Em meio aos generalizados festejos jornalísticos da punhalada sofrida ontem por Lula, onde se discute apenas em quanto tempo se enterrará o “defunto”, Maria Inês Nassif vai buscar nele o contraponto da história oficial e produz uma bela reportagem, no Valor de hoje, de onde sai um homem determinado, que evidentemente já não pertence a si mesmo:
Lula diz que sua inocência virá das ruas
Maria Inês Nassif, no Valor
No dia a dia de sua nova rotina, provocada pelo acirramento da ofensiva judicial contra ele, não se fala de justiça. Lula tratou do processo com seus advogados – e, diz, com satisfação, escolheu aqueles que melhor compreendiam a natureza política das acusações contra ele. Com o partido, com os movimentos sociais e com seus interlocutores diários a conversa é sobre mobilização política, toda ela construída em torno de uma pretensão do partido de que ele dispute novamente a Presidência da República. Nos últimos dias, passou a tratar do pós-24 de janeiro sem se referir ao fato de que, neste dia, seria definido pelo TFR-4 o primeiro processo contra ele julgado por Moro, e de que uma condenação poderia resultar num pedido de prisão. O pós-24 é reiteração de sua candidatura e preparação da Caravana da Cidadania no Sul do país. Havia aventado também uma viagem à Etiópia, sede da União Africana. Seria para dar um gás à Iniciativa África do Instituto, que era a menina de seus olhos. Pretendia levar à África a experiência exitosa dos programas de combate à fome de seu governo, mas foi atropelada pela asfixia econômica imposta à instituição. Os planos que dependem só de sua vontade continuam de pé.
Não que nunca tenha passado pela sua cabeça a condenação, e até a possibilidade de prisão. É uma estratégia sua, pessoal, própria, de andar olhando para a frente. Ele evita pensar de cabeça quente: ninguém o verá aflito esperando uma matéria de uma revista semanal no sábado ou domingo. São dias da família. Na segunda-feira, provavelmente pegará todas as informações a respeito e tomará decisões. Aos filhos, que foram atingidos duramente pelos seus adversários políticos, sugere que evitem ficar preocupados com a vida do pai ou as suas. O argumento é o de que a briga será longa e eles têm que manter a serenidade. Semana passada, mandou os três filhos homens viajarem com a família para esfriarem a cabeça. Só voltaram na véspera do julgamento. Lurian, a única filha, que mora em Maricá, só chegou em São Bernardo também na véspera.
No Sindicato dos Metalúrgicos, ontem, Lula era a imagem da calma. Aos que tentavam ouvir os votos dos desembargadores do TRF-4 na televisão do salão onde as visitas foram esperadas com café de coador, misto frio, bolo de padaria e água, recomendava: “Não ouve isso não. Não vale a pena.”
De camiseta vermelha e calça jeans, o Lula de briga foi ao auditório agradecer a presença dos apoiadores, cumprimentou um a um dos que apareciam na sala, tirou fotos com quem pedisse, fez piadas e riu muito. Numa salinha reservada, no fundo do salão, teve conversas políticas com pessoas próximas. Não ouviu nenhuma palavra dita pelos juízes, na sessão transmitida pelas cadeias de televisão. Pegou as informações rapidamente com as pessoas que faziam isso por dever de ofício (advogados ou dirigentes políticos ou de movimentos sociais).
A serenidade, todavia, mantida em foro privado, torna-se indignação pública quando Lula coloca o seu drama pessoal nos termos que deve ter, segundo ele: como um dado da realidade política do país. “Eu não esperava que o Brasil voltasse a ter um regime autoritário. Fiquei estupefato com o fato de montarem toda essa história para tentar afastar qualquer possibilidade de volta da esquerda ao poder. Por isso nunca acreditei que seria julgado imparcialmente. A justiça é parcial, tem determinação política.” Vira ira quando comenta as denúncias contra os seus filhos: “Eles são covardes, mentirosos.”
É por sua família, mas principalmente pela política, que quer convencer o país de sua inocência. “Não posso ficar chorando. Vou às ruas. Vou lutar pelo reconhecimento de minha inocência, mas não apenas isso. Quero um pedido de desculpas. O país não merece estar mergulhado numa crise em função da obsessão das instituições pelo poder.”
Na visão dos seus aliados, se a Justiça desconhece que não cometeu crimes – Moro teria ignorado todas as provas apresentadas pela sua defesa, e o TRF-4 repetiu a façanha – por outro lado, o trabalho de Lula para ter o reconhecimento popular vai de vento em popa. Nas pesquisas dadas ao conhecimento do partido, a convicção do eleitorado em sua inocência já é majoritária; e surgiu uma faixa considerável daqueles que consideram que, mesmo culpado, ele merece ter seus votos. O julgamento popular foi revertido nas ruas, pelo seu poder mobilizador, mesmo com pouquíssima cobertura da mídia. É quase como que levantasse sua popularidade com as próprias mãos.
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