O choro é livre
Por Joel de Hollanda*
Prezada Maju,
Talvez tenha sido em razão da sua pouca idade, imaturidade ou do glamour por ser apresentadora VIP de jornal da Globo, que você disse esta frase tão infeliz quanto cheia de insensibilidade: “o choro é livre”.
Claro, Maju, o choro é livre.
O que você não sabe é que ele é hoje mais do que livre: é abundante em inúmeros humildes lares de classe média e pobre desse imenso país.
Milhares de pais e mães profundamente amargurados derramam lágrimas neste momento. Estão desesperados escutando o dilacerante choro dos seus filhos com fome, sem terem como alimentá-los.
São homens e mulheres humilhados e ameaçados por insistentes e ferozes cobradores, em razão de não poderem pagar o aluguel e as contas de água e luz. São pais de famílias que não têm como comprar remédios básicos e até um simples botijão de gás.
São pessoas simples e honestas que têm vergonha de pedir esmolas, porque é humilhante. E também poque sempre souberam ganhar o pão com o suor do rosto e os calos da mão.
Recusam-se a depender da compaixão alheia. Descartam ser traficantes de drogas. Cidadãos honestos e trabalhadores, não querem enveredar pelo caminho sem volta da criminalidade.
Você, Maju, já passou pela experiência de ver um filho faminto chorando e seus pais sem meios de socorrê-lo? Não existe tortura maior.
Tanto é assim que muitos pais recorrem ao popular veneno para ratos, conhecido por “chumbinho”, que colocam no derradeiro mingau ralo e insosso, e exterminam toda família.
Desculpe-me, Maju, mas você esqueceu uma coisa trivial: o Brasil é um país de extrema desigualdade social. Todos irmãos brasileiros, sejam eles ricos ou pobres, pretos ou brancos, homens ou mulheres, sulistas ou nortistas, estão enfrentando esse oceano revolto que é a pandemia da COVID-19.
Esqueceu também que alguns estão navegando nesse mar tenebroso do alto de vistosos navios, em suntuosos iates, em poderosas lanchas e em outras embarcações semelhantes. Mas outros, milhões de outros cidadãos brasileiros e suas famílias estão tentando sobreviver agarrados a uma precária e remendada câmara de ar no feitio de boia salva vida.
Esse ordinário dispositivo de sobrevivência “navega" ao sabor das ondas da epidemia e de suas graves consequências econômicas e sociais. E ainda sofre os efeitos desastrosos decorrentes da insanidade autoritária de certos governadores e prefeitos.
Você esqueceu, Maju, que dar tratamento igual a desiguais é cometer cruel injustiça. O endocrinologista que prescrever o mesmo regime alimentar para uma pessoa gorda e outra magra colherá com certeza resultados diferentes: a pessoa gorda irá sem dúvida emagrecer, mas a pessoa magra poderá ficar desnutrida e até morrer.
Pense um pouco, Maju, fora do quadrado do PROJAC. Pense naquelas áreas longe da fartura, beleza e amenidades do Sul maravilha. Reflita sobre as muitas alternativas que as classes mais favorecidas têm para prover seu sustento e enfrentar os efeitos da pandemia, a exemplo de emprego estável e da renda, salário ou vencimento certo todo final de mês.
Lembre-se daqueles pessoas que sobrevivem nas favelas, palafitas e periferias das cidades, nos longes do Norte, Nordeste e Centro Oeste. Lá onde palavras como emprego e renda fixos, distanciamento social, NETFLIX, iFOOD, e commerce, personal trainer, mesoterapia são desconhecidas ou coisas somente vistas em novelas.
O choro é livre, Maju, é verdade, porém mais livre e vasta é das pessoas a insensibilidade.
*Ex-senador
Postado por Madalena França
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