.
Eram tantas as mortes que, durante certo período, existiu uma inusitada atividade laboral que ficou conhecida como,“carregadores de anjos”! Eram homens que exerciam o triste ofício de levar no ombro os pequenos caixões de crianças para sepultá-las, vítimas, não só, da miséria, mas também pela mingua de condições de atendimento à saúde, ao que se somava a insensibilidade de uma sociedade egoísta e embrutecida desde sempre.
Esse é o período situado dos anos de 1930 a 1950, quando o índice médio da mortalidade infantil, na região Nordeste, era de 185 por mil que nasciam. De tão grave aquela realidade, fez surgir essa estranha, porém necessária atividade, que, de acordo com o relato do professor doutor Odorico Monteiro, médico, pesquisador da Fiocruz, e deputado federal, alguns desses homens, de tantas viagens que faziam conduzindo aqueles pequenos ataúdes, chegavam a desenvolver “Heloma” - (calosidade), aquelas camadas grossas e endurecidas de pele causadas pelo atrito e a pressão exercida pelos esquifes nessa parte referida do corpo.
Setenta anos depois, agora no início da terceira década do século XXI, vivendo a era do conhecimento com a expansão e a utilização, em escala planetária, das novas tecnologias da informação e da robótica, substituindo o homem até nos afazeres domésticos, e provocando um acelerado processo de eliminação de centenas de profissões, eis que deparamos algo ainda mais inusitado e, dessa vez, não apenas no Nordeste, mas em todo o País.
Referimo-nos a uma atividade inimaginada para os padrões de desenvolvimento científico e tecnológico que vivenciamos na realidade em curso, que é a crescente expansão da moribunda função de contador de cadáveres, que já chegam a quase 400 mil! Isso mesmo, nos hospitais e necrotérios de todo o País, já existem os contadores de cadáveres - profissionais da área da saúde designados para registrar, diuturnamente, o número de mortos resultante da desídia do atual governo, na gestão da pandemia. A que ponto chegamos! Aliás, é pelo trabalho dessas pessoas, designadas pelas secretarias estaduais e municipais de saúde, que o consórcio de imprensa nos informa diariamente, através dos telejornais, a quantidade de mortos pela covid.
Se não bastasse esse absurdo, o número de vidas perdidas, que, tanto para nós, como para o mundo, já é considerado a tragédia brasileira, em razão desse mesmo descaso e falta de gerenciamento da pandemia, somam-se os milhões de cidadãos brasileiros, especialmente mulheres com crianças de colo, chefes de família, a míngua de tudo, povoando as ruas e avenidas das grandes cidades de todo o País, a pedir esmolas nas ruas, nas esquinas e nos semáforos, ou empurradas para os lixões, disputando restos de comida com os urubus, configurando a dura e humilhante realidade de fome coletiva.
Caros leitores, creiam, o relato que trazemos aqui para reflexão, é o testemunho doído de quem, como cidadão e jornalista, em uma ação solidária, tentando de alguma forma acudir essas pessoas, especialmente as crianças, tenho percorrido as ruas e avenidas dos bairros nobres onde mora a elite endinheirada da quinta maior cidade do Brasil - que é Fortaleza - e também aqueles bairros pobres mais afastados de onde emerge a pobreza extrema, pois nesses locais falta tudo, principalmente a presença do poder público, menos a violência policial; felizmente, sobra a solidariedade dos vizinhos, parentes, amigos e conhecidos, que, mesmo na situação de pedintes, repartem o pouco que conseguem com as doações de algumas almas caridosas, após um dia inteiro de mendicância. Os relatos de sofrimento que ouvimos nessas andanças não, apenas, nos emocionam, como doem na alma.
Para mudar essa realidade o primeiro passo é admitir que vivemos em uma sociedade assolada pela fome, a subnutrição, disseminadas e repetidas por várias fomes coletivas, e talvez a maior delas pelo menos no médio prazo seja a falta de perspectiva, levando-nos pelo menos implicitamente a imaginar que pouco ou quase nada podemos fazer para remediar essa desesperadora situação, pois, com o prolongamento dos efeitos da pandemia, no longo prazo, esses males tendem a se agravar pela indiferença e a incompetência daqueles de quem se esperava o mínimo de compromisso para com a Nação.
O impacto é ainda mais doído e cruel quando retrocedemos à história recente, e constatamos que, até bem pouco tempo, era uma vez um País, em que os pobres faziam três refeições por dia, as crianças tinham leite que garantiam o seu desenvolvimento motor e cognitivo, estudavam em creches de tempo integral, para que seus pais trabalhassem e produzissem, fortalecendo a nossa economia, pois havia quase que pleno emprego, e muitos pobres até podiam viajar de avião, para o desespero de uma elite que torcia e tapava o nariz nos aeroportos superlotados pelo povo trabalhador, por se achar detentora exclusiva desse direito. Hoje essa mesma elite, a bordo dos seus carros blindados, trafega pelas ruas e avenidas indiferente aos famélicos que estendem a mão pedindo um prato de comida.
Senhoras e senhores, a miséria e a fome estão à sua frente, bastando olhar pela janela da sua casa ou do seu apartamento, seja nos bairros nobres ou naqueles onde vive o povo trabalhador dessa cidade, sem trabalho, sem renda, sem perspectiva e sem o de comer para botar na panela e alimentar seus filhos. Em maior ou menor grau, essa realidade se repete em todas as cidade do País. Quando um governo deixa faltar oxigênio e remédio, para entubação dos pacientes que agonizam nas emergências da rede pública de saúde, certamente, não vai se sensibilizar com a fome coletiva de um povo que implora por um prato de comida para sobreviver. Esse momento exige coragem e solidariedade. Essa realidade nos impõe deixar de lado a acomodação de nossas vidas confortáveis, e nos mobilizarmos em uma grande ação coletiva para acudir os milhares de famélicos, especialmente as crianças. A fome dói, dói muito! Pensemos nisso e façamos alguma coisa!
*Jornalista, sociólogo e doutor em Ciências Políticas. Comentários e críticas para: arnaldosantos13@live.com.