Começou ontem a “janela partidária”, mais um casuísmo destes que os parlamentares costumam inventar, em causa própria, para burlar as regras da fidelidade partidária e serem “donos” (e mercadores) do mandato que foi obtido através dos partidos, uma vez que apenas 7% dos deputados foram eleitos com menos votos que o quociente eleitoral e, portanto, pelas legendas às quais se filiaram.
Não é preciso dizer a ninguém quais serão as bússolas das mudanças de partido que começarão a ocorrer: o medo da rejeição eleitoral, sobretudo no MDB, que carrega o fantasma de Michel Temer; a atração por ser “o deputado do Bolsonaro” – oportunidade aberta a qualquer um para um candidato que vai se filiar a um partido sem parlamentares – e, finalmente, a compra e venda de favores do governo.
Tudo isso será muito agravado pelo cenário de terra arrasada que o Judiciário fez sobre a representação política no Brasil, do contrário teríamos um núcleo polarizado pela candidatura Lula e outro por aquele que se fizesse o papel de candidato tucano, fosse quem fosse. O Governo Temer e Jair Bolsonaro morreriam à míngua, um como “pato manco”, no governo mas sem poder, e outro como “cão feroz”, prisioneiro do cercadinho do ódio.
Agora, não.
Alguns acham que o espaço está aberto para quem seria, de outra forma, apenas coadjuvante.
Contava-se com um minguar de Jair Bolsonaro após a condenação de Lula e, ainda mais, após a “agenda da intervenção” lançada por Michel Temer. Aparentemente, isso não ocorreu e o candidato do ódio permanece sólido na beira dos 20% de intenção de voto. Como observou, em declarações recentes, Ciro Gomes, Bolsonaro “tampona” o crescimento de Geraldo Alckmin, onde o governador paulista seria o candidato natural do eleitor de direita.
A ver se, sem recursos de campanha e tempo de televisão, conseguirá se manter nesta posição, que lhe dá a condição de mais forte concorrente a ir ao segundo turno e a de mais facilmente derrotável candidato na segunda volta eleitoral.
Do outro lado, é inegável o crescimento de Ciro Gomes nas pesquisas quando ausente o nome de Lula, que só não é maior porque – num movimento coerente com seu comportamento polêmico mas de incompreensível estreiteza diante das evidências eleitorais – o ex-ministro de Lula e Dilma faz questão de fornecer farto combustível para queimar suas pontes com o eleitorado mais fiel ao líder petista.
Talvez esteja querendo “pagar barato” pelo que acha que será o apoio inevitável para os 20 ou 30% do eleitorado, no mínimo, que se disponham a seguir a orientação eleitoral do ex-presidente, se este vier a ser, como desejam as elites, impedido de concorrer.
A meu ver, erro grosseiro, porque Ciro não tem forças próprias capazes de lhe dar supremacia sobre um “indicado” de Lula e ver inverter-se a situação de “apoio obrigatório” no segundo turno
Geraldo Alckmin, a quem apontam – o próprio Lula tem este diagnóstico – como favorito a ocupar o campo eleitoral da direita depende em boa parte dos resultados alheios: o esvaziamento eleitoral de Bolsonaro e a impossibilidade de o grupo de Temer ter candidato próprio. Há outros fatores pesando sobre ele, aos quais não tem encontrado caminho para reagir, em especial o desastre provocado pelas ambições de João Doria no eleitorado paulista (ou ao menos paulistano), o que não é ainda possível medir com exatidão.
O resto serão “manchas” eleitorais: Marina, Maia, Álvaro Dias, eventualmente Henrique Meirelles e mais uma miríade de micro candidatos sem expressão.
Será sobre este pano de fundo, com o eventual surgimento de mais um ou outro aventureiro, que este mês de negócios parlamentares se passará.
Como lixo nas marés, o parlamento brasileiro vai se depositar para onde o levarem as águas eleitorais.
Esse é o cenário que a “moralidade” construiu para o processo político brasileiro e que teremos de enfrentar com lucidez e paciência.
E de olho, todo o tempo, nas nuvens negras do autoritarismo que, faz tempo, tampam os céus do Brasil
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