18/01/2016 21:40
"Rolezinho", marcado pela internet, terminou em confusão e roubos; 12 mil adolescentes participaram
Por: Amanda Gomes/ Fernando Granato
portalweb@diariosp.com.br
Um dia ensolarado e perfeito para fazer o passeio preferido de
vários paulistas: ir ao Parque do Ibirapuera, na Zona Sul, para curtir o
domingo (17) com os amigos e a família. Entretanto, o dia em um dos
mais importantes cartões-postais da capital acabou com confusão, roubos e
duas jovens estupradas.
A violência denuncia a facilidade com que jovens entram com bebidas
alcoólicas e a falta de segurança no Ibirapuera, apontado recentemente
como um dos dez parques mais importantes do mundo .
Além do público que normalmente frequenta o local todos os domingos, o
parque contou ainda com um evento de adolescentes, na marquise,
agendado pela internet, o “Rolezinho do Beijo”, regado a bebida e
drogas. De acordo com a Prefeitura, a festa contou 12 mil adolescentes.
Segundo a delegada-assistente do 36º DP (Vila Mariana), Juliana
Pereira Romagnoli, a polícia apura se uma das vítimas, de 18 anos,
estava participando do evento. A outra estudante, de 16, os agentes já
sabem que frequenta o local todos os domingos e não foi atraída pelo
rolezinho.
A maior de idade foi a primeira a ser violentada, por volta das
19h30. Ela contou na delegacia que se divertia com amigas e conheceu um
rapaz. Os dois decidiram fazer sexo e se afastaram da multidão.
Durante a relação com o rapaz, próximo ao portão 6, outros seis
homens se aproximaram e a estupraram. Os criminosos seguraram seu braço e
se revezaram durante o ato, que durou uma hora e meia. O homem que
estava com a jovem saiu do local, levando a bolsa com o celular e R$ 70
da vítima.
A mulher disse que conseguiu escapar quando eles se distraíram. Ela
afirmou que bebeu e usou cocaína. Por isso, não consegue fazer o
reconhecimento dos criminosos.
A outra estudante disse ter começado a conversar com um rapaz e que
os dois beberam juntos. Quando ela estava indo embora, ele a seguiu. Em
determinado momento, o agressor a levou para próximo de uma árvore e
começou a passar a mão na jovem. E a obrigou a realizar sexo oral nele
para depois fugir.
As meninas passaram por exames no domingo e não quiseram falar com a
imprensa. “Vamos ouvir as vítimas para pegar o máximo de detalhes
possíveis”, afirmou a delegada Juliana.
De acordo com a polícia, ainda foram registrados um roubo e um dano a viatura da Guarda-Civil Metropolitana.
A segurança do parque é de responsabilidade da GCM e de uma empresa
particular, que conta com 52 pessoas durante o dia e 42 à noite.
ONG acusa Prefeitura da capital de negligência
Thobias Furtado, presidente da ONG Ibirapuera Conservação, que se
dedica a proteger as áreas do parque, acusou a Prefeitura de
“negligência” na condução do evento que resultou em dois estupros e
vandalismo na tarde do último domingo.
“A negligência em atuar de maneira incisiva e tratar estes encontros
públicos com milhares de pessoas, com o mesmo protocolo de um evento
normal, deixou marcas muito mais severas nestas pessoas violentadas.
Marcas que, ao contrário das pichações, nunca poderão ser apagadas”,
afirmou. “O parque precisa de um regulamento sólido e força para
implementá-lo. O parque precisa mudar.”
O presidente da ONG, que passou o domingo (17) limpando as pichações
deixadas pelos vândalos, disse que há mais de dois anos a organização
que dirige vem sugerindo à Prefeitura formas de tratar esses encontros
com mais profissionalismo.
Em janeiro de 2014, na página da instituição nas redes sociais, eles
apresentaram uma proposta para aqueles que sugeriram na ocasião que os
rolezinhos passassem a acontecer em parques, e não mais em shoppings,
que fossem realizados com autorização da Prefeitura e “com preços
fixados anualmente, assim como sempre foi feito”. Segundo Thobias , até
hoje a Prefeitura ainda não sabe lidar com o problema.
Depoimento de uma estudante de 19 anos, frequentadora do parque
Frequento o Parque do Ibirapuera há seis anos e sempre estou lá com
meus amigos ou minha família. No último domingo, cheguei lá e já levei
um susto porque não sabia do rolezinho. O que presenciamos foi uma cena
de horror. Os garotos que estavam no local passaram a mão em quem estava
na frente deles e chegaram até a puxar o cabelo das garotas que
negavam um beijo. Três rapazes bateram na minha bunda e só consegui
xingar porque estavámos em grupo. Fiquei com medo de sofrer coisas
piores, como o que ocorreu com as duas garotas estupradas. Foi muita
falta de respeito com as meninas. Ainda aconteceram três tumultos e
algumas pessoas jogaram garrafas de vidro contra os guardas. Tentaram
furtar meu celular duas vezes e minhas amigas foram roubadas. Eu acho
que tudo isso aconteceu porque não tinha policiamento suficiente. Eu não
quero voltar tão cedo no parque. Isso muito triste porque lá é um
local muito importante para a cidade. As cenas de ontem vão ficar
marcadas na minha memória.
Análise Lucila Lacreta Urbanista: "Cabia à GCM evitar o caos"
A sociedade paulistana está tensa com a crise pela qual passa o país e
esse clima tem se demonstrado mais claramente nas manifestações
públicas e nos atos que reúnem muita gente. As pessoas estão se achando
no direito de vandalizar o patrimônio e é dever do poder público impedir
que isso aconteça. No caso do Parque do Ibirapuera, cabe
especificamente à Guarda-Civil Metropolitana evitar que aconteça os
fatos do último domingo. Era previsível e nada foi feito neste
patrimônio da cidade.
RESPOSTA DA PREFEITURA
A Secretaria Municipal de Segurança Urbana não soube explciar como
menores entraram com bebida alcoólica no parque, mas informou que cerca
de 12 mil jovens se reuniram na tarde de domingo (17) no Ibirapuera para
um “rolezinho” que não teria sido pactuado previamente com a
administração municipal. “O efetivo da Guarda-Civil Metropolitana foi
aumentado para monitorar o evento”, afirmou. “Ao longo do dia, 120 mil
pessoas visitaram o parque, e o espaço da marquise recebeu cerca de 70
mil pessoas no horário de pico da tarde. A venda de bebida alcoólica é
proibida lá, bem como o consumo por menores de idade.” A secretaria
disse, ainda, que depois da dispersão do rolezinho, por volta das 21h,
foram registrados furtos e atos de agressão à GCM, com detenção de
suspeitos. A Prefeitura afirmou também que determinou a duplicação do
número de guardas nos turnos da noite aos sábados e domingos, “devido ao
grande e inesperado número de jovens que apareceram”.
Cartão-postal foi presente do 4 centenário
O Parque do Ibirapuera foi o maior presente que a cidade de São Paulo
ganhou no aniversário do seu quarto centenário, em 1954. E, de lá para
cá, transformou-se num dos maiores cartões-postais da maior metrópole da
América Latina.
Com 1,5 milhão de metros quadrados, entram pelos seus portões,
abertos das 5h à meia-noite – de sábado para domingo não fecham –, 150
mil pessoas por final de semana.
Em 2015, foi eleito numa enquete feita pelo jornal britânico “The
Guardian” como um dos dez melhores parques do mundo, numa lista onde
figuravam o Central Park, de Nova York, o Buttes-Chaumont, em Paris, e
Boboli, em Florença.
Nas décadas anteriores à inauguração do parque, as terras da Várzea
do Ibirapuera, onde foi construído o equipamento público, eram
utilizadas como pasto de animais. Ali se alojavam as boiadas vindas do
interior destinadas ao matadouro municipal, que ficava nas proximidades.
Foi somente no final dos anos 1920 que Manoel Lopes de Oliveira
Filho, conhecido como Manequinho Lopes, iniciou o plantio de árvores e
plantas ornamentais, com a finalidade de drenar e recuperar o solo.
Parte dessa flora está preservada e constitui o principal atrativo do
parque. Mas quase que não foi assim. Em 1935, a Vasp (Viação Aérea São
Paulo), fundada dois anos antes, lançou a ideia de aproveitar o terreno
vazio para a construção de um aeroporto. A ideia não vingou e ele
acabou sendo feito em Congonhas.