Janio de Freitas, na Folha, e Maria Cristina Fernandes, no Valor, produzem boas análises do processo eleitoral mambembe e deformado que o Brasil vive.
Janio começa, com razão, com um corte entre os mundos onde se desenvolvem as “escolhas”:
São dois territórios muito diferentes. As eleições correm em ambos. Um, o dos políticos e jornalistas, no qual, de uma parte, desenvolvem-se os entendimentos, as dissensões, as ilusões e a traição; e de outra parte disseminam-se notícias, muita especulação pobre e rica boataria.
O segundo território é a chamada opinião pública, ora um joguete (des)orientado por jornais, TV e agora internet, ora conseguindo emergir e canalizar propensões próprias.
O segundo território é a chamada opinião pública, ora um joguete (des)orientado por jornais, TV e agora internet, ora conseguindo emergir e canalizar propensões próprias.
No “primeiro mundo”, o panorama é devastador.
Os atores tradicionais foram pelo ralo junto com a enxurrada de água suja que fizeram despejar sobre a população. O PSDB, sempre, desde Collor, o antagonista dos setores populares, desmilinguiu-se a ponto de oferecer, em legenda própria ou alhures, um conjunto de “nanicos”. Os “outsiders” imaginados como solução Luciano Huck e Joaquim Barbosa desertaram da chance que se lhes ofereceu por paúra justificada do festival de facas e cutelos que se tornou a disputa política.
Sobram dois, que Janio de Freitas define-os bem: de Marina, ninguém sabe o que pensa e de Bolsonaro, o que pensa assusta. Tanto pelo que promete – a ordem a bala – quanto naquilo que está além de sua capacidade de pensar: um projeto de país ou, ao menos, arremedo disso.
No outro mundo, a perplexidade, que se expressa num diagnóstico que dá nós na cabeça do “primeiro mundo”:
No território da opinião pública parece passar-se o mais interessante. Até agora, a “divisão dos votos de Lula”, preso há mais de um mês, não confirmou nenhum dos que expuseram previsões. A julgar pela sondagem CNT/MDA, ontem publicada, Lula mantém o seu apoio de um terço do eleitorado.
Já Maria Cristina Fernandes, no Valor, ilumina bastidores que não parecem atrair a “imprensa oficial”: a movimentação petista para impor-se como “player” e criar, na política, uma corrente favorável a Lula compatível com a que ele tem nos sentimentos da população.
Desde sua prisão, a melhor notícia para o ex-presidente foi a saída do ex-ministro Joaquim Barbosa do páreo. Some-se aí a reiterada sorte de Gilmar Mendes com a distribuição de habeas corpus no Supremo. O lulismo perdeu um adversário que ameaçava reconfigurar a esquerda e ganhou um cabo eleitoral para a estratégia de vitimização. Sua causa, para além do circuito militantes, igreja, artistas e intelectuais, ganhou esta semana a subscrição de seis ex-chefes de Estado europeus, entre eles François Hollande e José Zapatero.(…)
Feita a ressalva de que a “estratégia de vitimização” não é estratégia alguma para quem é mesmo vítima de um processo de exclusão à força da disputa eleitoral, é, sim, o caminho possível – e por isso, o correto, até mesmo do ponto de vista jurídico – a Lula e, assim, não pode ser abandonado com uma adesão precipitada a qualquer “plano B” eleitoral.
Fernandes mostra que o PSB, órfão de Barbosa e incapaz de ser adotado por um esquálido Alckmin passou a ser o diálogo dos petista e, com isso, feito com que o potencial candidato a “B” de Lula parece ter escolhido outro caminho de legitimação, depois de ter deixado largadas as pontes construídas com o PT ao longo de uma década de aliança.
Na eventualidade de um acordo como este prosperar, não restará saída para Ciro Gomes outra saída senão o centrão. Cearense de Pindamonhangaba, indignado mas do sistema, anticoronelista mas oligarca, aliado petista mas signatário da cédula do Real, o ex-ministro é o melhor enfeixe de antagonismos que o PP poderia desejar. É a metamorfose ambulante de que o partido precisa para liderar o novo ciclo do liberalismo de Estado do país.
Será? É verdade que Ciro já foi sabor para todos os gostos, mas não parece que seu pragmatismo o vá levar a aumentar as resistências que seu nome enfrenta no eleitorado lulista. Como também há sinais intuitivos de que o grau de confiança de Lula em Ciro parece ser, em silêncio, mais eloquente que as restrições públicas que o candidato do PDT faz ao petista.
Se o fizer, abre espaço para que este se agregue em um candidato que, a depender da capacidade de Lula de transferir votos – que todos reconhecem ser grande – e jogar na hipótese de ser apenas o “plano Z”, o último, pela falta de outros.
O que pode dar votos, no segundo turno, mas certamente não dará o suporte e a legitimidade para seus planos de “entrar de sola” no sistema político-econômico, como anuncia.
Ninguém ganha a guerra guerreando a gregos e troianos.
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