86,4% das jornalistas brasileiras consultadas pela pesquisa afirmaram ter passado por situação de discriminação de gênero e 70,2% presenciaram ou tomaram conhecimento de assédio
O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo divulga pesquisa feita pela Gênero e Número e pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). O trabalho consultou mais de 500 mulheres jornalistas – 86,4% afirmaram ter passado por situação de discriminação de gênero e 70,2% presenciaram ou tomaram conhecimento de assédio.
Pesquisa realizada pela Gênero e Número e pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) com mais de 500 jornalistas brasileiras mapeou como o machismo afeta estas profissionais em seu ambiente de trabalho. Os resultados apontam para a presença de atitudes sexistas em redações em todo o país, que vão desde a distribuição de pautas com base em estereótipos de gênero até o assédio sexual perpetrado por colegas e superiores, sem uma resposta adequada das empresas para estes problemas.
A pesquisa “Mulheres no Jornalismo Brasileiro” promoveu grupos focais em quatro capitais – Rio de Janeiro, Porto Alegre, Brasília e São Paulo – com 42 jornalistas, que abordaram as principais questões em relação à desigualdade entre mulheres e homens no jornalismo a partir de suas próprias experiências. Estas conversas serviram como base para a elaboração de um questionário online, respondido por 531 jornalistas em todo o Brasil, das quais 477 responderam ao perfil solicitado pela pesquisa – funcionárias de veículos jornalísticos – e foram consideradas para a consolidação dos resultados.
Um dos temas mais presentes no debate público nos últimos anos têm sido o assédio sexual de homens contra mulheres, e este tipo de abuso contra jornalistas no exercício do trabalho também tem sido cada vez mais repudiado publicamente por muitas profissionais. Na pesquisa, 70,4% das respondentes disseram já ter sido alvo de abordagens de homens durante o exercício da profissão que as deixaram desconfortáveis.
Janaina Garcia, uma das 30 profissionais que formam o coletivo “Mulheres jornalistas contra o assédio”, disse a Gênero e Número que o grupo recebe com frequência relatos e pedidos de ajuda de mulheres alvo de assédio sexual por parte de homens que são suas fontes ou seus colegas de redação. “O que a gente sempre orienta nestes casos é que isso seja levado ao conhecimento de alguma entidade sindical ou, dependendo da situação, que seja feito um registro policial. Mas é muito delicado, porque o emprego da pessoa está em jogo, não dá para simplesmente dizer ‘joga no ventilador’”, afirma a jornalista.
Para Maiá Menezes, diretora da Abraji, “o dado mais preocupante é o que diz respeito ao assédio das fontes no exercício do trabalho da jornalista, e o quanto isso pode dificultar a apuração de uma reportagem e constranger ou mesmo condicionar o acesso à informação”, afirmou a Gênero e Número. Nos grupos focais, muitas mulheres relataram como esta situação as coloca em desvantagem em relação a seus colegas homens.
No exercício do trabalho, 83,6% das participantes da pesquisa relataram já ter sofrido alguma situação de violência psicológica que elas relacionaram ao fato de serem mulheres. Entre as situações citadas estão insultos presenciais ou pela internet, humilhação em público, abuso de poder ou autoridade, intimidação verbal, escrita ou física e ameaças pela internet – vindo de superiores, colegas, fontes e do público.
Além do assédio sexual por parte de fontes e colegas e da violência psicológica, as jornalistas com frequência também têm que enfrentar a discriminação sexista dentro da redação em relação a seu trabalho, como relataram 86,4% das participantes da pesquisa. Para Garcia, este tipo de discriminação não pode ser dissociado de uma cultura de assédio moral nas redações. “As empresas ainda não entenderam que o sujeito que está exposto a isso não é a pessoa jurídica [da empresa], é a pessoa física”, afirma. “O assédio afeta psicologicamente a pessoa [que é alvo], é uma questão de saúde também, não apenas um debate sobre gênero e condições de trabalho.”
Sem amparo dentro das empresas
Embora a maioria das jornalistas no país vivencie situações de machismo no ambiente de trabalho, as empresas ainda não respondem de maneira adequada ao problema, segundo disseram as profissionais que participaram da pesquisa. As mulheres presentes nos grupos focais afirmaram que a tendência geral nas empresas é minimizar e abafar os casos de assédio que chegam a ser denunciados. Também é recorrente a recomendação de que a jornalista administre a situação ou aprenda a “se impor” perante machistas e assediadores.
Apenas 30% das respondentes do questionário online disseram que suas empresas atuais possuem canais para receber e responder a denúncias de assédio e discriminação de gênero. E embora 70,2% das participantes tenham afirmado que já presenciaram ou tomaram conhecimento de uma colega sendo assediada em seu ambiente de trabalho, somente 15,1% disseram já ter feito alguma denúncia sobre estes casos à empresa.
As empresas de comunicação “precisam mostrar que de fato estão interessadas em combater” o assédio e a discriminação contra as jornalistas no ambiente de trabalho, acredita Garcia. Ela propõe que as empresas ouçam seus funcionários sobre estes temas, e a partir disso promovam treinamentos e palestras para promover uma cultura de equidade de gênero em todos os níveis.
A Abraji está trabalhando para “estruturar um protocolo para que as jornalistas não sejam expostas a esse tipo de situação em seus momentos de trabalho”. “Acho que há alguns canais, e há a possibilidade de diálogo com compliances [controle de conduta] de empresas. A própria Abraji poderia abrir canais por meio dos quais seja possível receber denúncias de que o assédio estaria obstruindo o acesso à informação jornalística”, sugere Maiá Menezes.
Para Garcia, que trabalha como jornalista há 14 anos e fundou com colegas o coletivo “Mulheres jornalistas contra o assédio” há um ano e meio, o debate recente sobre a questão tem feito com que algumas coisas se movam também no jornalismo. “Tenho colegas de décadas no jornalismo que se deram conta do quanto isso estava naturalizado”, contou, acrescentando que “despertar essa tensão” é um passo importante para mudar também a cobertura jornalística sobre o machismo.
“Há uma janela para se falar disso hoje. A gente tem colocado o dedo na ferida, qualificado o debate. O que não quer dizer que não aconteça mais, mas hoje se naturaliza menos, se joga menos para debaixo do tapete, se fala mais com as colegas sobre isso. Para o assediador, isso é um alerta”, acredita.
Clique aqui, para acessar toda a pesquisa.
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