Thomas Fischermann, São Paulo*
Terno cinzento antracite, olhar sério, breve aperto de mão. De poucas palavras, o presidente dá a impressão de ser muito mais sério e objetivo do que a imagem conhecida do tribuno popular jovial sugere. Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil de 2003 a 2010, senta-se na ponta de uma mesa de reuniões. Nem é o primeiro a falar, mas dá a palavra ao seu advogado, que inicia com uma exposição de dez minutos sobre a situação jurídica de Lula.
Sim, afirma o advogado, “o grand old man do movimento operário brasileiro” teria na próxima quarta-feira uma audiência de decisiva importância no tribunal. No tribunal de segunda instância três desembargadores julgarão uma ação de corrupção. A sentença do juiz de primeira instância, proferida em julho, condenou o ex-presidente a nove anos e meio de prisão. Na pauta, um grande imóvel residencial, que Lula teria recebido de amigos do setor privado - mas na pauta está também o futuro de Lula e do país inteiro, pois o político de 72 anos de idade não quer ir à prisão, quer assumir mais uma vez o poder. Nas eleições presidenciais de 2018 ele pretende candidatar-se mais uma vez ao cargo já ocupado.
Com isso Lula pretende reverter uma guinada à direita, que o país vive desde 2016: nesse ano a sua sucessora escolhida Dilma Rousseff foi expelida do palácio presidencial em uma incomum tomada do poder pela oposição conservadora. Ela perdeu um voto desconfiança e seu sucessor adotou sem correspondente mandato eleitoral programas de austeridade e uma política que vai ao encontro dos interesses dos industriais e latifundiários.
ZEIT ONLINE: O senhor afirma que todas as ações por corrupção contra o senhor são ficções politicamente motivadas?
Luiz Inácio Lula da Silva: Hoje não posso dizer muito sobre a iminente decisão judicial - por motivos jurídicos. Mas todo esse processo já começou com uma mentira publicada pelo jornal O Globo. Ele afirmou que esse imóvel residencial me pertenceria. Depois a Polícia Federal exibiu sindicâncias repletas de mentiras. A Procuradoria-Geral da República aproveitou-as - o que foi um erro. Um erro maior ainda foi o fato de um juiz ter aceito essas mentiras como se fossem verdade. Tudo isso desperta em mim a impressão de que estamos lidando mais com uma sentença política do que com uma sentença jurídica.
ZEIT online: Essa é uma acusação dura.
Lula: Quando o competente procurador apresentou o caso, sem provas, ele chegou até a fazer uma apresentação em Powerpoint. Tentou-se passar ao país inteiro a impressão de que o PT, o Partido dos Trabalhadores seria uma organização criminosa, como se PT tivesse surgido e assumido o governo para espoliar o país.
ZEIT online: Caso o senhor seja condenado na próxima semana, ainda pretende manter a sua candidatura?
Lula: Não conheço a palavra “desistir”. Se eu for condenado, entrarei com recurso e viajarei dois dias depois à Etiópia. Lá falarei em uma conferência sobre a fome no mundo. O mundo inteiro sabe que o Brasil desenvolveu a melhor política de combate à fome. O meu governo foi especialmente bem-sucedido nisso. Depois pretendo liderar uma grande marcha dos meus apoiadores no Brasil, uma caravana. Vamos percorrer primeiramente no Sul do país e depois o Norte. O Partido dos Trabalhadores provou que pode governar bem o país, que o Brasil pode ser respeitado no exterior e que o partido pode produzir um grande crescimento da economia.
ZEIT online: Nem todos os brasileiros apóiam o senhor. Alguns participam cheios de ódio de manifestações contra a sua pessoa. Eles exigem nas manifestações: “Lula deve ir para a cadeia!” De onde vem isso?
Lula: Quando me candidatei para a eleição de 2002, meus adversários disseram que eu me ridicularizaria. Disseram também que eu arruinaria a economia. Depois conseguimos produzir um das melhores períodos da economia brasileira - e distribuímos também as receitas na população, pois se você não faz isso, só faz com que alguns ricos fiquem ainda mais ricos. Transformamos pessoas pobres desse país em cidadãos respeitados, que conhecem os seus direitos. Hoje podemos ver essas pessoas em todos os shopping centers ou nos aeroportos. Mas a ascensão dos pobres também foi uma fonte do ódio de outros segmentos bem definido da sociedade. Esse segmento não quer dar lugar a outras pessoas no espaço público. Ele não aposta na democracia. Isso nos vimos pela última vez nas campanhas da oposição. Aqui promoveram uma política de ódio. Você consegue imaginar isso no seu país, que um político, ao entrar num restaurante, é vaiado e xingado? Na minha opinião os fundamentos da democracia estão em jogo aqui.
Terno cinzento antracite, olhar sério, breve aperto de mão. De poucas palavras, o presidente dá a impressão de ser muito mais sério e objetivo do que a imagem conhecida do tribuno popular jovial sugere. Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil de 2003 a 2010, senta-se na ponta de uma mesa de reuniões. Nem é o primeiro a falar, mas dá a palavra ao seu advogado, que inicia com uma exposição de dez minutos sobre a situação jurídica de Lula.
Sim, afirma o advogado, “o grand old man do movimento operário brasileiro” teria na próxima quarta-feira uma audiência de decisiva importância no tribunal. No tribunal de segunda instância três desembargadores julgarão uma ação de corrupção. A sentença do juiz de primeira instância, proferida em julho, condenou o ex-presidente a nove anos e meio de prisão. Na pauta, um grande imóvel residencial, que Lula teria recebido de amigos do setor privado - mas na pauta está também o futuro de Lula e do país inteiro, pois o político de 72 anos de idade não quer ir à prisão, quer assumir mais uma vez o poder. Nas eleições presidenciais de 2018 ele pretende candidatar-se mais uma vez ao cargo já ocupado.
Com isso Lula pretende reverter uma guinada à direita, que o país vive desde 2016: nesse ano a sua sucessora escolhida Dilma Rousseff foi expelida do palácio presidencial em uma incomum tomada do poder pela oposição conservadora. Ela perdeu um voto desconfiança e seu sucessor adotou sem correspondente mandato eleitoral programas de austeridade e uma política que vai ao encontro dos interesses dos industriais e latifundiários.
ZEIT ONLINE: O senhor afirma que todas as ações por corrupção contra o senhor são ficções politicamente motivadas?
Luiz Inácio Lula da Silva: Hoje não posso dizer muito sobre a iminente decisão judicial - por motivos jurídicos. Mas todo esse processo já começou com uma mentira publicada pelo jornal O Globo. Ele afirmou que esse imóvel residencial me pertenceria. Depois a Polícia Federal exibiu sindicâncias repletas de mentiras. A Procuradoria-Geral da República aproveitou-as - o que foi um erro. Um erro maior ainda foi o fato de um juiz ter aceito essas mentiras como se fossem verdade. Tudo isso desperta em mim a impressão de que estamos lidando mais com uma sentença política do que com uma sentença jurídica.
ZEIT online: Essa é uma acusação dura.
Lula: Quando o competente procurador apresentou o caso, sem provas, ele chegou até a fazer uma apresentação em Powerpoint. Tentou-se passar ao país inteiro a impressão de que o PT, o Partido dos Trabalhadores seria uma organização criminosa, como se PT tivesse surgido e assumido o governo para espoliar o país.
ZEIT online: Caso o senhor seja condenado na próxima semana, ainda pretende manter a sua candidatura?
Lula: Não conheço a palavra “desistir”. Se eu for condenado, entrarei com recurso e viajarei dois dias depois à Etiópia. Lá falarei em uma conferência sobre a fome no mundo. O mundo inteiro sabe que o Brasil desenvolveu a melhor política de combate à fome. O meu governo foi especialmente bem-sucedido nisso. Depois pretendo liderar uma grande marcha dos meus apoiadores no Brasil, uma caravana. Vamos percorrer primeiramente no Sul do país e depois o Norte. O Partido dos Trabalhadores provou que pode governar bem o país, que o Brasil pode ser respeitado no exterior e que o partido pode produzir um grande crescimento da economia.
ZEIT online: Nem todos os brasileiros apóiam o senhor. Alguns participam cheios de ódio de manifestações contra a sua pessoa. Eles exigem nas manifestações: “Lula deve ir para a cadeia!” De onde vem isso?
Lula: Quando me candidatei para a eleição de 2002, meus adversários disseram que eu me ridicularizaria. Disseram também que eu arruinaria a economia. Depois conseguimos produzir um das melhores períodos da economia brasileira - e distribuímos também as receitas na população, pois se você não faz isso, só faz com que alguns ricos fiquem ainda mais ricos. Transformamos pessoas pobres desse país em cidadãos respeitados, que conhecem os seus direitos. Hoje podemos ver essas pessoas em todos os shopping centers ou nos aeroportos. Mas a ascensão dos pobres também foi uma fonte do ódio de outros segmentos bem definido da sociedade. Esse segmento não quer dar lugar a outras pessoas no espaço público. Ele não aposta na democracia. Isso nos vimos pela última vez nas campanhas da oposição. Aqui promoveram uma política de ódio. Você consegue imaginar isso no seu país, que um político, ao entrar num restaurante, é vaiado e xingado? Na minha opinião os fundamentos da democracia estão em jogo aqui.
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Lula da Silva inicia aqui uma longa explanação do seu programa eleitoral. Ele gostaria de devolver ao país “mais alegria pelo Brasil”, depois toda a amargura e todo o ódio acabariam. No entanto, continua vago nas respostas a perguntas mais específicas. Ele deseja mais investimentos, mais comércio com os países vizinhos da América Latina – e novamente mais ajuda aos pobres, como nos seus mandatos de 2003 a 2010. Na época o aumento do consumo de camadas outrora pobres, em combinação com um crescimento das exportações das matérias-primas levou a um crescimento econômico de 6% durante algum tempo. Lula deblatera também contra o atual governo. Acusa-o de promover uma política exagerada de austeridade, um desmonte total das políticas sociais e a liquidação de empresas estatais.
Mas Lula retorna em seguida às ações movidas contra ele e às perspectivas da sua candidatura. Nos últimos dias o tom subiu em todos os campos políticos. A Presidente do Partido dos Trabalhadores acaba de declarar que não se pode simplesmente enviar Lula à prisão - antes seria necessário “matar gente”. Ela retirou essas afirmações, que não deveriam ser tomadas ao pé da letra. Perguntado pela presidente do partido, Lula remete à ditadura militar no país (1964-1985): “Aqui a esquerda não matou gente, quem matou sempre foram os outros.”
Além disso Lula ameaça a mídia brasileira: Se ele voltar ao poder, haverá novas leis para “fiscalizá”-la. Perguntado pelo significado concreto dessas leis, ele não se define. No Brasil isso é considerado anúncio de luta contra um punhado de famílias influentes. A elas quase todos os meios de comunicação pertencem, e elas se vêem como adversárias de Lula.
Lula xinga também com incomum dureza os mercados financeiros, céticos quanto à sua possível volta ao poder. Denomina-os “terroristas, que contam mentiras”. E sempre volta a xingar seus acusadores nos tribunais, que além do processo atualmente em curso lhe moveram nove outras ações - que Lula desclassifica integralmente como invenções politicamente motivadas. “Um dia seus filhos perguntarão a eles: por que você espalhou mentiras sobre o Lula?”
Lula da Silva inicia aqui uma longa explanação do seu programa eleitoral. Ele gostaria de devolver ao país “mais alegria pelo Brasil”, depois toda a amargura e todo o ódio acabariam. No entanto, continua vago nas respostas a perguntas mais específicas. Ele deseja mais investimentos, mais comércio com os países vizinhos da América Latina – e novamente mais ajuda aos pobres, como nos seus mandatos de 2003 a 2010. Na época o aumento do consumo de camadas outrora pobres, em combinação com um crescimento das exportações das matérias-primas levou a um crescimento econômico de 6% durante algum tempo. Lula deblatera também contra o atual governo. Acusa-o de promover uma política exagerada de austeridade, um desmonte total das políticas sociais e a liquidação de empresas estatais.
Mas Lula retorna em seguida às ações movidas contra ele e às perspectivas da sua candidatura. Nos últimos dias o tom subiu em todos os campos políticos. A Presidente do Partido dos Trabalhadores acaba de declarar que não se pode simplesmente enviar Lula à prisão - antes seria necessário “matar gente”. Ela retirou essas afirmações, que não deveriam ser tomadas ao pé da letra. Perguntado pela presidente do partido, Lula remete à ditadura militar no país (1964-1985): “Aqui a esquerda não matou gente, quem matou sempre foram os outros.”
Além disso Lula ameaça a mídia brasileira: Se ele voltar ao poder, haverá novas leis para “fiscalizá”-la. Perguntado pelo significado concreto dessas leis, ele não se define. No Brasil isso é considerado anúncio de luta contra um punhado de famílias influentes. A elas quase todos os meios de comunicação pertencem, e elas se vêem como adversárias de Lula.
Lula xinga também com incomum dureza os mercados financeiros, céticos quanto à sua possível volta ao poder. Denomina-os “terroristas, que contam mentiras”. E sempre volta a xingar seus acusadores nos tribunais, que além do processo atualmente em curso lhe moveram nove outras ações - que Lula desclassifica integralmente como invenções politicamente motivadas. “Um dia seus filhos perguntarão a eles: por que você espalhou mentiras sobre o Lula?”
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ZEIT online: O senhor e seus advogados declaram que o único desfecho das ações conduzidas contra o senhor deveria ser a absolvição. O senhor acredita estar acima da lei?
Lula: Não. Se os juízes se orientarem segundo os fatos, não duvido que me absolvam. Só se a coisa assumir um caráter político, o resultado poderá ser negativo para mim. Que me condenem, se puderem apresentar provas de que o Lula cometeu um crime. Em caso contrário, devem absolver-me.
ZEIT online: A esquerda também se vale das ações contra o senhor para mobilizar a sua base e colocar seus temas na agenda. Estão organizando grandes manifestações e a própria presidente do seu partido ameaçou com violência no caso de uma condenação.
Lula: Acho certo que as pessoas agora vão para as ruas e se manifestem. Mas a esquerda aqui sempre foi vítima da violência. A violência nunca partiu de nós. Veja a história do nosso país, dos nossos mortos.
ZEIT online: Com vistas às numerosas ações movidas contra o senhor, o seu partido declarou também: Lula não pode ser condenado, pois eleições presidenciais sem Lula seriam uma fraude. O senhor vê isso também nesses termos.
Lula: Ora, não é o Lula que está em jogo. Está em jogo a democracia. Se você move um processo político para impedir que alguém seja candidato, isso não é muito democrático.
ZEIT online: O senhor será candidato de qualquer jeito?
Lula: Se o Partido dos Trabalhadores assim o desejar, serei seu candidato nas eleições presidenciais. O que o Judiciário faz são outros quinhentos. Aqui teremos recursos e assim por diante. Mas isso com certeza não me fará desistir de viajar pelo Brasil e falar com o povo. Tenho setenta e dois anos de idade e estou com a energia de uma pessoa de trinta anos.
ZEIT online: O senhor acusa os tribunais de promoverem uma campanha política contra a esquerda. Mas nos numerosos processos de corrupção dos últimos anos também foram condenados muitos direitistas.
Lula: Quero deixar uma coisa bem clara: acabar com a corrupção sempre foi o sonho do meu governo. Fizemos mais contra a corrupção do que qualquer outro governo. Quem roubou deve ir para a cadeia. Mas isso se transforma num grande problema, quando juízes e procuradores submetem suas avaliações à opinião pública. Então as pessoas são condenadas antecipadamente e neutralizadas nos planos político e social.
ZEIT online: Como já foi dito, ricos também foram enviados à cadeia.
Lula: Isso foi porque os investigadores olharam tanto tempo só para um lado até que isso não funcionou mais. Apareceram malfeitos que não mais podiam ser escondidos. Acharam malas com dinheiro em residências de políticos - mas na minha casa nunca acharam nada.
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No Brasil foi concluído nos últimos anos um número recorde de ações por corrupção contra políticos do primeiro escalão e empresários importantes. Décadas a fio as elites corruptas do país tinham conseguido permanecer impunes. Os procuradores e juízes brasileiros usam meios jurídicos controvertidos, à frente de todos a delação premiada. De acordo com esse sistema, cada preso recebe estímulos para delatar outros políticos ou empresários. Detalhes das sindicâncias são em seguida publicados deliberadamente na mídia, que por sua vez faz reportagens unilaterais e politicamente enviesadas. Alguns defensores afirmam que as autoridades persecutoras até teriam induzido alguns delatores premiados a afirmações falsas. No caso das ações contra o ex-presidente Lula a coisa ainda é um pouco mais complexa. Inexistem provas escritas da posse da controvertida residência por parte de Lula. A sentença da primeira instância foi fundamentada apenas em provas indiretas e afirmações de delatores. O advogado de Lula explica: “O único desfecho da ação pode ser a declaração da inocência do presidente” - do contrário, ele interporia um novo recurso. Seja como vor, é improvável que Lula tenha de ir à prisão ainda antes da eleição iminente. Ele no entanto entraria na campanha eleitoral com o ônus das ações. Os tribunais poderiam até proibir a sua candidatura. Lula vê isso diferentemente.
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ZEIT online: O que, afinal de contas, impulsiona o senhor com tanta força? O que o senhor pretende fazer, caso seja reeleito presidente nesse ano?
Lula: Muitas coisas. Mas o que me move é a minha honra. Para mim, ela está em jogo. As pessoas que movem esse processo contra mim não me conhecem. Do contrário não teriam a coragem de dizer que sou ladrão. Orgulho-me de tudo o que fiz por esse país. Quero que um dia eles se desculpem comigo - e com o povo brasileiro.
A entrevista foi conduzida por ZEIT ONLINE juntamente com jornalistas de The New York Times, The Guardian, Libération, El País e La Nación (da Argentina).
Lula: Muitas coisas. Mas o que me move é a minha honra. Para mim, ela está em jogo. As pessoas que movem esse processo contra mim não me conhecem. Do contrário não teriam a coragem de dizer que sou ladrão. Orgulho-me de tudo o que fiz por esse país. Quero que um dia eles se desculpem comigo - e com o povo brasileiro.
A entrevista foi conduzida por ZEIT ONLINE juntamente com jornalistas de The New York Times, The Guardian, Libération, El País e La Nación (da Argentina).
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