Mesmo apagados pelo tempo, slogans de Maio de 68 resistem até hoje
O humor e a utopia impregnaram os slogans rebeldes de Maio de 68. Apesar de apagados pelo tempo, as expressões marcaram a história e resistem até hoje
O humor e a utopia impregnaram os slogans rebeldes de Maio de 68 na França, como o
clássico “É proibido proibir” (musicalizado anos depois por Caetano Veloso), além de
“A imaginação no poder” e “O poder está nas ruas, não nas urnas”. Embora as frases não
tenham sobrevivido fisicamente às intempéries da natureza e às pinturas dos muros,
resistiram à passagem do tempo gravadas na memória de uma geração. Pintados nas
paredes, principalmente do famoso Quartier Latin de Paris, sede da Universidade Sorbonne
e epicentro da revolta estudantil, os grafites eram sinônimo de liberdade, diz o jornalista
Julien Besançon em um livro que compilou centenas de inscrições em Paris e na cidade
próxima, Nanterre, sede de outra universidade mobilizada durante os acontecimentos de
maio.
Muitos dos grafites se transformaram em slogans e foram imortalizados na época por uma
atelier de belas artes de Paris, que imprimiu 600 mil cartazes, pregados na capital e arredores
. A maioria de seus autores conservaram o anonimato. Mas alguns evocam sua fase criativa,
como Bernard Cousin, estudante que se transformou em médico e que reivindica a
copartenidade de “Sob os paralelepípedos, a praia”. O slogan foi fruto de uma reflexão dele
e de um jovem publicitário, Bernard Fritsch, e o ponto de partida foi a frase “Há grama
debaixo dos paralelepípedos”.
“Fritsch me disse: ‘você tem que colocar a praia’. Ele gostou muito. Escreveu isso por toda a
parte”, explicou Cousin à televisão francesa. O famoso “É proibido proibir” foi criado por um
humorista e causou furor. A revolta e a recusa à autoridade foram expressas no cartaz
“Jovem, aqui está sua cédula para votar”, que mostrava um pesado paralelepípedo.
Enquanto alguns slogans falavam de uma sociedade materialista, como “Metrô, trabalho,
dormir”, outros celebravam a utopia: “Sejam realistas, exijam o impossível”.
Apesar de terem sido pintados rapidamente e apagados para sempre, os slogans foram tema
de exposições e leilões. Na semana passada, a casa Artcurial organizou a venda de 500
cartazes em Paris, incluindo um que mostra uma jovem lançando um paralelepípedo
enquanto proclama: “A beleza está na rua”. A peça foi vendida por 3.380 euros (cerca de
R$ 14.200).
Mesmo 50 anos depois, líderes da geração de maio de 68 permanecem fiéis ao seus
ideais
A geração que protagonizou o movimento de Maio de 1968 se mantém fiel a seus ideais de
justiça e de liberdade, afirmam especialistas ouvidos pela Agência AFP no momento em que
a França se prepara para celebrar o 50º aniversário de um dos meses mais tumultuados de
sua história.
As conclusões são ainda mais surpreendentes dado o mito que cerca os jovens que
protagonizaram a maior greve geral da história francesa, marcada pela confluência entre
um profundo mal estar popular e aspirações de mudança.
Durante décadas, eles foram retratados como estudantes rebeldes, com frequência de
famílias abastadas, que após terem saboreado o poder trocaram suas camisas à la Mao
por roupas feitas sob medida, abandonando rapidamente seus ideais anticapitalistas.
Tornaram-se editores de jornais, como Serge July, cofundador do “Libération”; funcionários
do governo, como o ex-ministro Bernard Kouchner; ou dirigentes de partidos políticos, como
Daniel Cohn-Bendit, conhecido como “Dany, o Vermelho”.
Em 2007, o ex-presidente Nicolas Sarkozy defendeu que o legado daquela época fosse
“liquidado” e atacou “todos esses políticos que dão lições que nem eles mesmos seguem”.
Alguns críticos acusam toda a geração de introduzir um individualismo desenfreado e um
consumismo frenético, ou seja, de estimularem uma “americanização” imperdoável da
sociedade francesa.
Cohn-Bendit e muitos outros ex-líderes estudantis são agora denunciados por terem cerrado
fileiras em torno de Emmanuel Macron, o ex-banqueiro com frequência chamado de
“presidente dos ricos”. Os sociólogos porém, afirmam que, apesar de alguns casos
conhecidos, a esmagadora maioria dos manifestantes que marcaram o movimento de Maio
de 1968 se mantém fiel a seus ideais.
“Quando investigamos as pessoas anônimas que participaram do movimento, nos damos
conta de que a ideia de que a geração de Maio de 1968 deu as costas para a causa é completamente falsa”, explica a pesquisadora Julie Pagis, do Centro Nacional de Pesquisa
Científica da França.
Entre os membros de 170 famílias analisadas por Pagis para um livro sobre o tema, “apenas
uma pessoa” deu uma guinada para a direita. “Há uma grande fidelidade à esquerda, ou à
extrema-esquerda”, diz a pesquisadora.
“Mais da metade ainda tem atividades militantes” e “muitos continuam participando
regularmente de manifestações públicas”, completa.
“Ainda querem, por diferentes meios, mudar o mundo”, diz Julie Pagis, acrescentando que,
hoje, muitos se manifestam contra as reformas de Macron.
Já o historiador Pascal Ory afirma que o espírito de Maio de 1968 não apenas influenciou a
esquerda e anarquistas da época, mas se prolongou por meio de novos combates
“influenciados por perspectivas libertárias”, como o feminismo, a ecologia e a luta contra o
racismo.
Para Olivier Fillieule, professor na Universidade de Lausanne, na Suíça, grande parte dos
membros da geração de Maio de 1968 pagou um preço por seu ativismo político, em termos
de rejeição social ou diminuição das perspectivas de emprego. “O estereótipo do estudante
de 1968 que deu as costas a seus ideais não tem qualquer fundamento”. Segundo ele, essa
ideia é frequentemente defendida por pessoas que buscam “há 50 anos culpar um suposto ‘pensamento de 1968’ por todos os males da sociedade”. (JACQUES KLOPP da AFP)
O ano que marcou o mundo
Em 1968, os Estados Unidos acumularam fracassos no Vietnã, a juventude tomou as ruas
de Berlim, Paris e México, e a Tchecoslováquia desafiou Moscou. Foi um ano de revoltas e esperança, que muitas vezes acabou em desilusão. Em meados dos anos 1960, estudantes
dos Estados Unidos e Europa eram os principais críticos da guerra do Vietnã. Em 1968, o
movimento foi ampliado, incorporadas críticas ao capitalismo e introduzidas novas
reivindicações: liberdade sexual, feminismo e ecologia. Na Alemanha, a tentativa de
assassinato, em 11 de abril, do líder estudantil Rudi Dutschke, iniciou uma revolta em
Berlim, que se ampliou para dezenas de cidades alemãs.
Na Cidade do México, em 2 de outubro, a 10 dias dos Jogos Olímpicos, as forças de
segurança mataram centenas de estudantes, quando os jovens realizavam uma
manifestação na Praça das Três Culturas, no bairro de Tlatelolco, pedindo a abertura
democrática no país. Na Tchecoslováquia, o líder do Partido Comunista tentou liberalizar
o regime. A Primavera de Praga foi sufocada pelos tanques soviéticos, que invadiram o
país em 21 de agosto. Além disso, o líder do movimento pelos direitos civis Martin Luther
King foi assassinado em 1968, ano que viu as chocantes imagens da fome causada pela
guerra da Biafra, na Nigéria.
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Madalena França.
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