Mais uma mulher afirmou ter sido vítima de violência doméstica durante anos e decidiu quebrar o silêncio e expor publicamente denúncias contra o ex-marido. Desta vez, os relatos são sobre o desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) Évio Marques da Silva. A dona de casa Silvânia Maria Dias da Silva, de 42 anos, relatou agressões, perseguições e estupros.
O incentivo para falar abertamente sobre tudo, segundo ela, veio das denúncias feitas por Maria Eduarda de Carvalho contra o ex-marido Pedro Eurico, que ela viu no NE2 e no Fantástico. A denúncia de Silvânia originou um inquérito que está no Superior Tribunal de Justiça.
“Quando ele vinha bêbado, a gente se pegava na sala. Ele batia na minha cabeça, dava murro na minha cabeça, me imobilizava, subia em cima de mim. Depois que eu passei a ter as crianças, ele mandava as crianças descerem para não assistir às agressões. Ele me pegava à força também, para ter relação [sexual] comigo”, revelou.
Segundo a dona de casa, o casamento de papel passado aconteceu em 2013, mas foram 25 anos de relacionamento, iniciado ainda na adolescência, e muitos deles de violência.
No entanto, a primeira queixa dela na delegacia, de difamação por violência doméstica, foi feita somente na época da separação, no dia 4 de fevereiro de 2020, às 13h, na Delegacia da Mulher de Prazeres, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife.
No mesmo dia, foi registrada uma segunda denúncia, de lesão corporal por violência doméstica, pouco antes das 17h, na Delegacia de Igarassu. No dia 29 de outubro de 2020, Silvânia prestou mais uma queixa por difamação, também na Delegacia da Mulher de Prazeres.
Agressões e estupros
Apesar da primeira denúncia ter sido feita há pouco tempo, Silvânia lembrou que tinha 15 anos quando conheceu o desembargador, que tinha 38 anos. O encontro aconteceu na praia de Itamaracá, no Litoral Norte. Ele a convidou para tomar uma cerveja e os dois ficaram juntos na praia.
“Depois, ele me levou para a casa que ele tinha alugado lá, um duplex. Nesta mesma noite, eu já bêbada, ele dormiu comigo, nesse mesmo dia. Tinha 15 anos e ele perguntou se eu já tinha tido relação sexual. Eu disse que não. Ele foi meu primeiro. Eu era virgem e ele sabia", contou.
Depois, os dois se encontraram no Recife, já no dia seguinte. “Ele me buscou lá, me levou para o shopping, comprou roupa, perfume, foi me encantando com esse mundo que eu não tinha, né? De ter as coisas. Ele era juiz de juizado aqui de pequenas causas”, contou.
Um tempo depois, eles foram morar juntos no apartamento dele, no Recife. E as agressões, de acordo com ela, começaram cedo. A dona de casa disse que se sentia refém e que não podia dizer para ninguém o que acontecia.
A mãe de Silvânia era empregada doméstica e ela havia sido expulsa de casa pelo pai. A questão financeira pesou para que fosse suportando. “Passei a ajudar a minha mãe, minha mãe deixou casa de família e fui suprindo as necessidades da casa e me prendendo mais ainda nele”, relatou.
“Ele dizia que ninguém ia acreditar em mim, que eu era uma louca, que ninguém ia deixar de acreditar num juiz para acreditar em uma menina de 15 anos”, falou.
Câmeras e escutas
No início de 2020, depois de mais uma briga com o marido, Silvânia contou que resolveu se separar. O motivo da confusão teria sido novas descobertas de meios que ele usava para vigiá-la. Em um vídeo enviado pelo WhatsApp, ela mostra um equipamento de escuta escondido no carro.
“Câmeras escondidas dentro de casa, escuta. Ele botava gravador até na gaveta de calcinha da minha mãe, quando a gente ia para lá. Ele botava gravador em tudo que era canto”, lembrou.
Silvânia entregou para a TV Globo fotos que seriam de Évio deixando bem claro para ela que estava de olho em tudo que fizesse. O empresário Amilton Eduardo Francisco, que conviveu com o casal, afirmou que ficava impressionado.
“Se abrisse uma gaveta de talheres, encontrava escuta. Se conversasse na cozinha da casa de Silvânia, tinha escuta onde tem o pão, tinha câmera lá em cima, no armário da louça”, observou o empresário.
Amilton era bem próximo da família. Tinha acesso aos carros e à casa. "Eu dirigia tanto o carro de Silvânia quanto o carro do TJPE, a qualquer momento. Se eu quisesse sair com a filha, ir para o shopping, passear, pegava o carro e ia, com o consentimento dele. Ele falava: vai no do Tribunal porque assim você não vai ser parado pela polícia", disse.
Ninguém se atrevia a denunciar. "O próprio Évio dizia: a pessoa que tentasse se aproximar de Silvânia ou fazer alguma coisa, ele cuidaria do jeito dele. Aí ele dava medo. Um desembargador. Então, todo mundo tinha medo", contou Amilton.
A demora para denunciar, segundo Silvânia, foi por medo e por achar que ninguém acreditaria nela. Após denunciar, o conselho que recebeu de muita gente foi para desistir.
“Eu não sei como [chegou até aqui]. Todo mundo dizia para eu parar, para eu desistir disso, que isso não iria levar a lugar nenhum. Que essa minha batalha, minha luta, meu processo, não iria dar em nada, mas eu não parei. E hoje eu estou aqui, não sei como. Um milagre”, emocionou-se.
O advogado dela, José Cahu de Carvalho Neto, lembrou que é muito difícil conseguir sair de uma situação onde existe dependência emocional e financeira.
“Ele era uma pessoa totalmente instruída, cheia de conhecimentos. E depois, com o tempo, ela ficou totalmente dependente, teve filhos e não pôde sair desse ciclo. Para quem está de fora, é muito fácil falar, mas para quem está dentro, ali naquela relação, não consegue sair”, destacou o advogado.
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