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segunda-feira, 18 de julho de 2022

Contestação de resultado das urnas na Justiça é rara e tem barreiras


A ameaça do presidente Jair Bolsonaro (PL) de não aceitar o resultado da eleição e

 sua desconfiança em relação às urnas eletrônicas devem encontrar uma série de

 barreiras se levadas à Justiça Eleitoral. São quase inexistentes os casos em que 

houve questionamento formal às urnas eletrônicas —e em nenhum deles foi

 encontrada fraude.

Por meio de uma profusão de mentiras, Bolsonaro vem fomentando a descrença 

nas urnas. No entanto, ao invés de ser barrado por aqueles ao seu redor, o mandatário 

tem contado com o respaldo de militares, membros do alto escalão do governo e 

seu partido em sua cruzada contra a Justiça Eleitoral. As informações são da Folha

 de S. Paulo.

As Forças Armadas têm repetido o discurso de Bolsonaro. Em ofício recente, 

solicitaram ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) todos os arquivos das eleições


 de 2014 e 2018, justamente os anos que fazem parte da retórica de fraude do 

presidente.

Em mais um ataque direto a ministros, na última sexta-feira (15), Bolsonaro errou

 ao dizer que o atual presidente do TSE, ministro Edson Fachin, foi quem tirou

 Lula (PT) da prisão.

“Quem foi que tirou o Lula da cadeia? Foi o ministro Fachin. Onde está o Fachin 

hoje em dia? Conduzindo o processo eleitoral. Suspeição, ou não é?”, questionou

 em evento com evangélicos.

Diante do discurso de cunho golpista, quem atua no direito vê risco de que, assim

 como fez Donald Trump nos Estados Unidos, também Bolsonaro tente converter

sua retórica de fraude em medidas judiciais. O ex-presidente americano pediu 

recontagem de votos em diversos estados e perdeu uma série de ações.

Neste caso, ainda que o cenário se mostre bastante incerto, dado seu 

ineditismo e escassez de precedentes, há também barreiras que podem 

impedir ações despropositadas.

Especialistas consultados pela Folha dizem acreditar que ações que contestem

 as urnas perante o TSE não devem prosperar pois necessitariam de provas de

 fraude, algo que nunca ocorreu desde a adoção da urna eletrônica.

Urna voto

“Ter uma eleição anulada pela via judicial é algo mais do que remoto. Do ponto

 de vista material, não há evidência ou notícia de fraude na urna eletrônica”, 

afirma o advogado Carlos Gonçalves Júnior, professor de direito eleitoral da 

PUC-SP. “E do ponto de vista formal não existe um instrumento jurídico próprio

 para esse questionamento.”

Procuradores eleitorais ouvidos pela reportagem apontam que o instrumento de

 guerra judicial pode ser usado por Bolsonaro apesar de a chance de êxito ser 

praticamente nula.

O exemplo de Trump mostra que não existe uma preocupação com a viabilidade

 jurídica das ações, mas sim uma estratégia de mobilização de apoiadores a partir 

do desafio ao resultado das urnas.

Bolsonaro já tomou outras medidas polêmicas que serviram de munição para sua 

base eleitoral, como o indulto ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) e a medida

 provisória para limitar a retirada de conteúdo das redes sociais na véspera da 

manifestação de 7 de Setembro no ano passado.

Em 2014, após perder as eleições para Dilma Rousseff (PT), o PSDB de Aécio 

Neves levou ao TSE um pedido de auditoria especial, que foi deferido pelo

 tribunal sob o argumento da transparência.

“Nas redes sociais os cidadãos brasileiros vêm expressando, de forma clara e 

objetiva, a descrença quanto à confiabilidade da apuração dos votos e a 

infalibilidade da urna eletrônica, baseando-se em denúncias das mais variadas

 ordens”, apontava o partido.

De lá para cá, os regramentos da Justiça Eleitoral que tratam de fiscalização 

e auditoria passaram a ter mais detalhamento. Pedidos de verificação extraordinária

 após as eleições exigem como requisito a apresentação de fatos, indícios e 

circunstâncias que os justifiquem, caso contrário podem ser negados.

O caso do PSDB não foi convertido em uma ação judicial. Apesar de não ter 

encontrado fraude, o partido gerou desgaste solicitando ao TSE uma série de

 procedimentos não previstos. Ao final, alegou em relatório não ser possível 

auditar o processo por completo.

Especialistas explicam que o pedido de auditoria é administrativo e não tem como

 função o questionamento da eleição, tampouco tem o poder de alterar seu resultado.

Atualmente, uma resolução do TSE prevê qual é a amostra de urnas a serem

 auditadas em caso de ação judicial relativa aos sistemas de votação ou de 

apuração, mas não especifica essa ação.

“Não seria desejável que o sistema judicial brasileiro tivesse um amplo 

mecanismo de questionamento das eleições. Isso é para ser uma situação 

de extrema excepcionalidade, de absurdo notável. A confiança no sistema 

eleitoral é um dogma da democracia”, afirma o professor da PUC a respeito

 de o terreno de contestação ser pouco explorado no país.

A depender do caso, segundo os especialistas, as possíveis alternativas 

de Bolsonaro para questionamento judicial seriam um mandado de segurança 

ou uma Aime (ação de impugnação de mandato eletivo). Em ambos, contudo, 

ele precisaria ter provas.

O mandado de segurança exige uma prova pré-constituída, ou seja, uma fraude

 claramente caracterizada.

A Aime é usada em caso de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude 

—a ação de contestação teria que se encaixar na terceira hipótese.

Segundo a advogada eleitoral e professora Marilda Silveira, é preciso um mínimo 

de prova para que a ação tenha andamento, o que não incluiria por exemplo,

 mera retórica ou relatos testemunhais de supostas falhas. Neste caso, diz ela,

 a ação provavelmente terminaria arquivada.

Silveira aponta ainda que, caso se faça uma auditoria ou contagem paralela 

alegando um outro resultado que não o oficial, também não haveria nenhuma 

repercussão jurídica. “Não acontece nada”, afirma. “Vão ter que pegar essa

 auditoria que eles fizeram e juntar isso numa ação judicial que conteste a 

legitimidade das eleições.”

O único caso de ação de impugnação envolvendo alegação de fraude na urna

 eletrônica identificado pela Folha aconteceu nas eleições para governador de 

2006, em Alagoas. João Lyra, que concorria ao cargo pelo PTB, tentou impugnar

 o mandato de Teotônio Vilela Filho (PSDB).

O ministro relator do recurso afirmou em seu voto que não se negava a ocorrência

 de inconsistências na operação de parte das urnas, mas que não havia mínima 

prova de elas terem se consubstanciado em fraude. Também foi imposta uma 

multa a Lyra por litigância de má-fé.

Lyra alegava, entre outros pontos, que o resultado teria sido distinto do que

 diziam as pesquisas eleitorais à época e apresentou um relatório de um professor

 do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) que indicaria supostas irregularidades.

Para Silveira, a jurisprudência mais recente de Aimes, ainda que não tratem de fraude 

em urna eletrônica, são mais relevantes do que este caso de 2006, por ser muito antigo.

“A ação de impugnação de mandato eletivo só pode ser julgada procedente se houver 

uma fraude que é caracterizada fraude grave, que leve a uma quebra de legitimidade 

do processo eleitoral”, diz.

Postado por Madalena França via Magno Martins

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