Pais investigam prisão do filho por conta própria, juntam provas e revelam que a versão da polícia era mentirosa. Universitário era acusado por atirar num agente e portar quilos de drogas. A história verdadeira era bem diferente
José Ricardo e Luciana Fortuna (reprodução)
Rafael Soares, Extra
Noite de 15 de julho de 2016. Pelo celular, o contador José Ricardo Germano Fortuna, de 48 anos, recebia uma notícia que nenhum pai gostaria de ouvir: seu filho havia sido baleado e preso. O estudante de Administração, então com 19 anos, — que, a pedido da família, não será identificado — era acusado pela polícia de tentar atirar num agente com um revólver e de portar quatro quilos de maconha. A partir de então, José Ricardo e sua mulher, a pedagoga Luciana da Silva Fortuna, de 43 anos, passaram a viver uma saga para descobrir o que havia, de fato, acontecido naquela noite.
Por três meses, percorreram o bairro de Maria da Graça, na Zona Norte do Rio, onde o filho foi preso, atrás de imagens de câmeras de segurança que pudessem ter registrado o momento da prisão em flagrante e de testemunhas que pudessem ter visto a ocasião da abordagem. Graças às provas que os pais coletaram por conta própria, o jovem foi solto por decisão da Justiça, em outubro de 2016.
Em depoimento no dia da prisão, dois policiais civis da Delegacia de Combate às Drogas (DCOD) afirmaram que abordaram o jovem após receberem informação sobre venda de drogas no local. Eles contam que disseram para ele “não tentar nada, pois tinha perdido”. Nesse momento, segundo os agentes, o estudante teria sacado um revólver. Um dos policiais atirou, com um fuzil, na perna do jovem. Os policiais ainda contaram que encontraram a droga numa mochila que ele portava.
No local do crime, na semana seguinte à prisão, José Ricardo conseguiu convencer o dono de um bar a lhe ceder imagens de câmeras de segurança que flagraram a abordagem. O vídeo mostra uma cena diferente da descrita pelos policiais: o jovem, ainda sem ferimentos, corre dos policiais. Não é possível ver armas em suas mãos, tampouco uma mochila em sua costas.
Testemunhas reforçam a defesa do jovem
Após conseguir o vídeo, José Ricardo e Luciana passaram a procurar as pessoas que aparecem nas imagens. Após seguidas visitas ao bar, encontraram duas delas, frequentadoras do local. Questionadas sobre o que havia acontecido naquela noite, elas contaram que o jovem não estava armado, não tentou atirar nos agentes e foi atingido depois que fugiu da abordagem. As testemunhas prestaram depoimento em juízo.
Apesar das provas levadas pelo casal ao processo, o estudante foi condenado pela juíza Marta de Oliveira Marins, da 23ª Vara Criminal, a cinco anos de prisão por tráfico de drogas. Na decisão, a magistrada só leva em consideração o depoimento dos agentes. O estudante recorre em liberdade.
— Quando eu fui informado que meu filho tinha sido preso com drogas e uma arma, demorei a acreditar: aquilo não fazia parte da educação que dei para ele. Inicialmente, não queria nem provar a inocência dele, só queria saber o que aconteceu de verdade. Por isso, refiz todo o trajeto que meu filho fez naquela noite atrás de câmeras de segurança. Fotografei as câmeras e depois voltei para tentar conseguir acesso às imagens. Ao mesmo tempo, eu e minha mulher ainda acordávamos de madrugada para visitar nosso filho no presídio. Quando vi o vídeo do bar, ficamos confiantes. A sentença foi um banho de água fria, mas ainda acreditamos que a justiça vai ser feita — conta José Ricardo.
Sequelas
A busca pela verdade deixou sequelas no casal. Os dois perderam seus empregos. Luciana só dorme à base de tranquilizantes. Já o filho, mesmo em liberdade e recuperado da lesão causada pelo tiro que o acertou, não conseguiu voltar a estudar. José Ricardo conta que já viu as imagens mais de cem vezes.
O filho do casal conta que esperava pela namorada, que voltava do trabalho de metrô, quando foi preso. Ele diz que não estava com a droga e nem armado e que se desesperou quando o policial disse para ele colocar a mão na cabeça porque estava preso.
— Não pensei em nada, fiquei desesperado — conta.
O estudante e seus pais são uma família de classe média. O jovem cursava uma faculdade particular e mora, com a família, no subúrbio do Rio. Procurada, a Polícia Civil não respondeu, inicialmente, os questionamentos do Extra.
Após a publicação da reportagem, a assessoria de imprensa do órgão informou que “a ação ocorreu de forma legal e legítima“. O órgão alega que no vídeo obtido pelos pais do jovem, “apenas aparece um elemento correndo, não sendo possível concluir se é ele“. Ainda de acordo com a Polícia Civil, na ocasião, após a abordagem, o jovem, “em um primeiro momento, fingiu se render, pendurando a referida mochila e o capacete na motocicleta que conduzia. Em seguida, empreendeu fuga a pé e, cerca de 20 metros após a perseguição, sacou uma arma de fogo. Em virtude da iminente agressão, foi efetuado um único disparo de arma de fogo pelo policial na perna do jovem, o que foi suficiente para neutralizá-lo e capturá-lo“.
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