Por Raymundo Costa
Lula começou a prestar atenção em Marília Arraes em agosto do ano passado, na sua última visita a Pernambuco, mas nunca imaginou que ela fosse tão longe. Vereadora pelo PT do Recife, neta do lendário Miguel Arraes - três vezes governador do estado, antes e depois do regime militar -, Marília é uma ameaça real à reeleição do governador Paulo Câmara (PSB). Nas pesquisas de opinião já aparece empatada tecnicamente com o ex-ministro Armando Monteiro (PTB), que esperava liderar a oposição na eleição de 7 de outubro. Marília, no entanto, pode não ser candidata, se vingar uma articulação nacional para juntar PT e PSB na eleição para a Presidência.
Marília duvida que o governador Paulo Câmara tenha cacife para levar o PSB a apoiar o PT na campanha ao Palácio do Planalto, embora Pernambuco seja a seção mais influente do partido, pois não disporia do mesmo carisma e influência de seu padrinho político, o ex-governador Eduardo Campos, morto em acidente aéreo na campanha presidencial de 2014. Marília e Campos são primos, os dois netos de Arraes, mas já estavam afastados desde antes dela declarar que votaria em Dilma e não em Eduardo na eleição de 2014.
Segundo Marília, o governador tenta atrair o PT por puro oportunismo, pois quer o tempo de TV do partido e o ex-presidente Lula a seu lado - mesmo preso em Curitiba, ele mantém prestígio em sua terra natal. "Eles [o PSB] começaram a ficar desesperados para se aliar ao PT e, de quebra, retirar uma candidatura que vai para o segundo turno e ameaça o projeto de poder que eles têm no Estado".
A questão regional e a candidatura do PT para presidente
Marília conta que as palavras de Lula em relação a sua candidatura sempre foram "de incentivo e de animação com a mobilização da militância do PT de Pernambuco". No último fim de semana ela reuniu cerca de 4 mil pessoas num ato de apoio a sua candidatura. No interior, Marília apresenta-se como a "candidata do Lula" - e Pernambuco e Bahia são os Estados que deram mais votos ao PT nas últimas eleições. Uma avaliação feita pelo PSDB baiano estima que Lula pode transferir até 80% dos votos que teve no Estado.
A candidata é realista: "Eu creio que tem sim uma vontade de fazer uma aliança nacional com o PSB, que o PSB apoie o candidato do PT à Presidência", diz. Mas entende que o PSB está vendendo terreno na lua. E que ao fim e ao cabo o PT apoiará sua candidatura. "O que a direção nacional nos diz é que temos que agrupar na construção da candidatura própria aqui". Até porque o "objetivo da candidatura da gente é fazer a denúncia do que está acontecendo no Brasil, todas as candidaturas do PT têm como orientação fazer essa denúncia e defender o presidente Lula. Essa será uma campanha mais política do que eleitoral. O eleitoral vai ser consequência do trabalho político que for feito". Só algo "transcendente" poderia mudar esse quadro, acredita Marília.
O PT é gato escaldado quando o assunto é retirada de uma candidatura estadual própria. Na eleição de 1998, empenhando em entrar no eleitorado carioca, Lula vetou a candidatura do deputado Vladimir Palmeira e apoiou o candidato do PDT Anthony Garotinho, a fim de contar com a presença do ex-governador Leonel Brizola em seu palanque. O PT do Rio nunca se recuperou do trauma. Em 2004 a cúpula do PT tentou retirar a candidatura de Luiziane Lins em Fortaleza em troca do apoio do PCdoB, mas recuou quando o episódio ganhou dimensão nacional. Luiziane foi eleita prefeita.
A bola da vez é Marília. Ela tem oposição interna - o senador Humberto Costa acha mais conveniente o PT se aliar a Paulo Câmara. Mas é da trama nacional que vem o maior perigo. Na cúpula do PT considera-se difícil o apoio do PSB. Mas considera-se possível que o partido decida não apoiar ninguém no primeiro turno. A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, tem dito que Pernambuco é assunto para ser resolvido pelos petistas de Pernambuco. A definição será no encontro estadual marcado para 10 de junho, quando o PT decidirá sobre política de alianças e a candidatura própria ao governo.
Na prática, a candidatura de Marília pode levar a um impasse do ponto de vista nacional devido à diferença de estratégias eleitorais. Por enquanto ela se mantém de pé, apesar da força gravitacional das articulações em curso que podem abater suas pretensões. Um bom exemplo é a movimentação que envolveu os governadores petistas da Bahia, Rui Costa, do Ceará, Camilo Santana e o de Minas Gerais, Fernando Pimentel.
O ajuste, que terminaria por envolver o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), previa que Marcio Lacerda trocaria sua candidatura ao governo mineiro pela vice de Pimentel. E tinha a digital de Ciro Gomes, numa aparente tentativa de juntar o Nordeste em torno de sua própria candidatura ao Planalto. Não foi por outro motivo que Lula desautorizou o PT a discutir um Plano B para as eleições, em carta dirigida à senadora Gleisi Hoffmann.
Enquanto isso, Marília Arraes continua rodando o Estado como a "candidata de Lula". Em Pernambuco - afirma - "a esquerda está unida. Quem está dividida é a direita, entre o palanque que assume que participou desse processo [impeachment] e outro [PSB] que finge que nada aconteceu e não teve nada com isso, quando na verdade foi um dos seus articuladores".
Gleisi e os governadores do PT
A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, tem almoço marcado com os cinco governadores do partido amanhã, em Brasília. Ela vai repassar os recados de Lula, que não gostou nada de ver os executivos estaduais petistas saltitando em torno de um Plano B para o partido.
O MDB chora pitangas
No documento "Encontro com o Futuro", a ser divulgado hoje, o MDB chora as pitangas da impopularidade: "Não podemos nunca nos esquecer de que o governo que provocou a crise, com seus erros, foi durante quase todo o tempo aprovado pela maioria da população, e que o Governo que corrigiu aqueles erros, com resultados inequívocos, é reprovado pela maioria".
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras
E-mail: raymundo.costa@valor.com.br
Madalena França Via blog do Manuel Mariano
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