Postado por Magno Martins às 10:00
Com edição de Ítala Alves
Repostado por Madalena França.
Por José Nêumanne*
Veterano repórter e comentarista de política, conheci razoavelmente todos os presidentes brasileiros desde a queda da ditadura militar, à exceção de dois: Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. Sacada da algibeira de Luiz Inácio Lula da Silva, ela foi eleita mercê da popularidade de quem a elegeu duas vezes, na segunda evidentemente contrariado. Sobre o outro há literatura confiável, seja nos autos do processo de que foi absolvido no Superior Tribunal Militar (STM), seja no competente relato deste por Luiz Maklouf de Carvalho no livro O Cadete e o Capitão. Mas a obra ganhou merecida notoriedade tarde demais, quando o oficial acusado de terrorismo e indisciplina já envergava a faixa presidencial.
Entrevistar o deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP) para a série Nêumanne Entrevista, apresentada no YouTube e reproduzida no Blog do Nêumanne no portal do Estadão, foi a oportunidade de entender por que o capitão conquistou a maioria do eleitorado com a perspectiva de apoio à luta contra a corrupção, sob os auspícios do ex-juiz Sergio Moro. E ainda a adesão ao livre-mercado, personificado no economista Paulo Guedes. E, depois, jogou a narrativa no lixo da História para abraçar, em plena pandemia da covid-19, velhos parceiros de baixo clero do Centrão. A aposta no entrevistado terminou sendo muito bem-sucedida.
Pois na entrevista Frota esclareceu um episódio fundamental na virada de mesa do presidente, ao demitir e tentar desmoralizar um aliado de importância capital na sua campanha: o advogado carioca Gustavo Bebianno. Bolsonaro e os filhos, que movem os cordéis do gabinete do ódio da militância nas redes sociais, divulgaram a versão de que o chefe havia sido traído pelo relevante ministro da Secretaria-Geral da Presidência, na qual foi substituído pelo general da reserva Floriano Peixoto Neto, depois trocado por outro reservista da mais alta patente, Luiz Eduardo Ramos. Este hoje é tido como a vítima da vez na dança das cadeiras, tendo o cargo cobiçado pelo Centrão, eminência parda do atual governo: cabem-lhe as relações com os chefões do Poder Legislativo.
Frota contou agora um episódio que desmente a versão bolsonarista, que poderia ser tida como fake news, assunto da comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) que o deputado ajudou a criar e a dirigir. Segundo ele, perambulando pelos corredores do prédio do Banco do Brasil onde funcionava o comando da transição do governo, deparou-se com um grupo de civis de terno e militares de farda, cada um dirigindo-se à própria sala. E, à sua frente, sobrou um engravatado: Gustavo Bebianno. “Você não vai para sua sala?”, indagou. “Não tenho sala”, respondeu. Ou seja, a nomeação do participante do comando da campanha para o Ministério do governo foi uma farsa, que durou pouco tempo. E nada teve que ver com a versão oficial usada à época, segundo a qual o presidente do PSL durante a campanha eleitoral teria autorizado repasse de verbas do Fundo Partidário para uma candidata “laranja” em Pernambuco, com o suposto apoio de Luciano Bivar, atual presidente da sigla. O então porta-voz, general Otávio Rêgo Barros, não mentiu ao atribuir a defecção ao “foro íntimo do nosso presidente”. O isolamento de Bebianno na transição explica também a brusca retirada do capitão do partido e seu afastamento de Bivar.
Na entrevista Frota contou ainda que, ao assumir uma cadeira na Câmara dos Deputados, pediu da tribuna a prisão do subtenente PM do Rio Fabrício Queiroz. Fê-lo na eclosão do escândalo da extorsão de servidores de gabinetes da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), com a abertura de inquérito pelo Ministério Público do Estado (MP-RJ) contra o então deputado estadual, após ser divulgado o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre movimentações atípicas, de R$ 1,2 milhão, em contas do assessor do atual senador. Incontinenti o próprio presidente, conforme contou o deputado, telefonou-lhe, aos berros, chamando-o de traidor. Expulso do PSL, o parlamentar mudou-se para o PSDB do hoje principal inimigo dos muitos que o capitão de Artilharia coleciona, o governador de São Paulo, João Doria.
A explosão ao telefone teria sido, segundo Frota, o primeiro indício de que o chefe do governo faria o possível, mesmo que improvável, para tirar o primogênito da enrascada. Isso explica a pressão para o ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sergio Moro demitir-se, tema do processo no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal (PF). E ainda a nomeação de Augusto Aras, fora da lista tríplice do Ministério Público Federal (MPF), para a Procuradoria-Geral da República (PGR) e as indicações de Kassio Nunes Marques para o STF e de Jorge Oliveira para o Tribunal de Contas da União (TCU).
O empenho do chefe do Executivo em obstruir o inquérito do peculato na Alerj desvelou-se recentemente, em agosto, quando se reuniu com o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, da intimidade da família e impedido de assumir a direção da PF por decisão monocrática do ministro do STF Alexandre de Moraes, que ele chamou de “canetada”. E com o chefe do Gabinete da Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno. Isso para que as advogadas de Flávio, Luciana Pires e Flávia Bierrenbach, lhes pedissem ajuda para espionar fiscais da Receita Federal que, de acordo com sua teoria conspiratória, teriam cometido crime ao fornecerem dados da contabilidade do senador ao MP-RJ para prejudicarem simultaneamente o filho e o pai.
Por tudo o que relatou, Frota arrependeu-se e pediu desculpas a quem houver votado em Jair Bolsonaro a conselho dele. Conforme disse na entrevista, porque “ele não é confiável”. Mas, sim, um “rato de porão”.
*Jornalista, poeta e escritor