01/06/2017 - 18
Explosão do tráfico de drogas no Jardim Herculano fez do bairro o líder em homicídios de São Paulo, desbancando até o violento Capão Redondo
Por: Fernando Granato
fernando.granato@diariosp.com.br
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Foto: Nelson Coelho/Diario SP
A jovem Bruna Santana tem apenas 20 anos e já perdeu 10 amigos assassinados. Sua preocupação, agora, é com o filho Samuel, de apenas 1, que vai crescer num lugar marcado por histórias de violência.
"A gente tem medo de sair na rua, medo até da sombra", confidenciou ela. "Não sei como vai ser na hora em que meu filho começar a querer sair para a rua. Vou ficar louca."
Bruna vive no Jardim Herculano, extremo Sul da capital paulista, local que neste ano desbancou o vizinho Capão Redondo, até o ano passado líder nas estatísticas de homicídio da cidade.
De acordo com os dados da SSP (Secretaria de Segurança Pública), nos primeiros quatro meses de 2017 foram contabilizados 12 assassinatos no 100º DP (Jardim Herculano), contra oito no 47º DP (Capão Redondo).
Para o delegado titular do 100º DP, Rodrigo Fiacadori, uma das explicações é o crescimento do tráfico de drogas no lugar. "A maioria dos homicídios aqui ocorre por acerto de contas do tráfico", afirmou. "Estou há apenas 12 dias neste distrito e já fizemos neste período quatro flagrantes por tráfico."
De fato, as estatísticas da SSP mostram que ocorrências de tráfico de drogas aumentaram 38% nessa região nos últimos três anos. Para se ter ideia do quadro desolador, nos primeiros quatro meses de 2015 foram 31 registros, já no mesmo período de 2017 aconteceram 43 ocorrências do tipo.
Alex da Silva, agente comunitário de saúde do bairro, aposta na falta de alternativas de lazer e cultura para os jovens como principal causa para o avanço do tráfico na região do Jardim Herculano.
"O jovem daqui não tem o que fazer, por isso fica na rua, vulnerável à ação do tráfico", afirmou Alex. "Tenho visto muitos lares destruídos por isso, nas visitas que fazemos pelo programa Saúde da Família." Otacílio Ribeiro, do conselho gestor da UBS (Unidade Básica de Saúde) do bairro, conta que no passado havia muita guerra entre facções criminosas. "Isso acabou, mas chegou a droga", disse.
Maior parte dos enterrados em cemitério foi vítima de violência
Próximo ao Jardim Herculano, no vizinho Jardim São Luiz, ambos na Zona Sul, fica o cemitério que recebe as vítimas de violência de toda aquela região.
Inaugurado em 1981, o Cemitério São Luiz é o mais novo da cidade, mas já tem mais de 220 mil pessoas sepultadas, 80% delas por morte violenta e dois terços com idade entre 13 e 25 anos.
Em seus 326 mil metros quadrados, cerca de 20 enterros são feitos todos os dias, a maioria em covas abertas na terra, sem túmulos. Existem também as gavetas, menos usadas por serem mais caras.
A necrópole tem uma área para indigentes, que eram enterrados nus e em caixões de compensado, os quais não eram lacrados. De uns anos para cá, entretanto, esse tipo de sepultamento deixou de ser feito ali.
Dessa época, em que o cemitério recebia também mortos de outras regiões da cidade, há uma ala com 92 covas de vítimas do massacre do Carandiru, em 1992. Dos 111 presos assassinados naquela rebelião, 19 acabaram sepultados em outros lugares.
Foi também nos anos 1990 que o Cemitério São Luiz teve o maior número de enterros de vítimas de violência. Um coveiro, que não quis ter seu nome divulgado, contou que naquela década havia pelo menos um sepultamento por dia de vítima de arma de fogo.
"A guerra entre facções criminosas era tão forte que chegaram a matar gente dentro do cemitério, durante velórios", contou o coveiro. "Perto daqueles tempos vivemos hoje no paraíso, no lugar mais tranquilo da terra. Isso aqui virou o céu. É difícil, mas tem dia que não faço nenhum sepultamento."
'A tentação da droga é muito forte por aqui'
Fui criado no bairro de Moema, na Zona Sul, onde meu pai era zelador de um prédio de bacanas. Acontece que quando eu tinha 15 anos ele perdeu o emprego e veio morar no Jardim Herculano, onde conseguiu comprar uma casinha. Aqui acabei me envolvendo com gente que não devia. Acabei trabalhando como aviãozinho do tráfico e fui subindo. A tentação é muito forte. A gente cresce ouvindo rojão quando chega a droga na biqueira. É difícil ter vida decente neste lugar. Terminei gerente. Vi muita gente morrer. Um amigo morreu do meu lado com um tiro na cabeça. Quando tive meu primeiro filho resolvi deixar aquela vida. Não foi fácil. No começo foram atrás de mim. A pressão foi grande. Mas, com o tempo, viram que eu ficava na minha. Não denunciei ninguém. Hoje estou na batalha. Vendo pipoca para tirar o sustento da família. Não quero mais saber do crime. Mas não é fácil. Tudo leva a gente para o outro lado.
Região tem a maior fila de creche da cidade
N.S. tem apenas 17 anos e dois filhos: um de 3 anos e o menor, de 1. Para conseguir uma vaga numa creche municipal, para o primeiro, ela precisou recorrer à Defensoria Pública de São Paulo, e ele passou a frequentar a instituição neste ano. Já o segundo, aguarda há 12 meses, sem sucesso.
"Enquanto isso não posso trabalhar nem estudar", queixou-se ela. "Esse é o maior problema deste bairro."
N.S. mora no Jardim Herculano, bairro do distrito do Jardim Ângela, na Zona Sul de São Paulo, local com a maior fila por uma vaga em creche da cidade. Segundo dados da própria SME (Secretaria Municipal de Educação), em março deste ano a fila era de 5,6 mil crianças.
Falta de instituições do tipo, entretanto, não é o único problema do Jardim Herculano. De acordo com o Observatório Cidadão, da Rede Nossa São Paulo, o lugar não tem centros culturais, casas ou espaços de cultura.
Na área da habitação, tem 19,4% do seu território ocupado por favelas. E, na saúde, 0,7 leito hospitalar para cada grupo de mil habitantes. Para efeito de comparação, na região central são 15,8 leitos para o mesmo grupo de pessoas.
Na área de esportes, o bairro conta com 0,2 equipamento público para cada grupo de 10 mil moradores, enquanto na Barra Funda, na Zona Oeste, por exemplo, são dois para a mesma quantidade de habitantes.
A região tem ainda a sexta pior oferta de empregos da cidade: 464 colocações para cada grupo de 10 mil habitantes.
E o nono pior índice de homicídio juvenil de São Paulo, que inclui pessoas de 15 a 29 anos. São 7,9 mortes para cada grupo de 10 mil moradores. Para se ter uma ideia da desigualdade, do outro lado do Rio Pinheiros, em bairros como Vila Mariana, por exemplo, este índice é de 0,6.
"Esse Rio Pinheiros é como um muro que separa duas São Paulos", definiu a jovem N.S. "O problema é que meus filhos vão ter que viver do lado de cá e isso é motivo de muita preocupação."
RESPOSTA DA SEGURANÇA
Números estáveis
A Secretaria de Segurança Pública disse que o número de casos de homicídio doloso permaneceu estável em 2017 na área do 100º DP (Jardim Herculano). Disse ainda que nessa região, que incui ainda o 92º DP (Parque Santo Antônio), foram efetuadas 191 prisões nesse período e apreendidas 16 armas de fogo. "Vale destacar que a cidade de São Paulo apresentou redução em todos os indicadores de criminalidade no mês de abril.", afirmou. "O número e a taxa de casos de homicídio doloso foram os menores para o período desde 2001, assim como o total de roubos e furtos de veículos." A pasta informou também que o 37º Batalhão da Polícia Militar, que atua na área, realiza as operações Visibilidade, Madrugada Segura e a Cem Dias, de combate à criminalidade.
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