A imigração deve ser evitada. Famílias são apenas aquelas entre homem e mulher. As agências da ONU são “inimigas” das crianças e o encolhimento do Ocidente é uma ameaça maior que mudanças climáticas. O feminismo? Uma ameaça ao casamento tradicional.
Foi em um evento marcado por esses discursos que o Brasil de Jair Bolsonaro participou como um dos convidados especiais.
Realizada no começo do mês em Budapeste, a Cúpula da Demografia reuniu lideres de diferentes países, religiosos e entidades. O pano de fundo era o alerta lançado sobre o risco de encolhimento de certas populações no Ocidente e a constatação de que não estão dispostos a “substituir” seu perfil branco e cristão por uma sociedade mais diversa, com imigrantes.
A resposta, segundo eles, é incentivar que famílias voltem a ter um número maior de filhos. E, para isso, a família “tradicional” e as “vontades de Deus” precisam ser respeitadas.
O Brasil foi representado pela ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves. Em seu discurso, ela anunciou que o Brasil “voltou a ser um país da família” e que convocava líderes internacionais a formar uma aliança na ONU por esses valores. A ministra esteve acompanhada por representantes do Departamento de Direitos Humanos do Itamaraty.
Mas o evento iria muito além do debate sobre demografia. O UOL assistiu a mais de 30 intervenções realizadas durante o encontro, marcado por imagens da família constituída exclusivamente por um homem, uma mulher e filhos. Os “novos amigos” do Brasil denunciaram pensadores de esquerda e liberais e deixaram claro que querem implementar um plano para resgatar “valores tradicionais” no mundo.
O “fantasma” muçulmano
Ao longo de dois dias, palestrantes se alternaram em apresentar ideias sobre como fazer para que a agenda conservadora possa ser recuperada no cenário doméstico e mundial.
Para Miklos Szantho, presidente do Central European Press and Media Foundation, parte da resposta terá de vir dos meios de comunicação, incentivados a “fortalecer a imagem da família”.
“Temos de mostrar famílias com base em valores naturais, a relação entre homem e mulher. Queremos apresentar a família como ela é, naturalmente”, declarou, numa alusão a evitar mostrar casais homossexuais.
Não podemos ter medo se nos dizem que somos politicamente incorretos. O homem devem ser homem, e mulher deve ser mulher”
Maria Regina Maroncelli, presidente da Confederação Europeia de Famílias Numerosas, acredita que a solução para a questão demográfica passa por dar incentivos a famílias com mais de três ou quatro filhos.
Raul Sanchez, o secretário-geral da Confederação Europeia de Famílias Numerosas, acredita que, “depois da revolução feminista e da revolução ecologista, agora precisamos de uma revolução da família”.
Phillip Blond, filósofo e teólogo anglicano, definiu o atual momento internacional como sendo um de uma “guerra de valores”. Sua avaliação é de que o “modelo ocidental atomizado” foi o responsável pela queda da taxa de natalidade e deu, como exemplo, o fortalecimento da juventude conservadora russa como sinal de que esse seria o caminho.
Mas ele também faz outra sugestão: voltar a valorizar o romantismo nas culturas ocidentais.
Outro palestrante optou por uma análise diferente e questionou a tese de que é a mulher que define quantos filhos uma família vai ter.
Imre Bedo, presidente do Clube dos Homens da Hungria, acredita que se o marido é uma pessoa “estável”, então a esposa terá a segurança financeira e emocional que precisa para ter um segundo ou terceiro filho. Sua sugestão: fortalecer o papel do homem.
Cristianismo x “globalismo”
O anfitrião ultraconservador, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, sugeriu maior aproximação de Deus e a promoção de famílias mais numerosas. E insistiu:
O cristianismo terá de ser mais forte na Europa”
Para ele, se a Europa não for ocupada por mais europeus no futuro, haverá então uma “troca de populações”. “Os europeus serão substituídos por outros”, declarou o líder anti-imigração. Orbán ainda denunciou a existência de forças políticas na Europa que querem “promover a substituição de população por motivos ideológicos”.
Sua resposta, porém, é promover as famílias europeias, sempre em seu modelo tradicional. “Toda criança tem o direito de ter um pai e uma mãe”, declarou o húngaro, apontando para a necessidade de se mudar a Constituição para “proteger as famílias” e impedir que cortes judiciais tomem decisões “antifamília”.
Ele e vários outros repetiriam o mesmo mantra no evento: sem famílias não há uma nação nem identidade.
O evento ainda deixou claro que parte dos problemas demográficos vem supostamente do “globalismo”. Jaime Mayor Oreja, ex-ministro do Interior da Espanha, fez um feroz ataque contra o “relativismo moral e ‘globalismo'” que estariam gerando “desordem”. Citando religiosos, ele apontou como o Ocidente estaria ameaçado de desaparecer da mesma forma que Roma foi invadida por bárbaros.
O espanhol reivindicou uma “resistência moral contra a imigração” e alertou para a tentativa de destruição de “princípios cristãos”. “Há uma crise da civilização europeia e da verdade”, disse.
“Precisamos resistir contra aqueles que querem mudar a natureza humana. Esse projeto é de longo prazo. Mas temos que começar já”
Para ele, não há espaço para “novos direitos”, e progressistas tentam impor uma “visão totalitária”.
O presidente do Parlamento da Hungria, Lazslo Kover, também denunciou o “totalitarismo” das ideias e insistiu que apenas famílias tradicionais e com filhos podem garantir a democracia.
O político apelou por “um retorno à normalidade, com o retorno dos valores tradicionais”. Esses valores, segundo ele, estariam sendo atacados por ONGs, “acadêmicos corruptos”, entidades internacionais e a imprensa, que “serve a cultura da morte”.
Kover optou por denunciar as leis que permitem o aborto como parte da causa do encolhimento de algumas populações no Ocidente. “Temos que decidir se vamos apoiar a morte ou a vida”, insistiu. E, claro, não deixou de fustigar: “o ‘globalismo’ é a nova ideologia dos ricos roubando os pobres”.
ONU seria “inimiga das crianças”
O encontro em Budapeste também serviu como palanque para fortes ataques contra a ONU e a suposta infiltração de uma agenda antifamília.
Valerie Huber, conselheira de Departamento de Saúde dos EUA, criticou abertamente resoluções aprovadas pela ONU por citarem direitos sexuais e educação sexual. Segundo a representante do governo Trump, a entidade vem adotando uma postura de redução do papel das famílias e ignora a soberania dos países.
Para ela, a educação sexual deve ser “papel das famílias”, e não de governos. Além disso, são as sociedades, e não a ONU, que devem dizer o que é educação sexual.
Emilie Kao, da Heritage Foundation, também focou seus ataques contra a ONU, alertando que a entidade tenta impor sobre governos leis que reconhecem o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A especialista apelou para que chanceleres se unam para “defender casamentos tradicionais”. “Isso não é homofobia”, alegou.
Emilie considerou que o casamento tradicional está “sob ataque” e que uma “ideologia está impregnando a cultura, a política e a lei”.
Em sua análise, não faltaram as críticas contra a revolução sexual, que teria “enfraquecido o casamento”.
O feminismo levou mulheres a temer o casamento”Emilie Kao, da Heritage Foundation, insinuando que deveres domésticos não deveriam ser considerados como um peso.
Sharon Slater, representante da Family Watch International, foi além e alertou que “há um ataque diário contra nossas crianças na ONU”.
Citando a influência de uma ONG, a IPPF, ela insistiu que há um esforço para se normalizar o sexo para crianças. “A visão deles é de que cada um pode fazer suas escolhas”, afirmou Sharon, alegando que a educação sexual estaria sendo usada pela ONU para legitimar o aborto.
Mostrando imagens de textos de documentos internacionais, ela apontou como a OMS estaria incentivando crianças de quatro anos a se tocar e falando abertamente sobre orgasmo para elas. Não faltaram denúncias contra a Unicef, criticada por supostamente abrir o caminho para a liberdade de escolha sobre “quando começar o sexo e com quem”.
Brasil quer liderar bloco “pró-família”
Terminado o evento, os participantes deixaram claro que as ideias ali tratadas não ficariam apenas nos registros da conferência. Os governos do Leste Europeu indicaram que vão coordenar posições internacionais para promover essa agenda.
A própria Damares Alves anunciou que o Brasil estava disposto a liderar um bloco “pró-família” na ONU, enquanto o governo americano já planejava ações concretas na Assembleia Geral das Nações Unidas, que começa na terça-feira.
A cúpula foi concluída com um recado de Bence Rétvári, membro do gabinete de Orbán, contra “liberais e esquerdistas”.
Eles querem desmantelar identidades e destruir famílias. Estão fazendo experimentos com humanos”
A reunião foi finalmente encerrada com a entrega de prêmios a indivíduos que tenham contribuído para os debates sobre o futuro da família. Os organizadores não apenas citavam os feitos dos vencedores chamados ao palco. Mas também quantas crianças cada um teve em suas vidas.
De UOL
Madalena França Via Blog da Cidadania