► Bolsonaro usou o judiciário com finalidade político – uma espécie de lawfare – para açular sua militância e apoiadores
Que decisão foi essa?
O ministro Raul Araújo, do TSE, parcialmente concedeu neste domingo (27/03) liminar favorável ao presidente Jair Bolsonaro (PL) no caso Lollapalooza.
– A manifestação exteriorizada pelos artistas durante a participação no evento, tal qual descrita na inicial, e retradada na documentada anexada, caracteriza propaganda político-eleitoral – decidiu o ministro do TSE.
Bolsonaro foi ao tribunal eleitoral reclamar do suposto caráter partidário do show que existe desde 2012.
O presidente usou como gatilho a Pablo Vittar, que exibiu uma bandeira de Lula e gritou “Fora Bolsonaro”.
Dúbia, a decisão do ministro proíbe manifestação a favor de candidato, sob pena de multa, mas não proíbe críticas, ou seja, pode descer a borduna no presidente Bolsonaro.
Avesso à liberdade de expressão e aos princípios democráticos, Jair Bolsonaro usou o judiciário com finalidade político – uma espécie de lawfare – para açular sua militância e apoiadores.
Bolsonaro utilizou seu partido, o PL, como mão de gato:
– O PL entrou com uma representação, no sentido de alertar os organizadores do evento sobre uma eventual ‘campanha política antecipada’, o que não é permitido pela Lei Eleitoral – justificou o partido.
Hoje, pela manhã, o presidente participa de reunião do PL que lançará sua pré-candidatura à reeleição.
Leia a íntegra da decisão do TSE:
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0600150-54.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO
FEDERAL
Relator: Ministro Raul Araújo
Representante: Partido Liberal (PL) – Diretório Nacional
Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros
Representados: Lollapalooza Brasil Serviços de Internet Ltda. e outro
DECISÃO
Trata-se de representação, com pedido liminar, ajuizada pelo diretório nacional do Partido Liberal (PL) em desfavor da empresa Lollapalooza Brasil Serviços de Internet Ltda. e Latin Investment Solutions Participações Ltda., por suposta prática de propaganda eleitoral irregular.
O representante alega em síntese (ID 157415789):
a) na data de 25 de março de 2022, Pabllo Vittar e Marina realizaram manifestações políticas em suas respectivas apresentações no evento ‘Loollapaloza’, na cidade de São Paulo/SP, que contou com a presença de milhares de pessoas;
b) durante seu show a artista Pabllo Vittar ergueu uma bandeira com a foto do pré-candidato ao cargo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, o que configura propaganda eleitoral antecipada;
c) “a cantora internacional Marina incide em propaganda eleitoral antecipada, na modalidade negativa, quando incita os presentes a proferirem palavras de baixo calão contra o pré-candidato filiado à legenda representante, notadamente quando sua fala se inicia com ‘eu estou cansada dessa energia, ****-se Bolsonaro” (p. 6);
d) “a manifestação política em mais de um show, uma em absoluto desabono ao pré-candidato Jair Bolsonaro e outra em escancarada propaganda antecipada em favor de ‘Lula’, configuram propaganda eleitoral irregular – negativa e antecipada – além de promoverem verdadeiro showmício, sendo indiferente se o evento foi custeado pelo candidato ou se o mesmo esteve presente no ato” (p. 7).
e) “embora a liberdade de expressão encontre ampla salvaguarda no conjunto normativo brasileiro, sabe-se que essa garantia não é absoluta, devendo abster-se de atentar contra outros valores jurídicos também resguardados por lei, como a isonomia entre os candidatos, a legitimidade das eleições, a proteção contra o abuso econômico e dos meios de comunicação, dentre outros” (p. 5);
f) as empresas representadas são responsáveis pelas condutas das artistas, notadamente pela dimensão do evento artístico, bem como pelo renome das cantoras que promoveram a mencionada propaganda antecipada;
Requer liminarmente que as empresas representadas “impeçam a realização de qualquer tipo de propaganda eleitoral irregular antecipada ou negativa em favor ou desfavor de qualquer candidato, sob pena de multa por descumprimento, apuração do crime, e sem o prejuízo de que a Justiça Eleitoral, em poder de polícia, impeça a continuação do evento” (p. 9).
Ao final, pleiteia que seja reconhecida a prática do ilícito-eleitoral para condenar as representadas à sanção de multa prevista no art. 36, § 3º, da Lei 9.504/1997, em seu patamar máximo, dada a gravidade e o poder econômico dos envolvidos.
É o relatório. Decido.
A Constituição Federal reiteradamente assegura a livre manifestação do pensamento, a exemplo do art. 5º, IV e IX, da Constituição Federal. No segundo dispositivo mencionado a Carta da República categoricamente assenta que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Na mesma toada é o art. 220, § 2º, no sentido de que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
O evento musical ‘Lollapaloza’, organizado pelas representadas, não possui caráter político-eleitoral e acontece no Brasil desde 2012, de modo que, neste ano, está sendo realizada mais uma edição. A manifestação exteriorizada pelos artistas durante a participação no evento, tal qual descrita na inicial,e retradada na documentada anexada, caracteriza propaganda político-eleitoral.
Embora seja assegurado a todo cidadão manifestar seu apreço ou sua antipatia por qualquer agente público ou até mesmo um possível candidato, a garantia não parece contemplar a manifestação retratada na representação em exame, a qual caracteriza propaganda, em que artistas rejeitam candidato e enaltecem outro.
Com efeito, de uma apreciação das fotografias e vídeos colacionados aos autos, percebe-se que os artistas mencionados na inicial fazem clara propaganda eleitoral em benefício de possível candidato ao cargo de Presidente da República, em detrimento de outro possível candidato, em flagrante desconformidade com o disposto na legislação eleitoral, que veda, nessa época, propaganda de cunho político-partidária em referência ao pleito que se avizinha.
A propósito, vale destacar o disposto no art. 36 da Lei das Eleições (lei n. 9.504/1997), in verbis:
Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição.
Não obstante a clara disposição legal em vitrina, os artistas e cantores referidos que se apresentaram no evento musical em testilha, além de destilar comentários elogiosos ao possível candidato, pediram expressamente que a plateia presente exercesse o sufrágio em seu nome, vocalizando palavras de apoio e empunhando bandeira e adereço em referência ao pré-candidato de sua preferência.
Nestes termos, considerando a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, defiro parcialmente o pedido de tutela antecipada formulada na exordial da representação, no sentido de prestigiar a proibição legal, vedando a realização ou manifestação de propaganda eleitoral ostensiva e extemporânea em favor de qualquer candidato ou partido político por parte dos músicos e grupos musicas que se apresentem no festival, sob pena de multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por ato de descumprimento, a ser suportada pelos representados, até ulterior deliberação desta Corte.
Publique-se. Intime-se com urgência.
Brasília, 26 de março de 2022.
Sem comentários:
Enviar um comentário