( Magno Martins )
Por Maurício Rands*
Apesar do mau gosto do título, não se trata de um livro de autoajuda. O colunista da CNN e do Washington Post, em seu recente livro, brinda-nos com reflexões argutas sobre o novo cenário. A partir do privilegiado posto de observação de suas entrevistas com personalidades de todos os campos da aventura humana. Em dez temas, ele descortina tendências de desenvolvimento que já eram perceptíveis, mas que se aceleraram com o novo normal pós-pandemia. A ver.
1. Preparar-se com antecipação. O Século 21, ainda no início, já produziu três grandes crises. Uma política (9/11), outra financeira (2008) e uma natural (Covid-19). Outras virão, pois bilhões de seres humanos ainda não vivem em condições dignas e isso coloca fortes pressões na natureza. As secas, os furacões e os vírus migrantes de animais como o morcego são meros sinais desse estresse. Por isso, teremos que forjar sociedades resilientes. Através de preparação antecipada, ações preventivas e respostas inteligentes poderemos amenizar outras crises que virão. Entre as quais pandemias como a Covid-19. Ou decorrentes do emprego de armas biológicas pelo bioterrorismo.
2. O que conta não é o tamanho dos governos, mas a sua qualidade e efetividade. As respostas dos governos tiveram diferentes níveis de eficácia na pandemia. Dos que se saíram bem alguns são de centro-esquerda. Casos da Coréia do Sul, Nova Zelândia e Taiwan. Outros são de centro-direita. Casos da Alemanha, Áustria e Austrália. Governos de populistas como Trump, Bolsonaro, Lopes Obrador e Boris Johnson saíram-se mal. Mais do que a inclinação ideológica ou o tamanho do aparato estatal, o que fez a diferença na contenção do vírus foi a qualidade dos governos. Como provaram Taiwan, Hong Kong, Cingapura (tido como o governo mais eficaz do planeta) e Coréia do Sul, todos com baixa proporção de despesas estatais em relação ao PIB. Mas que foram exitosos na crise. Como também provaram Canadá, Alemanha, Dinamarca e Finlândia, que também se saíram bem mesmo tendo estados grandes e custosos. A lição é de que foram bem-sucedidos os governos eficientes no manejo de suas burocracias. Para Zakaria, burocracias disfuncionais e lideranças ruins, como a dos EUA (“vetocracia”) [imagine-se a do Brasil!], explicam o fracasso diante do vírus.
3. Os mercados não são suficientes. Setores insuspeitos de esquerdismo, a partir da crise econômica gerada pela pandemia, hoje apoiam intervenções do estado em temas como a renda básica de cidadania. Inclusive para socorrer setores atingidos por pandemias ou deslocados pelas inovações tecnológicas. Surge um quase consenso de que os mercados não conseguem resolver as crescentes desigualdades, os abusos de monopólios como os das “big techs”, e as inseguranças de emprego e renda. Trabalhos antes pouco valorizados mostraram-se essenciais para enfrentar a pandemia. Voltou-se a falar do intrínseco valor do trabalho, mesmo em funções de pouco retorno financeiro. A lição que fica é a da revalorização do trabalho. Muitos hoje admitem que algumas regulações bem formatadas podem preservar a sociedade dos abusos de corporações públicas e privadas. E que podem assegurar uma competição mais justa. Além de viabilizar o papel do estado em ciência, tecnologia, educação e qualificação profissional. Sobressai-se o exemplo dos países nórdicos, que combinam a competição do mercado com a proteção social flexível (“flexicurity).
4. Deve-se ouvir os especialistas, mas os especialistas também devem ouvir o povo. A complexidade dos problemas a enfrentar, como mostrou a Covid-19, vai exigir cada vez mais a palavra de cientistas e experts. Zakaria atribui os fracassos do Brasil e dos EUA no combate à pandemia aos respectivos governantes que se guiam “pelo estômago e pela ignorância”. Contraexemplos. Mas os experts não se podem afastar dos cidadãos comuns. Precisam se conectar com as pessoas para priorizar suas necessidades. A meritocracia, numa democracia, não se pode imaginar superior. Tem que respeitar a vontade popular como a última fonte de legitimidade da autoridade.
5. A vida tornou-se digital. A revolução da tecnologia da informação mudou tudo. Nossa maneira de viver, agir e pensar. Mas fez-nos pensar no que é específico em nós os humanos. As máquinas inteligentes levam-nos a valorizar a criatividade, a imprevisibilidade, o calor humano, o capricho e a intimidade que são os atributos humanos que nos distinguem.
No próximo artigo, vou tratar das demais lições tratadas na obra.
*Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford
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