“Semana que vem irei para a Índia, no encontro do G20. Um encontro importante para o Brasil. Eu vou lá para discutir uma coisa que me incomoda: a desigualdade. Desigualdade de gênero, racial, no acesso à saúde e à educação. É preciso que esse mundo seja mais justo”, adiantou o presidente na sexta-feira (1º).
O protagonismo em vários foros internacionais – vale lembrar que o Brasil também ocupa a presidência do Mercosul, bloco com Argentina, Paraguai e Uruguai; sediou a Cúpula da Amazônia e é peça-chave em ações regionais na América do Sul – contribuirá com o avanço em pautas propostas pelo atual governo.
As agendas, contudo, esbarram nos desafios impostos por orientações políticas e engajamento de lideranças de outros países, que atuam conforme as próprias prioridades.
O Grupo dos Vinte (G20), bloco do qual o Brasil estará à frente entre 1º de dezembro de 2023 e 30 de novembro de 2024, é o principal fórum de cooperação econômica internacional.
O foro reúne 19 países e a União Europeia (UE), tendo entre os membros nações consideradas como desenvolvidas e o novo Sul Global (antigos países em desenvolvimento).
São eles: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia.
Para se ter dimensão do peso do bloco no contexto internacional, os países que integram o G20 respondem por quase 80% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e 70% da população global, concentrando aproximadamente 75% do comércio internacional.
Demandas de valor socioeconômico no G20
Os três principais temas na agenda brasileira convergem para o fim da desigualdade – não apenas financeira e de acessos, mas também sobre a responsabilização pelas mudanças climáticas, e por mais equidade nos debates internacionais entre países.
“São demandas distintas. O ‘fim da fome’ e a proteção da Amazônia, por exemplo, são apresentados em termos absolutos por recurso retórico. Ao cabo, são processos: nunca estarão concluídos. Progressivamente, é possível reduzir a fome e as desigualdades, bem como ampliar a proteção ambiental. E é isso o que importa”, avalia o internacionalista Antonio Jorge Ramalho da Rocha.
O professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) pondera, entretanto, ao citar retrocessos durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que “a orientação política e o engajamento das lideranças importam, para o bem e para o mal, como aprendemos”.
Exemplo disso também é a reforma do Conselho de Segurança da ONU, demanda defendida pelo presidente Lula, com ainda mais afinco, neste terceiro mandato. Segundo Rocha, trata-se de um processo “discreto, absoluto, que depende da vontade dos Estados que o constituem”.
“Não se vê, no horizonte, consenso dos países que detêm o poder de veto no sentido de realizar essa reforma. Interessa-lhes preservar a organização como está, mesmo anacrônica e carente de representatividade.”
Nova governança global
A proposta de mudança no espaço de caráter decisório da ONU, o Conselho de Segurança, que difere de outros braços da agência voltados para “recomendações”, dialoga com o conceito de nova governança global, reiterado em diversas ocasiões por Lula, como parte da retórica diplomática brasileira.
O conceito representa a busca por organismos multilaterais mais equilibrados e inclusivos, em especial pela integração do chamado Sul Global. Ou seja, uma reforma do contexto global marcado pela hegemonia dos Estados Unidos e da Europa Ocidental.
O Brasil é membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU desde 1º/1/2022. Para encerrar conflitos ou auxiliar na recuperação pós-catástrofes, a instância pode ordenar operações militares internacionais, aplicar sanções e criar missões de paz. O Brasil já foi responsável por uma dessas missões, no Haiti, iniciada em 2004.
O órgão é atualmente composto por 15 membros com direito a voto. Cinco permanentes têm direito a veto. São eles: Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido. Os demais 10 assentos são distribuídos de acordo com a região.
Na prática, o órgão centraliza debates em nações europeias, e o poder de veto impede o avanço de discussões em que há divergência. Por exemplo, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, em que a UE demanda ações mais enérgicas e a Rússia veta, impede que os debates avancem. Outro ponto é que os discursos não englobam outros pontos de vista (de países da América Latina e da África, por exemplo).
Além disso, a liderança brasileira no G20 se ampara na expansão do Brics – anteriormente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –, que ampliará o peso do Sul Global na agenda diplomática ao incluir seis novos membros: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Argentina, Egito, Irã e Etiópia.