Os leitores de livros de suspense devem conhecer o best-seller “Ícone”, de Frederick Forsyth, onde se narra a história de um fascista medíocre, Igor Komarov, que desenvolve um plano de tomada do poder na Russia decadente do período pós-Gorbachov e pós-Boris Yeltsin. Entre outras coisas, Komarov organiza uma milícia, uma tropa para-militar – os Guardas Negros – sob o comando de um ex-coronel do Exército da URSS, Anatoli Grishin.
Para todos os efeitos, Komarov é um líder político, seguido por fanáticos assustados com a decadência e a fome do antes próspero país, mas não uma ameaça de ditadura como se revelaria depois.
A lembrança, obviamente metafórica, veio-me ao pensar no que será do Brasil quando, daqui a pouco tempo, terá de conviver com os grupos que se formaram em torno do “Mito”.
Vencido Jair Bolsonaro, como é provável, ou vencedor, que destino tomarão os seguidores do “mito”, que se expressam virtualmente, é verdade, mas correspondem a pessoas reais, radicalizadas e intolerantes?
Formarão um partido ou degenerarão para algo semelhante a milícias, como já vemos acontecer com grupos de rapazes “bombados” que, nos últimos anos, se formaram na esteira dos movimentos de rua nos últimos cinco anos?
Pior: qual o risco que isso traria estando, como estão, ramificados dentro da polícia e de setores da tropa e da baixa oficialidade das Forças Armadas, das quais o alto-comando não teve forças para dissuadir seu mais rebelde integrante a poupar a instituição de um envolvimento direto com esta turma e sair candidato a vice logo após passar à reserva, o General Mourão?
Quem acha que a classe média obtusa e reacionária, limita-se os inofensivos pets com que as senhoras desfilavam mas manifestações já pode, se quiser, ver que são mastins, cães de guerra, os que se juntam ao redor do “Mito”.
Não, não são os “bolsominions” o problema. O problema são os “bolsomaxions” da mídia e do Judiciário que transformaram este país numa arena, onde se faz a “Guerra Santa” contra a política, a única forma civilizada de mediar as relações humanas.
Maior problema ainda, e resultante deste, é a legitimação da ação direta que, a esta altura, está na iminência de se tornar a regra para uma camada de gente agressiva, dona de razões e preconceitos absolutos e que considera aceitável bater, torturar e fuzilar.
O louco da faca de Juiz de Fora pode ter produzido uma desgraça maior do que os intoleráveis ferimentos a Bolsonaro. Deu exposição “pacifista” aos arautos do “tiro, porrada e bomba” como estratégia de “salvação nacional”.
Vencer as eleições é o primeiro passo para desfazer os perigos que só um cego não vê, a esta altura. Tirar-lhes-á a volúpia de quem pensa em tomar o poder ali na esquina.
Mas só a recuperação da civilidade e das esperanças de que a vida não seja um pântano é que podem nos livrar destes cogumelos venenosos que não cessam de brotar.
Madalena França Via Tijolaço
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