Bruna Morato, que representa médicos que denunciaram rede hospitalar para comissão, relata que médicos eram orientados a prescrever tratamento precoce e que profissionais não tinham autonomia na operadora
Representante dos médicos que trabalharam e denunciaram a operadora de saúde Prevent Senior, Bruna Morato afirmou em depoimento à CPI da Covid que o governo federal trabalhou em parceria com a rede hospitalar para validar o chamado "kit covid". A advogada afirma que havia um grupo de médicos que assessorava o governo, e que existia uma estratégia para que a Prevent ajudasse essa equipe a validar o chamado tratamento precoce.
De acordo com a advogada, no início da pandemia, o diretor da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, tentou se aproximar do então ministro da Saúde, Henrique Mandetta. À época, houve várias mortes na rede hospitalar em razão da Covid-19, o que levou Mandetta a criticar a empresa.
Sem sucesso na aproximação, o diretor da Prevent conseguiu por "outras vias" descobrir um grupo de médicos que assessorava o governo de forma paralela, disse Bruna relatando as informações que foram repassadas pelos médicos que a contrataram:
"Por conta das constantes críticas do ministro Mandetta, a direção tinha que tomar uma atitude. Num primeiro momento, se aproximar do ministério, por meio de um médico familiar de Mandetta, mas Mandetta não deu abertura, fazendo com que procurasse outras vias. O doutor Pedro [Pedro Benedito Batista Júnior, diretor da Prevent Senior] foi informado de que existia um conjunto de médicos assessorando o governo federal e alinhado com o Ministério da Economia", disse Bruna.
A informação chamou a atenção de membros da comissão, mas Bruna explicou que isso não significava envolvimento do ministro Paulo Guedes.
"Existe um interesse do Ministério da Economia para que o país não pare e, se nós entrarmos no sistema de lockdown, teremos um abalo muito grande. Existia um plano para as pessoas saírem para a rua sem medo. Eles desenvolveram uma estratégia. Qual? Através do aconselhamento de médicos. Era Anthony Wong, toxicologista, a doutora Nise Yamaguchi, especialista em imunologia, o virologista Paolo Zanotto. E a Prevent Senior iria entrar para colaborar com essas pessoas", disse a advogada.
Anthony Wong morreu de Covid, informação que foi omitida certidão de óbito, segundo documentos em posse da CPI. Conhecido defensor do "tratamento precoce", ineficaz contra a Covid-19, ele foi submetido às mesmas drogas cujo uso defendia em um hospital da Prevent Senior. Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto são apontados como integrantes do gabinete paralelo. Em reunião no ano passado com Bolsonaro e outros médicos, Zanotto sugeriu a criação de um "shadow cabinet", ou seja, um "gabinete das sombras" para tratar do enfrentamento á pandemia.
Logo na fala inicial, a advogada disse que representa 12 médicos afirmou que, a pedido dos clientes, procurou a Prevent Senior para um acordo, que incluía três pontos, nenhum deles envolvendo compensações financeiras. Se o acordo tivesse prosperado, a empresa teria que admitir publicamente que o estudo feito sobre o uso de medicamentos como a cloroquina não foi conclusivo. A empresa também deveria assumir que não dava autonomia aos médicos, orientando-os a prescrever o "kit covid", que vinha lacrado. Por fim, a Prevent Senior dever ficar responsável por arcar com ações decorrentes de medidas adotadas por seus médicos, que tinham medo de ter que bancar seus custos.
Ela disse ter um dossiê de 10 mil páginas e que começou a atender médicos da Prevent Senior em 2014.
"Em 2020, os relatos se transformaram em relatos pavorosos. E, num primeiro momento, eu acredito que as histórias pareciam um tanto quanto confusas e assustadoras, para não dizer perturbadoras", disse Bruna Morato.
Ela ainda ironizou a forma como a Prevent Senior vem se portando:
"Gostaria de agradecer a própria Prevent Senior. Ela vem me atacando, e sendo um tanto quanto rude quanto as sua colocações. Eu agradeço a Prevent Senior, porque seria muito difícil explicar aqui a ideologia da empresa. Mas fica muito claro, quando a gente analisa os ataques infundados que vem fazendo à minha pessoa, demonstrar a constante política de opressão".
Bruna afirmou que, no começo, houve a orientação para as equipes não trabalharem "paramentadas" , porque isso poderia assustar os pacientes. Assim, nem todos os médicos usaram máscaras no início da pandemia, mas essa medida foi reconsiderada depois de algumas semanas.
A CPI aprovou a convocação do empresário Otávio Oscar Fakhoury. Segundo o requerimento de convocação, apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AO), Fakhoury "foi identificado como o maior financiador dos canais de disseminação de notícias falsas, como o Instituto Força Brasil, Terça Livre e Brasil Paralelo". Ainda de acordo com Randolfe, "esses canais estimularam o uso de tratamento precoce sem eficácia comprovada, aglomeração e diversas outras fake news sobre a pandemia".
A comissão aprovou também um requerimento para pedir o compartilhamento de informações da Operação Pés de Barro, que apura irregularidades em compras do Ministério da Saúde durante a gestão do ex-ministro Ricardo Barros (2016-2018). Atualmente, Barros é líder do governo na Câmara.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), anunciou que fez uma consulta ao advogado Ives Gandra Martins para que ele possa opinar se o presidente da República, Jair Bolsonaro, cometeu crimes no enfrentamento à pandemia. Fernando Bezerra disse que ainda não recebeu o documento, mas afirmou que, entre outras coisas, ele aborda questões como os limites da atuação do governo federal no enfrentamento da pandemia, em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que garantiu a autonomia de estados e municípios para adotar medidas no combate à doença. O senador afirmou que a consulta foi feita de graça.
Bolsonaro já disse várias vezes, de forma incorreta, que teve seus poderes limitados pelo STF. O que a Corte fez foi permitir que os estados e municípios possam enfrentar a pandemia dentro do âmbito de seus poderes sem sofrerem restrições do governo federal.
A lista de possíveis crimes que podem ser atribuídos ao presidente é extensa. A consulta aborda tanto crimes de responsabilidade, quanto os comuns, como, por exemplo, charlatanismo, exercício ilegal da medicina, estelionato, corrupção passiva, advocacia administrativa, e exposição de outras pessoas ao risco em razão de sua participação em eventos públicos com aglomeração. A consulta também trata da responsabilidade de Bolsonaro no colapso do sistema de saúde de Manaus no começo do ano, de negligência ou inoperância na aquisição de vacinas da Pfzer, de atos de improbidade administrativa, e de crimes contra humanidade.
Senadores de oposição reagiram.
"Quando o presidente se antecipa ao parecer, isso é assunção de culpa", disse Fabiano Contarato (Rede-ES).
A Prevent Senior é investigada por pressionar médicos a receitar medicamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid-19, como cloroquina e um tratamento com ozônio que é inclusive proibido pelo Conselho Federal de Medicina. A empresa também é acusada de manipular atestados de óbito de vítimas do novo coronavírus.
Morato se reuniu com senadores da cúpula da CPI na última terça-feira, 21, no gabinete de Omar Aziz (PSD-AM), presidente da comissão. Ela expôs aos parlamentares problemas como as inconsistências nos atestados de óbito do médico Anthony Wong e da mãe do empresário Luciano Hang, nos quais não constava a informação de que faleceram em decorrência da Covid-19.
A comissão ainda deve investigar a existência de um hospital apelidado internamente de “necrotério”, em que pacientes eram levados para cuidados paliativos, termo usado na medicina para o acompanhamento quando já não há tratamento eficaz para uma doença, normalmente em doenças crônicas, como câncer. Segundo o senador Otto Alencar (PSD-BA), foram levados indevidamente para essa área pacientes com Covid-19.
Folha de Pernambuco
Postado por Madalena França
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