O artigo dominical de Fernando Henrique Cardoso, hoje, é uma destas pérolas toscas da estupidez que produzem apenas aqueles que se aferram a verdades transcendentais, como fazem os que defendem o desmonte da rede de proteção social formada pelas aposentadorias como “varinha de condão” com a qual o Brasil venceria o feitiço da estagnação e luziria aos brilhos de uma nova fase de progresso.
É algo que se admitiria ouvir de parvos ou de gente que diz qualquer coisa na ânsia de servir ao sistema financeiro. Dou o exemplo da desfaçatez de Carlos Alberto Sardenberg ao falar, com a sofisticação intelectual de um “Delegado Waldir”, que a “nova previdência tira dos ricos para dar aos pobres”, sabendo que as alíquotas sobre altos salários do Serviço Público responde por apenas 0,2% do “trilhão mágico” de Paulo Guedes e que a maior parte dos outros 99,8% virá dos trabalhadores privados, com baixa média salarial.
Diz FHC que o Brasil “precisa de crença” e que “falta chacoalhar o país outra vez, como fez Juscelino em seu tempo e mesmo o Plano Real, e vislumbrar um futuro mais venturoso”.
Esta crença geraria entusiasmo, que ele relembra ser, etimologicamente, ter “Deus no coração”. Faltou o “talquei”, não é? Mas, sem ironia, mostremos como é asneira o que diz.
Em primeiro lugar, não existe absolutamente nada mais distante dos pensamentos dominnantes no Brasil hoje que sequer de longe se assemelhe ao entusiasmo da era JK.
Não há qualquer plano de metas em nosso horizonte, muito menos metas que possam ser alcançadas sob a regência do poder público. Zero estradas, zero usinas, zero refinarias, zero em qualquer matéria de obras de infraestrutura. Não há investimento direto e não há pretensão de financiar o investimento privado com créditos públicos, como JK fez com o então BNDE. Não há política industrial, como houve, com ele, no setor automobilístico, na indústria metalúrgica e na naval, entre outras.
Também não há, como no período FHC, a doença da inflação galopante que servisse a legitimar o que, nos dias de hoje, é impossível legitimar: pacotes econômicos. A prateleira de artigos a vender está reduzida, à exceção das jazidas de petróleo, a itens não monopolistas, ao contrário do que eram o setor elétrico, a telefonia e o minério de ferro, malbaratados pelo presidente falastrão.
E também não há possibilidade de fazer a “fase prévia” que se fez nos dois primeiros, com a elevação cavalar das tarifas antes das privatizações, nem, como dito antes, de bancá-las com o crédito oferecido pelo Estado à custa de seu endividamento interno e externo, que dobrou nos anos FHC.
O “chacoalhão” a que o ex-presidente se refere, portanto, é o de transferir renda da força de trabalho – porque é dela que vêm as aposentadorias – para o capital financeiro, o único setor que vai cada vez melhor no Brasil.
Francamente, não sei o que se passa na cabeça de alguém como ele, a quem não faltam ferramentas de compreensão da realidade, para dizer algo assim a um país que, há cinco anos, vem vivendo aos chacoalhões políticos e econômicos. O vício de colocar nas finanças os sonhos de progresso de uma nação é tão doentio como o daqueles sujeitos que largam tudo na vida para ir jogar na Bolsa de Valores.
O que o Brasil precisa, isto sim, é parar de chacoalhar e retomar a normalidade e as perspectivas de ganhar no medio e longo prazo, com trabalho, produção e consumo, três vetores da economia que estão sendo, desde então, arruinados. Precisa de uma reforma bancária e de uma reforma na tributação, que limite a gula dos bancos por lucros recorde em cima de lucros recorde, que taxe lucros astronômicos sem taxar os ganhos de sobrevivência das pequenas e microempresas, que estimule o crédito a longo prazo e acabe com a obscenidade de alguém pegar R$ 10 mil e, pagando quase R$ 800 por mês, um ano e meio depois esteja devendo R$ 12 mil.
Quem tem de ser chacoalhado no Brasil é o rentismo especulativo, o país onde o “day trader” – aqueles que fecham operações de compra e venda a cada dia substituíu o velho “overnight” que se praticava nos anos 80.
O pior é que Fernando Henrique sabe onde está a saída – “sem crescimento da economia, por mais que se reduzam os gastos, faltará pão às pessoas e combustível para o governo andar” – mas prefere dizer que isso vai ser alcançado com a confissão de que é “o Estado faliu” e que só terá recursos para investir se tirar da Previdência. Faz concessões, diz que não é só isso, mas é só disso que fala.
Vai de borzeguins ao leito, como se dizia antigamente: legitima a reforma da previdência, mas não tem a coragem de assumir a defesa de quem a faz, como o gato que quer as castanhas do fogo, mas não quer chamuscar o pelo. (Informações Tijolaço)
Postado por Madalena França
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