Foto: Igo Estrela/Metrópoles
A previsão em Nota Técnica do Ministério da Saúde de que a vacinação contra Covid-19 para crianças não é obrigatória, e as constantes reiterações políticas de que somente os pais “que quiserem” vão imunizar seus filhos têm provocado sérias discussões no meio jurídico. Prenuncia-se uma intensa batalha de interpretações da legislação, mas advogados, promotores, procuradores de Justiça e juízes das varas da Criança e da Juventude de todo o país têm sustentado que há um conjunto consistente de normas no país que estabelecem o contrário do que diz o órgão de saúde brasileiro – e autoridades como o próprio ministro Marcelo Queiroga e o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL).
Em publicações e em entrevistas ao Metrópoles, profissionais da área jurídica afirmam que a imunização para os pequenos é, sim, obrigatória e que há previsão de sanções aos responsáveis, as quais vão desde multa até, em casos extremos, a perda da guarda dos filhos.
Esses especialistas se baseiam no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído por meio da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, além de entendimento já consolidado do Supremo Tribunal Federal (STF).
O texto ressalta que são obrigatórias todas as vacinas “recomendadas pelas autoridades sanitárias”. Esse é o caso do imunizante da Pfizer, indicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que é a autoridade sanitária a que se refere o art. 14, § 1º, do ECA.
“É obrigatório vacinar crianças. Há uma discussão sobre o caráter experimental dessas vacinas por grupos específicos, que não se consolidam. A vacina não é experimental, foi aplicada em milhões de pessoas”, afirmou ao Metrópoles o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, do Ministério Público paulista (MPSP).
O chefe do MPSP ressalta que há a previsão no ECA e lembra entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca de vacinas, em ação na qual atuou.
“O STF, em um caso aqui de SP, já determinou que a vacinação dos filhos pelos pais é obrigatória; discutimos isso em dezembro de 2020. Vale para todas as vacinas, inclusive a da Covid”, frisou.
Mário Luiz Sarrubbo ainda destaca a importância de a sociedade fiscalizar a questão de saúde pública coletiva, que pode salvar a vida de milhões de pessoas, tendo em vista que as crianças podem ser vetor de transmissão da Covid.
“As pessoas e as escolas podem denunciar ao Conselho Tutelar e ao Ministério Público possível negligência dos pais. Normas estabelecidas no ECA preveem punição dos pais, que incluem advertência, multa e, em casos mais extremos, perda do poder familiar”, ressaltou.
Nas redes sociais, o juiz Iberê de Castro Dias, titular da Vara de Infância e Juventude de Guarulhos (SP), virou uma espécie de catalisador das discussões sobre a obrigatoriedade da vacina contra Covid para a faixa etária de 5 a 11 anos. Ele tem usado o Instagram e o Twitter para falar sobre as legislações e a importância da imunização de crianças.
A Anvisa aprovou, em 16 de dezembro, a aplicação da vacina da Pfizer em crianças. Segundo a equipe técnica da agência, as informações avaliadas indicam que o imunizante é seguro e eficaz para o público infantil.
Esse grupo foi o último a entrar no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO), mas não foi incluído no Plano Nacional de Imunização (PNI). A não inclusão no PNI é o argumento mais usado pelos que consideram inaceitável a obrigatoriedade da vacinação infantil contra a Covid.
Em seus perfis na internet, o juiz Iberê Dias afirmou que não há necessidade de inclusão no PNI para que a vacina para essa faixa etária seja obrigatória.
O magistrado lembrou que, por unanimidade, o STF entendeu, em 2020, os pais não podem, por “convicção filosófica”, deixar de imunizar os filhos.
A ação que ele cita é a mesma mencionada pelo procurador-geral do MPSP ao Metrópoles. A decisão da Suprema Corte deu-se após ação movida por pais veganos que não queriam vacinar o filho.
“O STF já afirmou que obrigatoriedade da vacina não depende de inclusão no PNI. Há outras hipóteses que igualmente tornam obrigatória a vacinação de crianças”, escreveu.
Veja tuíte:
STF já afirmou que obrigatoriedade da vacina NÃO depende de inclusão no PNI. Há outras hipóteses que igualmente tornam obrigatória a vacinação de crianças. https://t.co/LTbCjUmUbJ pic.twitter.com/kREY9rjlXH
— Ibere Dias (@Iberedias) January 12, 2022
Após fazer a declaração, o juiz começou a ser atacado nas redes sociais. Por isso, recebeu apoio de diversas entidades, como a Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e Juventude (Abraminj).
A associação prestou solidariedade e reconhecimento ao juiz. “O dr. Iberê não fez mais do que externar o entendimento amplamente majoritário dos magistrados que atuam nessa área de conhecimento”, disse, em nota.
Ainda no documento, a Abraminj tira dúvidas sobre a vacinação.
“O artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/1.990, em seu § 1º, dispõe, expressamente, ser obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. Sendo obrigatória essa vacinação contra a Covid, quem pode recomendá-la?
A Anvisa, que o fez em 16 de dezembro de 2021, através do Comunicado Público nº 1 .
Outra pergunta que tem sido feita é: se o Ministério da Saúde não incluiu, no Plano Nacional de Imunização (PNI), a vacinação das crianças contra a Covid, ela continua sendo obrigatória?
A resposta é sim, pois a Anvisa pode fazer essa recomendação. O que não obriga os pais ou responsáveis a vacinarem crianças nessa faixa etária é falta de disponibilização de vacinas por parte do poder público. Havendo possibilidade, a imunização é obrigatória, salvo se houver restrição à saúde comprovada.”
Ao Metrópoles o presidente do Fórum Nacional da Justiça Protetiva, juiz Hugo Gomes Zaher, afirmou que o entendimento da obrigatoriedade está fixado no ECA. A punição para quem não cumprir, também.
“O Enunciado 26 possui o seguinte texto: ‘Os pais ou responsáveis legais das crianças e dos adolescentes que não imunizarem seus filhos, por meio de vacina, nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias, inclusive contra Covid-19, podem responder pela infração administrativa do art. 249 do ECA (multa de 3 a 20 salários mínimos e/ou estarem sujeitos à aplicação de uma ou mais medidas previstas no artigo 129 do ECA)”, disse ao Metrópoles.
Na Nota Técnica nº 2 do Ministério da Saúde, publicada em 5 de janeiro de 2022, após consulta pública sobre a vacina, é dito que “a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 (Secovid) recomenda a inclusão da vacina Comirnaty [da Pfizer], de forma não obrigatória, para esta faixa etária, naqueles que não possuam contraindicações, no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO)”.
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Em entrevistas, gravações e lives, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), têm reiterado que a vacina não é obrigatória e que os pais podem escolher.
“[Para] todos os pais e mães que quiserem vacinar seus filhos, terá vacina. A partir de 10 de janeiro começam a chegar doses. Temos doses suficientes”, disse Queiroga em entrevista na sede do Ministério da Saúde logo após aprovação da vacina.
No dia 12 de janeiro, Bolsonaro questionou, mais uma vez, a eficácia da vacinação de crianças de 5 a 11 anos contra a Covid. Ainda disse que a administração do fármaco nesse público é uma “incógnita”, e cobrou a agência sobre um “antídoto” para possíveis efeitos colaterais.
O presidente também entrou em embate com a Anvisa, ao questionar o que estaria por trás do interesse da agência de aprovar a vacina contra Covid para crianças: “O que está por trás disso? Qual o interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual o interesse daquelas pessoas taradas por vacina? É pela sua vida, pela sua saúde?”.
O Brasil contabiliza 324 mortes de crianças entre 5 e 11 anos em decorrência do coronavírus, desde o início da pandemia, segundo dados coletados entre março de 2020 e a primeira semana deste ano, em cartórios de Registro Civil. Mais óbitos aconteceram desde então, mas ainda não estão incluídos no cálculo total apresentado.
Apesar da polêmica, a vacinação começou em diversas capitais brasileiras em 15 de janeiro, um dia depois de São Paulo imunizar a primeira criança contra Covid.
Indígena de 8 anos é a 1ª criança a ser vacinada contra Covid no país
A decisão de repercussão geral do STF é tratada no Tema nº 1103, provocado a partir da ARE nº 1267879. A partir da decisão, foi fixada a seguinte tese: “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, estado, Distrito Federal ou município, com base em consenso médico-científico”.
É justamente aí que reside a polêmica, que muito provavelmente acabará parando no STF novamente, para esclarecimento. A tese usa a inclusão no Programa Nacional de Imunizações (PNI) como requisito para a obrigatoriedade. Como o governo federal só incluiu as vacinas infantis no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO), os contrários à imunização obrigatória julgam que não há como exigir cobrança da vacina.
Os favoráveis, contudo, agarram-se ao ECA, que não faz distinção entre PNI ou PNO e apenas diz ser compulsória a vacinação com fármacos recomendados “pelas autoridades sanitárias” – no caso, a Anvisa, que fez essa recomendação após aprovar o imunizante da Pfizer.
Nesta quarta-feira (19/1), o ministro Ricardo Lewandowski, do (STF), oficiou os chefes dos ministérios públicos estaduais para que “empreendam as medidas necessárias” a fim de garantir que os pais estão tendo o devido cuidado com a saúde das crianças de 5 a 11 anos de idade em relação à vacinação contra a Covid-19.
“Oficie-se, com urgência, aos Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal para que, nos termos do art. 129, II, da Constituição Federal, e do art. 201, VIII e X, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), empreendam as medidas necessárias para o cumprimento do disposto nos referidos preceitos normativos quanto à vacinação de menores contra a Covid-19”, diz.
O pedido original, formulado pela Rede Sustentabilidade, era para que os conselhos tutelares exercessem essa atribuição. Porém, Lewandowski decidiu, sem prejuízo das atribuições destes conselhos, inserir os MPs na tarefa de preservar a saúde das crianças.
O artigo 201 citado pelo ministro na decisão diz que é função do MP zelar pelo efetivo respeito a direitos e garantias legais assegurados a crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis; impetrar mandado de segurança, de injunção e habeas corpus, em qualquer juízo, instância ou tribunal, na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis afetos à criança e ao adolescente; além de representar ao juízo visando à aplicação de penalidade por infrações cometidas contra as normas de proteção à infância e à juventude, sem prejuízo da promoção da responsabilidade civil e penal do infrator, quando cabível.
Durante a noite, o presidente Jair Bolsonaro (PL), em entrevista à Jovem Pan, afirmou ter conversado com o ministro Lewandowski. Segundo ele, o magistrado afirmou que a imunização não é obrigatória.
“Quando começaram as notícias de que a vacinas seriam obrigatórias e iam multar os pais, eu entrei em contato, liguei pessoalmente ao ministro Ricardo Lewandowski, e fui buscar o esclarecimento sobre isso daí. Ele esclareceu que a vacina, conforme despacho dele mesmo, de 25 de dezembro, se não me engano, é não obrigatória para crianças e agora confirma que foi uma resposta a uma ação da Rede Sustentabilidade, partido político, dizendo que nenhum prefeito e governador pode aplicar qualquer multa ou sanções em pais que porventura não queiram vacinar seus filhos entre 5 e 11 anos de idade”, disse o presidente em entrevista.
A ação da Rede Sustentabilidade, no entanto, é focada na obrigatoriedade da vacinação infantil. A decisão do ministro que trata a imunização como facultativa não foi encontrada pela reportagem. Questionado, o STF afirmou não comentar declarações do presidente da República.
Do Blog da Cidadania
Postado por Madalena França