Entrevista de Mano Brown a jornal francês é aula de sociologia. Assista à íntegra
Mano Brown (reprodução)
“Quantas vezes eu pensei em me jogar daqui…”, diz a voz grave que ecoa de um som altíssimo, vinda de um Passat Variant que sobe a Rua Adoasto de Godói, no Capão Redondo, bairro da zona sul de São Paulo. O carro arranca, e a poeira que se descola do asfalto embaça a visão do cenário digno de uma das letras do Racionais MC’s. O clima, no entanto, já não é de campo minado, como disse Pedro Paulo Soares Pereiraem sua “Fórmula mágica da paz”, lançada em meados de 1997, no disco Sobrevivendo no inferno.
O destino final da caminhada encontra um sobrado com portão preto e grafites na parede. Ao entrarmos, Mano Brown aparece vestido com camisa azul, calça jeans da mesma cor e tênis branco, além dos óculos escuros. O cabelo está impecavelmente alinhado. “Entra aí, que eu vou buscar uma água. Está quente demais”, comenta. Na sala contígua, o ventilador de teto faz o trabalho solitário de apaziguar o calor, enquanto a TV e o videogame esperam os próximos jogadores.
“Vai escolher quem? São Paulo? Ah, não…”, brinca Mano Brown com o amigo, enquanto altera os jogadores do seu time, o Santos. De fundo, uma música permeia o ambiente. Nada de rap. Algo com mais balanço, swing. “Quero estar de novo com você/num encontro que não seja tão igual”, afirma a canção do grupo Senzala. O jogo termina com a vitória do Santos por 2 a 1, e a imagem do sujeito mal-humorado e arredio, difundida desde sempre, desaparece.
“Daqui eu vejo tudo, até quando a polícia está passando”, revela Brown. A laje do sobrado é cimento puro, sem charme, com uma caixa-d’água e vista privilegiada do Capão Redondo. “Isso aqui era uma fazenda, um sítio gigante. Lama, vaca, boi, um hospital para todo mundo”, contaria depois, durante a conversa com o Le Monde Diplomatique Brasil.
Aos 47 anos, Mano Brown viu o bairro e a cidade onde vive mudarem. Mais que isso: observou a evolução da juventude negra periférica. “A gente tinha vergonha do nosso cabelo, dos costumes ligados ao passado. Hoje eu vejo o negro ligado mais ao futuro do que ao passado. Na verdade, eu vejo o negro ligado ao presente, ao agora”, analisa.
Durante uma tarde, o líder do Racionais comentou o aniversário de vinte anos do disco Sobrevivendo no inferno, as críticas com o lançamento de Boogie naipe, seu trabalho solo, relembrou o panorama social brasileiro das décadas de 1980 e 1990 e expressou olhar crítico ao comentar o futuro político do país.
“Está todo mundo ambicioso, tanto a esquerda quanto a direita. Eles ficam em uma guerra psicológica. Ninguém acredita mais em ninguém. O povão quer segurança. Daqui a pouco você vai ver o que o povão vai querer. Vão pedir o Exército e já era.”
Assista a entrevista completa:
por Madalena França com informações do Pragmatismo político.
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