Eu tenho essa dificuldade de me conformar com o óbvio, principalmente quando o
óbvio, de tão óbvio, não faz nenhum sentido.
A apreensão, aparentemente estapafúrdia de fantasias de uma troça, pela PM de
Pernambuco, causou um impressionante clamor público e ganhou as mídias locais
e até algumas nacionais. De repente, não se falava mais no fracasso do Galo,
nos altos índices de violência, nos homicídios ocorridos durante as “folias de Momo”,
quando até um cadáver foi encontrado em plena Av. Conde da Boa Vista. Não! Só se
fala na bisonha e injustificável apreensão de fantasias da Troça “Empatando a Tua Vista
”, formada por pessoas de classe média e classe média alta da Capital pernambucana.
A Troça é uma iniciativa de arquitetos, cineastas, jornalistas, professores universitários,
enfim, pessoas ligadas ao ativismo contrário à verticalização da cidade fortalecido
pelo Movimento “Ocupe Estelita”, que tem como principal foco, o empreendimento
“Novo Recife”, que prevê a construção de torres no Cais José Estelita, pelas
Construtoras Moura Dubeux, Queiroz Galvão, GL e ARA Empreendimentos,
com o indisfarçável apoio da gestão do prefeito Geraldo Júlio.
O suposto motivo para a apreensão do material foi revelada pelo próprio prefeito em
uma entrevista a uma rádio local, como sendo parte de uma corriqueira ação de
controle urbano. A justificativa soa estranha, já que a apreensão de materiais
para fins de Controle Urbano, embora corriqueira e possível, dispensando, inclusive,
ordem judicial, por força da chamada autoexecutoriedade do poder de polícia
das autoridades incumbidas legalmente dessa tarefa, é feita pelo Município, por
meio da SEMOC (antiga DIRCON) e não pela Polícia Militar. Os fiscais da
SEMOC têm poder de polícia para fazer esse tipo de apreensão se verificada
alguma irregularidade (falta de licença, descumprimento de condições sanitárias, etc.).
A PM somente participa da apreensão, presente a fiscalização municipal e se esta
convoca o reforço policial por entendê-lo necessário à sua incolumidade. Portanto,
é estranho que o prefeito, que já está no exercício do segundo mandato, portanto,
conhecedor dos meandros da Administração e do Controle Urbano, que é um dos
motes de sua gestão, afirme ser “normal” que a Polícia Militar tenha realizado uma
ação que caberia aos órgãos municipais fazê-lo, acaso, repita-se, presentes
as irregularidades justificadoras da ação fiscal.
Por seu turno, a mídia em geral, aí incluídos os veículos tradicionais como G1,
JC, Diário de Pernambuco, Portal Brasil 247, este de esquerda e até o
Antagonista, que é assumidamente da chamada direita, afirmam que a motivação
da apreensão foi de cunho político, porque os foliões-ativistas da Troça estariam
usando de máscaras do prefeito Geraldo Júlio e do governador Paulo Câmara e
portando alegorias de prédios num protesto contra a verticalização da cidade.
Um protesto que, a nosso sentir, não é em nada ofensivo ou escandaloso, de modo
a causar tanto ódio em governantes, a ponto de levá-los a ações extremas, como a
que se viu no dia do Galo da Madrugada.
Conforme já dissemos acima, a Troça, autodenominado "Empatando a Tua Vista"
é formada por alguns ativistas contrários ao empreendimento Novo Recife.
O empreendimento em questão não deve seguir adiante, pois a aquisição
do terreno à REFFSA (armazéns e galpões a serem demolidos) onde
deveria ser erguido, deu-se mediante um leilão fraudulento promovido pela
Caixa Econômica Federal, já alvo de inquérito da Polícia Federal (leia AQUI).
O interessante é que a própria CEF financiou a aquisição dos armazéns pelo
leilão promovido por ela (leia CAIXA ECONÔMICA FINANCIOU
e recentemente a Construtora Moura Dubeux e seus sócios foram alvo
de Delação Premiada de lobista ligado ao PMDB por pagamentos de
propina para obter facilidades em outros negócios justamente com
recursos da Caixa Econômica Federal (EXCLUSIVO: ASSISTA O
Por que mandar apreender fantasias de uma Troça contra um empreendimento
que o próprio governo e as próprias construtoras já sabem que não prosperará
por causa das fraudes cometidas pelas empresas envolvidas nesse empreendimento?
E qual o interesse da mídia tradicional em dar tanta repercussão a essa
apreensão a ponto de um colunista do Jornal do Commercio, justamente o
jornal mais crítico ao Movimento Ocupe Estelita, porque integrante do grupo
JCPM que tem negócios com algumas das empreiteiras donas do Novo Recife,
chegar ao ponto de exigir que o governador peça “desculpas” à Troça pela apreensão
de suas fantasias e ainda chegar ao cúmulo de eleger a apreensão das fantasias
como a principal polêmica do Carnaval do Recife (Leia AQUI). Por que não os
16 assaltos a ônibus ocorridos só na segunda-feira de Carnaval? Por que não
o fracasso do Galo da Madrugada com um público minguado pela violência?
Por que não o alto índice de homicídios - 47 apenas no final de semana de Carnaval?
Por que não o fato de ter sido encontrado um cadáver em plena Conde da Boa Vista?
Por que não as críticas do povo recifense ao Galo mais feio de todos os tempos?
Por que não a entrega de espaços públicos para a exploração econômica
de empresas de pessoas filiadas ao Partido do Prefeito e do Governador?
Nada disso é relevante?
O nome disso, ensina-nos o linguista e cientista político Noam Chomsky,
é "estratégia da distração". O nome disso é “administração de danos”.
É claro que o enorme barulho causado pelos ativistas contra a verticalização
e repercutido de maneira impressionantemente solidária por todos os veículos
governistas que sempre foram ácidos críticos do Movimento contra a verticalização
(até o Blog do Jamildo se mostrou indignado! Que coisa, não!?) “empatou a nossa
vista” para o que realmente estava incomodando o governo, tanto municipal,
quanto estadual, que eram as duras críticas à escalada da violência, à camarotização
do Carnaval, ao fracasso do Galo pelo medo da violência e pela decepção com
sua decoração e desrespeito com os artistas pernambucanos.
E ainda há quem se surpreenda com o fato do PSB conseguir se perpetuar no poder em Pernambuco e conseguir se reeleger, ano a ano, apesar de tantas denúncias, trelas e tretas. Não subestimem jamais a capacidade de manipulação desses senhores, eu não os subestimo. Mas algumas pessoas parecem que se superestimam.