POR CLÁUDIA MOTTA
Para o juiz aposentado Marcelo Tadeu Lemos de Oliveira, não foi surpresa a denúncia surgida de relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) em torno da família Bolsonaro. O órgão, subordinado ao Ministério da Fazenda, apontou movimentação financeira suspeita de um ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL/RJ), o policial militar Fabrício José Carlos Queiroz. “A família Bolsonaro foi toda construída dentro da estrutura do Estado”, afirma.
“Toda aquela retórica de anticorrupção nunca existiu. Imagine um parlamentar com 30 anos de legislatura no estado do Rio de Janeiro e todos esses episódios lá e nada disso ele tinha conhecimento? Claro que tinha. Agora está provado e não só sabia como dele se utilizou”, ressalta.
Segundo Oliveira, da forma como está construído o sistema político, todos os partidos utilizaram um caminho que não é formalmente correto. “Ele seria diferente de quê, esse homem puro veio de onde, do Rio de Janeiro? Família Bolsonaro pura, do Rio de Janeiro? Como é possível? Seria um aborto da natureza”, ironiza.
Sobre o R$ 1,2 milhão movimentado pelo assessor e os valores transferidos para a conta de Michelle Bolsonaro, futura primeira-dama, o ex-juiz acredita que a família não vai ter como justificar. “Um ex-soldado PM, com remuneração de 8 mil contos, como é que vai movimentar isso. Eu, como juiz de direito, passo anos pra ter essa quantia na minha conta”, compara. “As justificativas apresentadas até agora são fraquíssimas, acho até que vão optar em ficar em silêncio porque não vão ter como corrigir o que está lá. Não tem como.”
As consequências da denúncia para o presidente eleito, Jair Bolsonaro, são muito graves, na opinião de Oliveira. “Vai tomar posse já enfraquecido e, se precisar do Congresso para a governabilidade, vai ficar mais caro ainda o apoio, não só para implementar as ideias macabras dele, como para se manter no poder. Qualquer movimento que implique numa fragilidade de apoiamento político, pode levar a uma cassação.”
Para o advogado, Bolsonaro vai tomar posse precisando mais do que nunca do Congresso. E acha, ainda, que o ex-capitão perde força para escolha dos presidentes (da Câmara dos Deputados e do Senado). “Estavam batendo forte na pessoa do senador Renan Calheiros, por exemplo, na disputa à presidência do Senado. Flavio Bolsonaro, que vai tomar posse como senador, que tinha no seu gabinete esse PM lotado e nomeado por ele, dizia que Renan não seria nunca (o presidente do Senado) porque afinal de contas era um homem cheios de processos, com corrupção. E agora, Flavio?”
Nada disso, no entanto, é um acaso, na opinião de Marcelo Tadeu. “Aparecer isso agora é uma resposta, um aviso que está sendo dado à família Bolsonaro. Ou ele se alinha e se ajusta ou dança”, avalia. “Essa é a opinião de quem foi magistrado por 25 anos e já foi candidato a deputado federal, no microssistema político de Alagoas. Bolsonaro entra com a corda no pescoço e o Congresso pode puxar a qualquer momento.”
Moral inabalável?
Agora advogando em Maceió (AL), Recife (PE) e Brasília (DF), Oliveira diz ter “certeza” de que é muito constrangedor para Sergio Moro fazer parte de um governo como esse. “Para quem alardeou para o povo brasileiro que se tratava de um juiz de uma atuação do ponto de vista moral e ético inabalável, está provado que não é”, afirma.
Ele ressalta que o ex-juiz da Lava Jato, e futuro Ministro da Justiça e Segurança de Bolsonaro, decidiu servir a um governo “com problemas mais graves ainda do que aquele que ele tanto perseguiu, que foi o Lula”. E compara: “No caso de Lula é ‘parece’, ‘seria’, ‘teria’”, diz, em relação às acusações que levaram o ex-presidente à condenação. “Com Bolsonaro não é ‘teria’, mas ‘tem’, não é ‘faria’, é ‘fez’, não é ‘se corromperia’, mas ‘se corrompeu’”.
Para o juiz aposentado, Moro deveria ter vergonha e pedir exoneração se quisesse manter a história dele. “Ou a falsa história ou o verniz de verdade. Porque agora ele vai se desmoralizar por completo. Esse juiz Sergio Moro nunca me enganou.”
Nesta segunda-feira (10), após quatro dias das denúncias originadas no relatório do Coaf – que inclusive ficará subordinado à sua pasta, Moro afirmou que os fatos precisam ser “esclarecidos” e que seria “inapropriado”, como futuro ministro da Justiça, comentar.
“Ele (Moro) só comentava casos do Lula. Minha visão é de que se trata de um magistrado, ou ex-magistrado, que tem o cinismo como ponto de apresentação em sua personalidade. Ele é cínico demais!”, afirma Marcelo Tadeu Lemos de Oliveira.
Moro teria dito ainda a uma emissora de rádio: “Sobre o relatório do Coaf sobre movimentação financeira atípica do sr. Queiroz, o sr. presidente eleito já esclareceu a parte que lhe cabe no episódio. O restante dos fatos deve ser esclarecido pelas demais pessoas envolvidas, especialmente o ex-assessor, ou por apuração”.
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Madalena França