O texto abaixo foi enviado por um comentarista do blog. Com sua autorização, resolvi colocá-lo como post, porque narra, com uma experiência prática, sem teorizações, algo que me assusta sempre, desde guri e que só tem feito aumentar nos últimos anos: a crueldade dos moralistas, cavalgando seus preconceitos e simplismos para, daí a pouco, caírem eles próprios diante de situações que brandiam sem piedade contra seus adversários.
A narrativa, tão simples e espont^nea, narra algo que todos de nós alguma vez já vimos. E, se não vimos, estamos vendo agora.
Aécio e o filho da diretora
Douglas Santellano
Era ano 2000. Estudávamos em uma escola estadual da cidade de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. Naquela época, andávamos em uma turma mal vista, porque nos julgavam pela aparência, sempre o pessoal de preto, que curtia heavy metal e se reunia no fundo da escola. Porém, não cometíamos infração maior do que alguma algazarra natural de moleques na faixa dos 15, 16 anos. No entanto, a diretora da escola não gostava da gente por alguma razão íntima dela, e resolveu nos acusar com frequência inusitada.
Convocou uma reunião ao final do primeiro bimestre com os pais de alguns alunos, enviando um comunicado que ao ler, era possível sentir o cheiro ferroso de sangue. Era o objetivo dela, intimidar para forçar o delito. Pois bem, os pais compareceram a reunião e nós os acompanhamos na sala. Minha mãe e as mães dos meus colegas lá, presentes e nervosas. Se elas estavam nervosas, imagine nós. A diretora apontou a metralhadora para nós e desferiu uma rajada fatal, insinuando inclusive que estávamos escondendo maconha no canteiro da escola. Ora, ora…não escondíamos no canteiro porque o furto seria inevitável!
Além deste crime plantado contra nós, foram ditas inúmeras inverdades, e ela as proferia com raiva. Me sentia o Eric e ela o Vingador, se não fosse o Tiamat. A mulher babava, e uma das mães deixou a sala chorando, inconformada com as infrações do filho até então inocente. Só que esta diretora tinha um filho, que na ocasião o citou como exemplo. Ele também era aluno da escola, e o moralismo da diretora teve como baliza mestra a conduta do primogênito, estudioso e amável, cultivador da fraternidade e postulante a seminarista.
Não foi necessário passar um ano. O filho dela passou a se envolver com drogas, e apreciou a cocaína. Posteriormente, começou a fumar crack. Era um rapaz de boa origem e muitos amigos, mas isso não inibiu o gosto pelos psicoativos, o que lhe levou a conviver em ambientes um tanto insalubres. Como adquiriu muitos amigos, também adquiriu muitos inimigos. Apesar de ser espirituoso, bem humorado, tinha essas desvirtuações comportamentais que complicavam os que conviviam ao seu redor. Com o passar do tempo, as confusões em que se metia eram frequentes, e cada vez que ele saía na rua encontrava alguém que queria briga com ele. Isso era rotina para ele e seus amigos.
Andar ao lado dele se tornou um problema, e não havia vez que se estivesse na presença dele que não houvesse alguma turbulência. Cada vez que eu ficava sabendo de algo, logo lembrava da mãe moralista e pensava: língua não tem osso. Ela fez nossa cabeça, pregou nossa culpa do forma veemente, passou uma imagem para as mães na reunião que não condizia com a realidade, somente pelo pretexto de nos acusar por não simpatizar conosco. Usou o filho para salientar que era possível criar adolescentes que não fossem infratores. Poucos anos depois da reunião, seu filho não podia nem entrar no condomínio em que moravam, tamanha a decadência.
Agora vejamos: houve uma acusação injusta, tentaram incriminar, o lado acusador sujou-se por completo e a pessoa que era exemplo não podia ter ninguém ao seu redor que fazia da convivência um risco iminente.
O filho da diretora foi o Aécio em minha vida. Cada um tem o seu, inclusive o PSDB.
Lula Livre.