Redação PragmatismoEditor(a)
Vídeo gravado por Gleisi Hoffmann e enviado para a TV AL Jazeera provocou a ira de políticos e grupos conservadores do Brasil. Dezenas de fake news viralizaram nas redes sociais e caso foi parar na PGR
Ana Amélia (esq) e Gleisi Hofmann (dir) bateram boca no Senado Federal
Por que uma mensagem gravada por uma senadora brasileira para um veículo de comunicação internacional provocou tanta polêmica e se tornou um dos assuntos mais comentados do País nas últimas horas?
O vídeo [ver abaixo] foi enviado pela senadora Gleisi Hofgmann à TV Al Jazeera, do Catar. Na gravação, a parlamentar brasileira afirma que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva “foi condenado por juízes parciais em um processo ilegal” e é um “preso político”.
Gleisi também denuncia a perseguição histórica que a Rede Globo impõe ao ex-presidente e menciona a liderança de Lula em todas as pesquisas eleitorais à Presidência da República.
O vídeo viralizou em grupos do WhatsApp e páginas do Facebook de adversários de Gleisi, do PT e da esquerda, compartilhado como “fato gravíssimo” e “urgente”.
“Revolta”
Além de confrontos verbais e discursos enfurecidos nos plenários do Senado e da Câmara, as declarações de Gleisi desencadearam até distribuição de conteúdo falso (fake news) nas redes sociais.
Com o objetivo de barganhar politicamente, o deputado extremista Major Olímpio (PSL-SP) e a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) decidiram reagir à fala de Gleisi Hoffmann de maneira eufórica, ecoando a paranoia propagada pelo WhatsApp.
Sedento por holofotes, Olímpio não perdeu tempo e foi direto às vias oficiais. Bateu às portas da Procuradoria-Geral da República (PGR) para protocolar um pedido de investigação contra a presidente do PT.
Ana Amélia, por sua vez, usou o microfone do Senado Federal para alardear: “espero que o vídeo de Gleisi não tenha sido para convocar o Exército Islâmico pra vir ao Brasil fazer as operações de proteção ao partido que perdeu o poder e agora parece ter perdido a compostura e o respeito”.
Gleisi rebate
“Penso que o incômodo com essa entrevista com aquela senadora do Rio Grande do Sul [Ana Amélia], que veio aqui à tribuna para falar a esse respeito, não foi com o conteúdo da minha fala, mas foi com o veículo de comunicação em que ela se deu”, iniciou Gleisi, em resposta à Ana Amélia.
Gleisi ressaltou que deu entrevistas à britânica BBC, à espanhola EFE, à portuguesa SIC Portugal e à francesa France Presse a respeito da prisão de Lula, mas que só foi criticada quando falou à Al Jazeera.
“Só posso reputar isso à ignorância, ao preconceito, à xenofobia contra o povo árabe. Aliás, mais do que isso, chega a ser má-fé, desvio de caráter o que essa senadora – aquela mesma que incentivou a violência contra a caravana do presidente Lula, mandando erguer o relho contra nós todos – em relação ao que está fazendo nas redes sociais”, assinalou a petista.
Tese ridicularizada
A versão de que Gleisi Hoffmann estaria a insuflar grupos terroristas para defender Lula em território brasileiro não foi levada a sério nem mesmo por adversários do PT e chegou a ser ridicularizada por parlamentares.
“Perdoe a ignorância desse… É muita ignorância”, disse o líder do PT no Senado, Lindbergh Farias (RJ), dirigindo-se ao senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que presidiu parte da sessão plenária, e referindo-se a José Medeiros (Pode-MT), que falava ao microfone e criticava o “recado muito estranho” de Gleisi à Al Jazeera.
“Nós temos respeito por todas as religiões. Agora, nós também somos um país que não tem contato com nenhum radicalismo, com nenhum fundamentalismo”, disse Medeiros, antes de ser interpelado por Lindbergh, e acrescentando que a mensagem da petista parecia “um recado subliminar”. “A quem era dirigido aquilo?”.
Coube ao senador Magno Malta (PR-ES) relatar o que havia falado com a própria Gleisi a respeito da polêmica. Crítico feroz do PT, Magno acabou por revelar que não se trata de uma entrevista exclusiva à TV Al Jazeera.
“Até porque a senadora Gleisi me disse que a entrevista que ela deu para a Al Jazeera foi dada para as outras televisões do mundo que estavam lá para cobrir”, disse Magno.
Pouco antes do encerramento da sessão, quando o plenário já estava quase vazio, a questão levantada por Medeiros foi ironizada na tribuna. “A Gleisi não incitou nada. Eu acho que há aí ignorância ou má-fé. Estão confundindo Al Jazeera com Al-Qaeda. Pode ter certeza”, comentou a senadora Regina Souza (PT-PI).
Fake News
No mundo informal das redes sociais as versões falsas sobre o vídeo de Gleisi se alastraram. Entre textos apócrifos e ilustrações com frases inverídicas, multiplica-se no mundo virtual a informação de que a senadora pediu a intervenção de grupos terroristas no Brasil.
A fake news mereceu a publicação de um fact checking, ou checagem de fatos, no site Buzzfeed, que cita o exemplo de uma internauta identificada como Bia Kicis.
“Em nenhum momento Gleisi cita grupos muçulmanos. Na página de Bia Kicis, porém, uma versão editada do vídeo foi publicada dando conta de que a presidente do PT pedia ajuda a ‘terroristas’ […]. A mentira teve mais de 150 mil visualizações e 14 mil compartilhamentos”, diz o site.
“Sites como o Crítica Nacional e o Diário do Brasil foram além, afirmando que Gleisi cometeu crime contra a soberania nacional. Esses sites usam o – falso – argumento de que a senadora, ao dizer ‘mundo árabe’, se dirigia a terroristas”, acrescenta Buzzfeed.
Depois de tanta confusão, a Procuradoria-Geral da República (PGR) instaurou um procedimento preliminar para analisar a possibilidade de abrir inquérito sobre o episódio.
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