Documento divulgado na sexta-feira não demonstra como Lula cometeu atos de corrupção e de lavagem de dinheiro
É fraco o relatório da Polícia Federal sobre o caso do tríplex ligado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O documento, divulgado na sexta-feira (26) e assinado pelo delegado Márcio Anselmo, um dos principais investigadores da Lava Jato, apresenta indícios consistentes, embora já conhecidos, de que a empreiteira OAS reservou e reformou o apartamento no Guarujá especialmente a gosto de Lula e da família dele. (...) O relatório, porém, falha no que lhe é mais essencial: demonstrar que o caso do tríplex envolve corrupção e lavagem de dinheiro – e que Lula e os demais indiciados cometeram esses crimes.
A fragilidade do relatório, portanto, não se encontra nas evidências descritas nas 59 páginas do documento. Encontra-se nas lacunas da peça. O delegado Márcio Anselmo indicia Lula por corrupção passiva, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Mas não explica como os fatos narrados traduzem-se em crimes. Resta evidente que a OAS destinou o tríplex no Guarujá a Lula, bancou reformas milionárias nele a pedido da família do ex-presidente e fez de tudo para esconder esse fato – assim como o petista faz até hoje.
Para haver crime, no entanto, é preciso apontar que ele existiu (a materialidade) e quem o cometeu (a autoria). O crime de corrupção passiva requer, grosso modo, que um agente público receba “vantagem indevida” em troca de um “ato de ofício” – ou que haja, ao menos, a promessa das duas coisas. Em 2014, quando a OAS reformou o tríplex, Lula não era mais presidente. O que fez, portanto, em troca das reformas no tríplex? Para ser enquadrado no crime de corrupção passiva, o ex-presidente poderia ainda ser partícipe de algum ato do governo que, naquele período das reformas, pudesse ter beneficiado a OAS. Mas esse ato, se existiu, não foi sequer apontado pela PF.
O crime de lavagem de dinheiro, por sua vez, exige um crime antecedente – o que não foi descrito no relatório da PF. Lavagem de capitais consiste num ato, ou conjunto de atos, cuja finalidade é branquear dinheiro sujo, produto de outros crimes, como corrupção. Se Lula cometeu o crime de corrupção passiva ao ser beneficiado pelas reformas bancadas pela OAS, como veio a lavar dinheiro? Nesse caso, a corrupção seria o crime antecedente. Faltaria o ato seguinte, a efetiva lavagem desses recursos. O mesmo fato – as reformas no tríplex – não pode servir para enquadrar Lula nos dois crimes. Foi o que fez a PF, contudo. Para haver lavagem de dinheiro seria necessário, por exemplo, que o ex-presidente tivesse vendido os móveis recebidos da OAS e, em seguida, investido ou embolsado os recursos.
Agora, cabe à força-tarefa do Ministério Público Federal decidir o que fazer com o relatório da PF. Os procuradores em Curitiba tocam investigações próprias sobre todos os casos que envolvem Lula. Contam com a colaboração da PF, mas buscam provas de modo independente. No caso do tríplex, podem aproveitar os indícios coletados pela polícia, somando-os às evidências produzidas pelo MPF. A força-tarefa já decidiu denunciar Lula, como antecipado por ÉPOCA há semanas. A peça dos procuradores terá de superar as fragilidades apresentadas pelo relatório final da PF. Caso contrário, a acusação terá grandes chances de ser considerada inepta – de ir para o lixo.