Corporativismo mata
Mesmo com a ineficácia de medicamentos usados no chamado ‘tratamento precoce’ contra a Covid-19, o Conselho Federal de Medicina não vai rever o aval dado aos médicos para a utilização dos fármacos.
O parecer de abril do ano passado dá autonomia aos médicos brasileiros para prescreverem os remédios. Os ‘kits covids incluem cloroquina, azitromicina e ivermectina.
O uso desse tipo de tratamento foi desaconselhado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Para variar, o corporativismo do CRM e dos conselhos estaduais só pioram o cenário de uma pandemia descontrolada e ajudam a matar.
Essa semana, cinco pacientes morreram, incluindo um bebê prematuro, depois que a médica Michelle Chechter ministrar nebulização de cloroquina na maternidade Instituto da Mulher Dona Lindu, de Manaus. E não vai acontecer nada com a profissional, muito menos com os outros que pregam ou usam o tratamento. No máximo perder um dos vínculos, nada que atrapalhe seu padrão de vida. Vivêssemos em um país que tratasse a questão com seriedade, já teriam perdido seus registros e estariam impedidos de clinicar. Em casos tão graves, deveriam responder criminalmente.
Lá no ano passado, o periódico científico The Lancet publicou divulgou estudo que acompanhou 100 mil pacientes em todo o mundo e que apontou não apenas a ineficácia da cloroquina para combater a Covid-19, mas também o risco de ataque cardíaco nos pacientes, com aumento da mortalidade. A Organização Mundial de Saúde decidiu suspender os testes com o remédio e não mais o recomenda.
Mas no Brasil a guerra política e ideológica nos coloca até entre os que defendem (que seriam de direita) e o questionam (esquerda). Salvar vidas não deveria ter rótulo ideológico. Mas Bolsonaro já disse que “quem é de direita usa cloroquina e quem é de esquerda, tubaína”. Viramos chacota na boca do primeiro-ministro francês, Jean Castex, ao anunciar que o governo iria suspender os voos entre os dois países pelo uso do medicamento. É só mais um componente que nos coloca na liderança do número de mortes no mundo atualmente.
E o barco da ignorância segue matando. Enquanto os bons médicos, aparentemente a maioria, estão no limite da exaustão salvando vidas, o protecionismo dos conselhos deixam os menos preparados e afetados pela ideologia recorrendo a tratamentos não recomendados pela ciência como no caso de Manaus. E vão usar o lava mãos do CFM para continuar assim.
Certa vez, um médico do Sertão foi acusado de reiteradas vezes prescrever medicamentos para seus pacientes com uma grafia tão ruim que a Rádio Pajeú resolveu denunciá-lo ao CRM. Tudo provado, documentado, atestado. Pacientes atendidos por ele chegaram a tomar a medicação errada porque o farmacêutico confundiu, tão ruim era a letra. O Conselho criou caminhos para, ao contrário do que a ética indicava, não puní-lo.
Primeiro, afirmando que a denúncia não deveria partir do veículo de comunicação e sim de pessoa física. Pois o jornalista que escreve esta Coluna fez pessoalmente a denúncia, com áudios de pessoas lesadas, prints e registros das receitas. Depois de dois anos, saiu a resposta. O CRM não determinou, apenas recomendou a melhoria da grafia. E arquivou a denúncia.
Por fim, aos médicos que buscam salvar vidas alinhados à ciência, nosso muito obrigado. Assim como tudo hoje em questão, a história saberá reconhecer e julgar.(da Coluna do Nill Junior)
Postado por Madalena França.