247 – Às vésperas da votação da segunda denúncia contra Michel Temer na Câmara dos Deputados, o Jornal Nacional dedicou nada menos que 17 minutos aos vídeos em que Lúcio Funaro revela a compra do golpe de 2016 e diz ainda como eram repassadas propinas para Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves, Geddel Vieira Lima e o próprio Michel Temer.
Confira o vídeo e leia abaixo a transcrição da reportagem:
Novos trechos da delação de Lúcio Funaro são divulgados
O doleiro Lúcio Funaro, preso pela Lava Jato, é apontado como operador financeiro do PMDB. Nos vídeos, ele citou nomes de parlamentares do partido e do presidente Michel Temer no esquema de corrupção.
A TV Globo teve acesso aos depoimentos gravados em vídeo do doleiro Lúcio Funaro, preso pela Lava Jato, e apontado como operador financeiro do PMDB. Ele citou nomes de parlamentares do partido e do presidente Michel Temer no esquema de corrupção.
São vários casos de corrupção, relatados ao longo de mais de 13 horas de depoimentos gravados em áudio e vídeo. Até este sábado (14) só tinham vindo a público depoimentos transcritos. Agora, nos vídeos, o doleiro Lúcio Funaro, apontado como operador financeiro do PMDB, conta mais detalhes de episódios que foram usados para embasar a denúncia feita contra o presidente Michel Temer pelos crimes de obstrução à justiça e organização criminosa.
Um deles foi a compra do silencio do doleiro. Funaro conta como o empresário Joesley Batista monitorava o seu ânimo constantemente. Nesse ponto, Funaro lê o depoimento que já tinha dado anteriormente: “Joesley e seu advogado, Francisco de Assis, propuseram ao depoente fazer um contrato guarda-chuva a fim de dar aparência de legalidade aos negócios já efetivados entre o depoente e Joesley e ao saldo credor que o depoente possuía junto às empresas do grupo JBS, que por outro lado Joesley também se sentia seguro no sentido que o depoente não ia tomar nenhuma medida contra os interesses dele e do seu grupo, como eu já disse, que o depoente sabia que Joesley monitorava o ânimo do depoente em cumprir o pacto de silêncio e fidelidade através de contatos com a esposa do depoente, que é amiga da esposa de Joesley e de seus familiares, que também eram amigos da esposa do depoente, que esse monitoramento do ânimo do depoente também era feito por Francisco de Assis junto a irmã do depoente quando esta ia à sede da JBS receber os pagamentos mensais”.
Funaro disse que mandou um recado para Joesley Batista com ameaças de retaliação caso os pagamentos fossem interrompidos, inclusive ameaçando delatar o Michel Temer: "Que foi informado por sua irmã que sua advogada Roberta confirmou que levou a Francisco outro recado, dentro de uma caneta bic, no intuito de tranquilizar Joesley e Francisco quanto ao compromisso firmado entre o depoente e Joesley; que caso os pagamentos fossem suspensos o depoente iria estourar Joesley, ou seja, iria executar os títulos ed crédito que tinha contra ele e certamente o ânimo do depoente em delatar Joesley também aumentaria significantemente; que, contudo, a opção da delação incriminaria não só Joesley mas também uma série de pessoas, dentre elas Geddel Vieria Lima, Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves, Gabriel Chalita, Henrique Constantino, Michel Temer, de forma tangencial, entre outros que fizeram negócios com o depoente .
Em outro momento, o procurador pergunta a Funaro o que ele quis dizer com estourar Joesley e incriminar uma série de pessoas e Funaro volta a citar Michel Temer entre outros:
“Eu podia tomar duas atitudes. Então, eu tinha duas estratégias pra adotar: ou fazer uma primeira estratégia de executar ele na Justiça e ver se ele recuava, falando: ‘não, vou voltar à normalidade, continuamos amigos’. Ou fazer, executar na Justiça, receber meu dinheiro e na sequência fazer a delação. Ou então, a terceira opção seria fazer a delação e a execução tudo junto”, conta Funaro.
Procurador: Tá, e aí você colocou aqui, você falou dessas três opções, só que você falou que a opção da delação, ela teria um outro efeito..
Funaro: Porque eu nunca ia poder fazer uma delação restrito a só à família Batista, ao sobrinhos deles, todas essas pessoas.
Eu teria que fazer um depoimento que qualquer procurador que eu sentasse, qual é a primeira coisa que o procurador ia me falar: ‘Tá bom, você já acabou de falar da família Batista, agora vamos passar para o próximo capítulo’. Aí ia envolver Geddel, Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves, várias outras pessoas que eu não queria envolver até porque eram amigas minhas e eu tinha uma boa convivência com elas até aqueles momentos e eles não eram culpados da situação. Se tivesse alguém que era culpado da situação de parar o pagamento era o Joesley, porque ele tinha a responsabilidade de fazer o pagamento, porque ele recebeu e devia o dinheiro efetivamente pra mim.
Procurador: Então, queria que você repetisse só as pessoas que você falou, que poderiam estar no seu depoimento escrito. Ver se você confirma as pessoas que você mencionou.Funaro: Geddel, Henrique Eduardo Alves, Eduardo Cunha. Deixa eu ver quem mais. Michel Temer. Daria um efeito em cascata, né? Porque eu ia ter de falar tudo como eu estou falando aqui agora.
Funaro relata que o ex-ministro Geddel Vieira Lima também ligava para a esposa dele, para saber se ele tinha intenção de fazer delação premiada. Funaro, que estava preso e já negociava uma delação, orientou a esposa a continuar atendendo Geddel.
Funaro: Ela tinha medo de estar sendo monitorada ou ele sendo monitorado, poderia configurar isso aí obstrução de justiça, e ela queria, falou: “ah, acho que vou parar de atender ele”. E aí eu falei: “não pare de atender, que se não ele vai achar que, com certeza, eu estou fazendo delação”.
Procurador: Mas ela queria parar de atender os telefonemas...
Funaro: E eu instrui para não parar, que era pra continuar atendendo normalmente, que isso aí não imputaria em obstrução de justiça porque eles não tinham nenhum tipo de assunto, nenhuma conversa que ela pudesse ser implicada nesse tipo de assunto mas, pra mim, era como se ele tivesse querendo saber, aqui, ó, o que que você está fazendo, não sei o que, porque eu tinha noção, eu tinha o contexto amplo, ela tinha o contexto local, entendeu?
Depois que Geddel deixou o governo, Joesley Batista foi ao Palácio do Jaburu em março deste ano. Na conversa, Joesley disse a Temer que zerou suas pendências com Eduardo Cunha, e assim o tirou da frente. Segundo Procuradoria geral de república, nesse momento, Joesley também informa sobre os pagamentos a Lucio Funaro, Joesley disse que está bem com Cunha e ouve do presidente Temer a frase "tem que manter isso viu".
O doleiro contou que atuou em várias operações de entrega de dinheiro para políticos como Henrique Eduardo Alves, que foi ministro de Temer, e disse que também sabia que dinheiro chegava às mãos de Michel Temer através de um operador de Eduardo Cunha, Altair Alves Silva. “No caso do Henrique eu não tinha problema nenhum em receber os funcionários dele dentro do meu escritório. Assim como eu tenho certeza que parte do dinheiro que era repassado, que o Eduardo Cunha capitaneava em todos esses esquemas que ele tinha, dava um percentual também pro Michel Temer. E eu nunca cheguei a entregar, mas o Altair deve ter entregado assim algumas vezes”, diz Funaro.
Nesse depoimento, o procurador insiste em busca de mais detalhes.
Procurador: O senhor mencionou que Michel Temer também recebia propina porque...
Funaro: Porque o que acontecia, o Altair às vezes comentava.
Procurador: O que ele comentava?
Funaro: Ah, que tinha que entregar um dinheiro pro Michel. O escritório do Michel é atrás do meu escritório, entendeu?
Funaro também dá mais detalhes sobre o esquema de corrupção montado na Caixa Econômica Federal. E cita a divisão feita com o ex-ministro Geddel Vieira Lima e com o ex-deputado Eduardo Cunha.
Procuradora: O senhor pagou integralmente a parte do Cunha a ele, e como é que chegava a parte do Geddel?
Funaro: Aí era 60%, 65% pro Geddel, dependendo da operação, e o resto eu e o Cunha mediavam no meio, ou eu dava 5% a mais pro Cunha e o resto ficava pra mim, dependia da operação e da necessidade de caixa que ele tinha.
O doleiro Lúcio Funaro também deu detalhes de como o ex-deputado Eduardo Cunha atuou - a pedido de Michel Temer - para beneficiar empresas do setor portuário. Uma medida provisória criou novas regras para o setor. Hoje há um inquérito sobre esse assunto em andamento no Supremo Tribunal Federal.
“Essa MP foi feita pra reforma do setor portuário e ela ia trazer um grande prejuízo pro Grupo Libra, que é um grupo aliado de Cunha e, por consequência, de Michel Temer porque é um dos doadores, dos grandes doadores das campanhas do Michel Temer. E o Eduardo me narrou que na época o Michel pediu a ele: ‘ó, tem que fazer isso, tem que fazer isso, cuidar disso’, pra que o negócio não saísse do controle”, diz Funaro.
Eduardo Cunha conseguiu beneficiar o Grupo Libra, segundo o relato de Funaro: “E o que acontecia, pela definição dessa MP, o Grupo Libra não ia poder renovar mais as suas concessões portuárias, porque ele tinha vários débitos fiscais inscritos em dívida ativa. E o que que o Eduardo Cunha fez: pôs dentro dessa MP uma cláusula que empresas que possuíam dívida ativa inscrita poderiam renovar seus contratos no setor portuário desde que ajuizassem arbitragem para discutir esse débito tributário.
Lúcio Funaro disse que o esquema comprava parlamentares no Congresso para aprovar leis que beneficiariam empresas. Ele explicou a atuação do ex-deputado Eduardo Cunha e também como era feito o pagamento de propinas ao Partido Progressista, envolvendo a Caixa Econômica Federal.
Na distribuição de espaço no governo a partidos políticos aliados do presidente Michel Temer, o
PP, Partido Progressista, indicou e conseguiu levar Gilberto Occhi para a presidência da Caixa Econômica. Uma função nova. Mas o doleiro Lúcio Funaro contou na delação que, quando Occhi era vice-presidente da área de governo - ainda no governo Dilma - já desviava recursos de financiamentos para o PP, disse que foi informado por um empresário que Occhi tinha até uma meta de repasse de propina para cumprir.
Funaro: Sabia até que tinha uma meta do Gilberto Occhi de produzir, por mês, um valor "X" por mês pra ser distribuído entre os membros do PP. Não sei pra quais membros, mas ele tinha essa meta.
Promotor: Quanto que era?
Funaro: Não sei também o valor, mas ele tinha uma meta.
Funaro: Qualquer verba da Caixa pra sair que fosse referente BNDES, FNDO, FCO, tudo quanto é verba que vem do governo era obrigado a passar na diretoria dele. Tudo tinha que passar na vice-presidência dele. E ele tinha uma meta pra cumprir lá, que eu não sei de quanto era a meta que o pessoal exigia dele.
Promotora: Meta de valores ilícitos?
Funaro: De propina.
Funaro deu mais detalhes do esquema para desviar dinheiro da Caixa. Falou da parceira com o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Com o dinheiro que conseguia de propina via liberação de recursos do FI e FGTS, o doleiro disse que chegou a montar uma espécie de conta corrente com Cunha.
Promotor: O senhor diria então que tem então uma conta corrente interna com o Cunha? É correto afirmar isso?
Funaro: Tem uma conta corrente com ele.. É... Não oficial, desde 2003.
De acordo com Funaro, a prática de Cunha de comprar de parlamentares começou nessa época, em 2003, quando ele se elegeu pela primeira vez para a Câmara. E o esquema se fortaleceu a partir de 2009, quando o deputado já tinha ocupado cargos de destaque na Câmara e na bancada do PMDB. Funaro explicou aos procuradores como era a atuação dos caciques do partido para conseguir dinheiro ilícito na negociação de medidas provisórias encaminhadas ao Congresso.
Procurador: Era comum a bancada negociar, o PMDB negociar, dentro da Câmara e do Senado, pagamento de propinas em troca de aprovações, enfim, de qualquer medida legislativa?Funaro: Era um fato que acontecia. Procurador: Certo. Essa parte operacional, era negociada por quem na Câmara? Funaro: Normalmente, quem tinha o poder, mais influência dentro da Câmara para esse tipo de negociação, era o deputado Eduardo Cunha. Procurador: No Senado, quem tinha esse poder no Senado? Funaro: Quem fazia interface com ele no Senado era o senador Romero Jucá.
Em vários trechos, Lúcio Funaro citou como a empresa JBS, de Joesley Batista, liberou dinheiro para o grupo de Cunha. Disse que na campanha eleitoral de 2014, a empresa repassou cerca de R$30 milhões que foram distribuídos por Eduardo Cunha para eleger deputados que o ajudariam a ganhar a eleição para a presidência da Câmara. E, em outro momento contou que Cunha e Joesley conseguiram indicar o então deputado Antonio Andrade, do PMDB de Minas, para o Ministério da Agricultura, para que atendesse demandas de Joesley.
Foi no governo Dilma. De acordo com Funaro, o grupo indicou o ministro e mais dois funcionários para o ministério. Em troca, segundo Funaro, o esquema beneficiou as empresas de Joesley com pelos menos duas medidas: a proibição de venda da despojos de boi por pequenos frigoríficos e de um remédio para parasitas, a ivermectina.
Promotora: Qual foi a contrapartida do ministro, o que ele solicitou como propina pra fazer isso?
Funaro: Ele recebeu no caso da ivermectina R$ 3 milhões e no caso do despojo, R$ 1,5 milhão.
A defesa do ex-deputado Eduardo Cunha divulgou nota em que ele desmente com veemência o conteúdo da delação e desafia o doleiro Lúcio Funaro a provar as acusações.
O senador Romero Jucá, do PMDB, afirmou que a palavra do delator tem que ser vista com todas as ressalvas, porque é um nada jurídico.
O PMDB afirmou que delações estão sendo feitas sem que haja nenhuma comprovação e que acredita que a justiça irá reconhecer que elas são inócuas.
A J&F disse, em nota, que nem sempre era possível saber a forma como Lúcio Funaro operava com os políticos. Mas considera que a colaboração do grupo foi completa e detalhada, sem omissões. Informou que os colaboradores continuam à disposição da justiça para prestar esclarecimentos.
Gilberto Occhi desmentiu veementemente o que foi dito por Lúcio Funaro. Afirmou que nunca pediu nada a ninguém e que sua carreira sempre foi pautada pelo respeito à ética e à lei.
A Caixa Econômica Federal informou que está em contato permanente com as autoridades, prestando irrestrita colaboração com as investigações.
Nós não tivemos resposta do Partido Progressista, nem do ex-ministro da Agricultura, Antônio Andrade.
O Grupo Libra declarou que repudia veementemente as ilações de Funaro. Disse que a medida beneficiou todo o setor e que Funaro cita o nome do grupo sem um única prova ou indício.
Gabriel Chalita disse que saiu do PMDB há dois anos e nunca teve relação com Lúcio Funaro. Disse ainda que os recursos para sua campanha foram de responsabilidade do partido.
Henrique Constantino disse que segue colaborando com as autoridades para total esclarecimento dos fatos.
Os ex-ministros Geddel Vieria Lima e Henrique Eduardo Alves não quiseram se manifestar.
Nós não conseguimos localizar o operador Altair Alves.