Mestre Janio de Freitas, acostumado a ver nascerem e morrerem escândalos na política na sua longa carreira no jornalismo adverte: se não acontecerem “os dirigismos e limitações próprios dos grandes inquéritos brasileiros”, o caso Queiroz-Bolsonaro está fadado a produzir evidências mais chocantes do que as que se têm hoje.
Vale a pena a leitura, que aborda algo que tem passado em branco na cobertura da mídia: a dificuldade quase intransponível de ultrapassar o muro das cumplicidades policiais e investigar-se, com seriedade, os envolvimentos da polícia com as – estas, sim – organizações criminosas que controlam a vida nas periferias urbanas e aqui no Rio, faz muito tempo.
E que sempre dependeram dos políticos e da mídia para se legitimarem, porque discursos como o da Flávio e Jair Bolsonaro, justificando-as em nome da “segurança” pública não só eram pronunciados como louvados.
Acontece, porém, que a caminhada daquilo que, no início, dependia apenas de uma “história plausível” para ser encerrado sob o silêncio da cumplicidade política, até chegar a um história implausível de que “não tenho nada com isso”, mesmo com homenagens, medalhas, família empregada e tudo o que se vê pode se desfazer na sórdida verdade da frase dita,
segundo a coluna de Ancelmo Góis, por um dos milicianos presos: ” Rapaz, deixa disso, não vai acontecer nada. ”
Janio de Freitas, na Folha
Impossível não é, mas também não é convincente que Flávio e Jair Bolsonaro pontuassem seus percursos políticos com defesas, elogios e apoios práticos às milícias apenas por ideias degenerativas. Sem sequer conhecer a ligação do seu influente amigo e assessor Fabrício Queiroz com a poderosa milícia de Rio das Pedras.
O que emerge, quase só por acaso, da simplória denúncia de que um PM movimentou pouco mais de um milhão em um ano, tem potencial de chegar a desfechos dramáticos em várias frentes.
Tudo depende da disposição de investigar e, a fazê-lo, que não haja os dirigismos e limitações próprios dos grandes inquéritos brasileiros.
A operação de há dois dias em Rio das Pedras, aliás, foi um feito sem precedente que a intervenção militar no Rio construiu, mas não pôde concluir.
Sua continuidade, pedida pelo novo governador, foi negada pelo governo Bolsonaro. Se por desejo do Exército ou por motivos que fatos atuais e futuros sugiram são hipóteses disponíveis para os exercícios interpretativos. Apesar de hipóteses, valem mais do que as explicações dadas.
Os generais Braga e Richard, no pouco que saíram do silêncio, deram pistas da prioridade à apreensão de armas (sem êxito) e às milícias. O que combinava com as principais suspeitas sobre a morte de Marielle e do motorista Anderson.
Mas uma operação contra a milícia da Rio das Pedras precisava de mais do que as informações necessárias: exigiu uma composição humana especial, pelos riscos implícitos e até para evitar o vazamento ameaçador.
O problema para a operação era conhecido e vinha de muito longe. O comando da milícia por um major da ativa na PM, agora preso, e de um major expulso da PM, agora foragido, ambos tidos como muito perigosos e competentes, bloqueava as polícias.
Era mais do que suficiente ao corporativismo de uns e ao medo de outros, quando não ao comprometimento, para evitar ações policiais contra os milicianos e suas atividades a partir de Rio das Pedras.
O numeroso transporte em vans, controlado por aquela milícia, proporciona às investigações uma informação útil ao levantamento dos elos: os Queiroz têm permissão do comando miliciano para explorar esse serviço, e o fazem.
Se pagam a quota convencionada, é incerto, consideradas as retribuições às honrarias da Assembleia Legislativas patrocinadas por Flávio Bolsonaro para os dois majores.
Presença anotada no gabinete de Bolsonaro na Câmara, para uma filha de Queiroz que exercia sua profissão no Rio. Contradições nos dados de compras e vendas de imóveis por Flávio. Discordâncias entre fatos e as explicações por ele dadas. Os discursos em Brasília e no Rio pró-milícias. Condecoração a milicianos. A intermediação do amigo e “motorista” Queiroz com oficiais PM problemáticos. Empregos para filha e mulher de chefe miliciano, emprego fantasma para outra. As sucessivas derrubadas das explicações defensivas —enfim, nada disso é desconectado.
E o todo não é uma ilha isolada de outras realidades. Não pode ser. Não é crível que seja
Madalena França Via Tijolaço